Vladimir Britcha
Foto: Gerard Giaume
A primeira vez que trabalhei com o Vladimir Brichta foi em um comercial de cerveja. Não vi A Máquina, peça de Joao Falcão que trouxe os célebres novos baianos do Nordeste para o Rio. Minha referência vinha da novela das 7, nas quais desfilava entre os apetitosos descamisados da trama. Eu me lembro de que parei no tríceps, jamais esqueci o tríceps, e que demoramos a nos reencontrar.
Quando fiz Saneamento Básico, filme de Jorge Furtado com Wagner Moura e Lázaro Ramos, descobri a majestade daquela turma de atores homens importados de Salvador. Donos de um humor malemolente, tinham passado anos na penúria, vivendo de teatro e fazendo pontas em cinema. Eram vira-latas irresistíveis, talentosos como os garotos de sinal. Cantavam, dançavam e representavam, tinham se formado na faculdade de teatro da Bahia e em grupos como o Olodum; e conscientizados, ainda guardavam uma invejável irresponsabilidade de meninos.
Foi com o Wagner que eu percebi o quanto eu havia me equivocado com o Brichta. Compreendi suas escolhas profissionais, pressionadas pela ameaça de perder a guarda da filha, e me lembrei do tríceps, que tríceps…Desde então, passei a segui-lo.
Nos cruzamos novamente no set de A mulher Invisível. Ele fazia o papel do melhor amigo do mocinho, apaixonado pela namorada do outro. No monologo de arrependimento, o sedutor revelava o quanto a descoberta do amor havia sido transformadora para ele. Brichta miava, escorregava pela parede, fazia a pantomima da revelação e se divertia com os caminhos da representação, entre as fúrias, abnegações e epifanias do personagem. Era maravilhoso de se ver. Não sei se foram os hormônios da minha gravidez avançada, ou o método ou a loucura do Vladimir, mas fui tomada por uma simpatia sem igual pelo Menino Deus de Salvador.
Passei a idolatrá-lo. Recém-parida, não o assisti em Os Produtores, ao lado de Miguel Falabella. Comemorei à distância a escolha precisa da dupla e da obra. Da experiência, o Gene Kelly do Sertão guarda uma finalização com a perna esticada e o pé em ponta, à la All that Jazz , da qual, tenho certeza, guardarei eterna lembrança.
O Vlad não é caricato, é mais sutil do que isso, mas ele tem o dom da caricatura. É físico, se expressa com todo o corpo, e extremamente musical. Ele poderia ganhar fortunas em programas como Qual é a música, graças ao repertório infinito e à voz de veludo. Alguns atores dominam a arte da imitação, o Brichta imita sem dizer que está imitando, ele usa o traço-chave, a entonação, compõe um mosaico de gestos e expressões para criar alguém. De vez em quando você descobre: Fulano!. Mas ele já está em outro. Nas pequenas cenas que vi d’OsProdutores, Brichta parecia fazer a sua paródia Praça Tiradentes da Broadway, do baiano em Paris.
Tenho vontade de subir a Igreja da Penha de joelho para agradecer o parceiro em Tapas& Beijos. No início, me lembro de brincar que a Fátima fazia coisas que a mulher do Armane não fazia. O Vlad embarcou na brincadeira no segundo seguinte, é um ator totalmente disponível, grande jogador, companheiro, e faz o Armane com o irretocável humor tragicômico do macho espada covarde.
O Highlander de Copacabana tinha que desmaiar em uma cena. O cartunista não se contentou em apenas cair duro, com seu metro e tanto de comprimento e o costado de surfista que a vida lhe deu, Brichta levantava os tríceps para os céus, e que tríceps…e fingia falta de ar, tal e qual uma virgem donzela. Da boca, saiam guinchos de gato asmático, enquanto ele buscava apoio no frágil Migliaccio. Dali, o doido assumia uma bravura heroica, seguida de um desamparo infantil. Tudo em um espaço de duas falas.
Muitas vezes, no estúdio, a gente fica assistindo para ver até onde ele vai chegar. Em Arte, Vlad trava uma verdadeira batalha para conter o absurdo gesto de cuspir um caroço de azeitona. Ele o decupa em tantos detalhes que o efeito ilógico da ação salta aos olhos. É hipnotizante.
A convivência também me fez descobrir os pais intelectuais, professores de esquerda, a mãe hippie, de Itacaré, os irmãos doutorandos e a ligação comovente com a Adriana. O nome vem da origem austríaca da família, ele é o único dos parentes que não fala alemão. O Brichta é o primeiro baiano ariano de que tenho noticia.
Adoro encontra-lo. Os assuntos são sempre muitos: as noticias de jornal, a vida, os livros, os filmes, os projetos, o futuro. Respeito muito a independência artística que ele busca. E também as suas bobagens mis.
A minha predileta é a mímica do baiano levando a namorada para atravessar a pipoca do Carnaval soteropolitano. O certo é botar a mulher na frente e proteger com os braços igual uma galinha de asa aberta. Se alguém te bolinar pelas costas, tudo bem, faz parte, diz ele. O desavisado dá a mão para a guria e vai na frente, abrindo o caminho, quando chega no destino, puxa o braço e só vem a mãozinha da pobre, o resto foi devorado.
Os tríceps diminuíram, mas o encanto …só fez aumentar.