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“Eu não poderia me manter em silêncio”, diz Lewis Hamilton sobre racismo

Acumulando títulos e críticas, o piloto ergue a voz para abrir a F1 a uma geração diversa, esperando que ela não precise enfrentar os mesmos preconceitos

Por Letícia Paiva Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
22 dez 2020, 09h00

Chovia forte em São Paulo e a largada já estava atrasada por causa do mau tempo. O Grande Prêmio (GP) do Brasil de 2008, a última e decisiva prova da temporada, começou às 15h12 daquele 2 de novembro. Ali seria definido um dos mais disputados títulos da história da Fórmula 1 – a última vez que a competição anual fora resolvida no circuito final havia sido em 1964, no México.

Naquela tarde, o paulistano Felipe Massa foi o primeiro a receber a bandeirada de fim de prova e já ia ser aclamado como campeão do Mundial, mas, após uma ultrapassagem inesperada na última curva, o troféu foi parar em outras mãos. Mais um fã de Ayrton Senna iniciava sua ascensão no autódromo que homenageia o piloto brasileiro: Lewis Hamilton.

Com um ponto de vantagem no ranking final, o inglês, então com 23 anos, que corria sua segunda temporada, entrou para a história como o mais jovem e primeiro negro campeão da modalidade. O primeiro recorde ele logo perderia para Sebastian Vettel, mas, nos 12 anos seguintes, permaneceria o único negro entre 20 competidores. Também se tornaria o recordista em número de GPs ganhos e de títulos com a sétima vitória este ano.

Comparar o Lewis daquela época ao de hoje é testemunhar não só o amadurecimento de um atleta mas também quanto ele ficou à vontade em expressar a sua importância como figura dissonante da esperada para uma estrela do automobilismo.

“Conforme acumulou vitórias, ele ficou mais seguro até para seguir uma estética própria, próxima dos rappers e atletas americanos negros. Ao mesmo tempo, passou a manifestar insatisfações e a defender causas humanitárias. É um herói moderno, que foge ao padrão dos outros pilotos até aqui”, afirma Mariana Becker, repórter que cobre a F1 na TV Globo desde 2008 e acompanhou o desenvolvimento dele de perto.

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Lewis atentou para o fato de que, diferentemente do que pensava quando começou, ser pioneiro e estar ocupando o topo do pódio não seria o suficiente para abrir portas para outros jovens negros. Antes do inglês, o único homem negro a pilotar um carro da categoria foi o americano Willy Theodore Ribbs, convidado a testar pela Brabham em 1985, ano de nascimento de Lewis.

“Competir e ganhar campeonatos não significa nada se você não promover mudanças. Eu não poderia me manter em silêncio”

Lewis Hamilton

“No final de 2019, olhando as fotos de todos os times, com pilotos e mecânicos, eu pensei: ‘Não há pessoas não brancas presentes’. Competir e ganhar campeonatos é algo ótimo, mas o que isso realmente significa? Nada se você não promover mudanças. Eu não poderia me manter em silêncio”, disse ele ao jornal britânico The Guardian em novembro, após vencer na Turquia.

Assim, Lewis resolveu tornar 2020 um ano de virada para posicionamentos antirracistas no esporte e usar o holofote que tem para protestar. Nos carros da equipe do piloto, o tradicional prata da Mercedes, escuderia dele, foi trocado pela cor preta, marcando posição contra o racismo. A montadora também adotou o slogan “racing by diversity and inclusion” (correndo por diversidade e inclusão) e se comprometeu a recrutar de forma mais diversa.

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Na abertura do GP da Áustria, em julho, que teve a temporada atrasada por causa da pandemia, o piloto convidou colegas a vestir camisetas com frases contra o racismo e a violência policial e a se ajoelhar na largada, em gesto de protesto. A manifestação não foi cumprida por seis pilotos. Também foi criada a campanha We Race as One (Nós corremos como um), da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), sob a liderança do piloto. O intuito é combater a homofobia e incentivar a diversidade racial e de gênero.

A movimentação foi impulsionada por sua indignação após a morte do segurança negro George Floyd, asfixiado por um policial branco nos Estados Unidos, o que desencadeou protestos do grupo Black Lives Matter mundo afora. Lewis caminhou em Londres, acompanhando milhares de manifestantes; nas redes sociais, criticou estrelas do esporte que não se posicionaram.

“Eu estou vendo quais de vocês continuam calados. Alguns dos maiores e ainda assim ficam em silêncio em meio à injustiça. Nenhum sinal de ninguém da minha indústria, que, claro, é esse esporte dominado por brancos”, escreveu ele no Instagram dias após o homicídio. Naquele momento, estrelas do basquete americano organizavam atos, reforçando o isolamento dele na F1.

Lewis Hamilton ajoelhado em protesto contra racismo
(Instagram/CLAUDIA)

Em suas vitórias, Lewis adotou camisetas chamando a atenção para crimes com componentes racistas até que, em setembro, a FIA orientou que os pilotos vestissem apenas o macacão. Ele então imprimiu palavras de ordem nas máscaras. O jeito de Lewis se vestir dentro e fora das competições – ele tem um estilo urbano arrojado e até assinou uma linha com a Tommy Hilfiger – foi criticado pelo ex-chefe da F1, Bernie Ecclestone, em novembro, pouco antes de ele ultrapassar o recorde de títulos de Michael Schumacher.

“Se eu não soubesse que ele é piloto, não imaginaria. Bastava olhar para Schumacher e Nelson Piquet (tricampeão nos anos 1980) para saber o que faziam. Estavam vestidos para o papel”, disse Bernie referindo-se à combinação de camisa polo e boné com logos da escuderia, em contraste com o visual de Lewis.

Esses lembretes constantes de que ele é um pária no esporte vêm desde a infância humilde na Inglaterra, quando, assim como a maioria dos pilotos profissionais, começou sua trajetória vencendo campeonatos de kart. A cidade natal de Lewis, Stevenage, a cerca de 50 quilômetros de Londres, tem 3,5% de negros entre seus atuais 88 mil habitantes. Nem como campeão ele se tornou unanimidade no país.

“Além de o automobilismo não ser tão popular na Inglaterra, Lewis Hamilton não é visto por uma grande parcela da população como um típico herói britânico”, diz Mihir Bose, radialista e primeiro editor de esportes da BBC.

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Exemplo dessa divisão é que, em uma tradicional premiação de personalidade esportiva do ano feita pela rede de mídia, escolhida por meio de voto popular, Lewis já ficou na segunda colocação quatro vezes recentemente e venceu apenas em 2014, antes de metade dos seus títulos – no ano passado, o destaque foi Ben Stokes, do críquete.

“Em esportes populares, como o futebol, há muitos atletas negros, mas nenhum técnico ou dirigente. Principalmente no interior do país, os torcedores são na maioria brancos e não se identificam com jogadores que julgam não tão britânicos”, conta o jornalista de origem indiana, que costumava ser a única pessoa de pele escura nos estádios nos anos 1970.

Lewis ainda tem pela frente uma jornada no esporte – quem sabe, no futuro, também abra caminho para os cargos de gestão da F1 se tornarem mais diversos. Contudo, essa transformação só vai se desenrolar com o apoio crescente de instituições, escuderias e mais pilotos e espectadores pressionando por mudanças. Heróis solitários não vencem batalhas tão grandes.

Mais uma luta

Também uma estranha em um setor dominado por homens, a repórter Mariana Becker entende que as discussões se intensificaram e, além do fator racial, atingem a ausência de diversidade de gênero nas pistas.

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“Hoje não se fala tão abertamente que as mulheres não são capazes ou que não têm força muscular no pescoço, como antigamente. Mas falta um trabalho prático de inserir mais meninas desde cedo para que algumas se sobressaiam”, diz ela.

Apesar de só haver homens competindo na principal categoria do automobilismo, o esporte não é, em teoria, proibido às mulheres – desde a criação da F1, em 1950, houve cinco delas em grandes prêmios isolados. Atualmente, quem tenta mudar isso é a colombiana Tatiana Calderón, 27 anos, pilota de testes da Alfa Romeo.

Tatiana Calderón
Tatiana Calderón quer ser a primeira mulher pilota oficial na F1. Ela é embaixadora da federação do esporte para atrair mais garotas. Sua luta por diversidade complementa a de Lewis. Foto: (Richard Mile Racing Team/Divulgação/CLAUDIA)

Neste ano, ela disputou a European Le Mans Series e a Super Formula, no Japão. Na infância, era a única garota, além da própria irmã, no esporte, vencendo nas pistas de kart desde os 9 anos. Tatiana foi a primeira mulher no pódio em diversos circuitos.

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“O automobilismo é um dos poucos esportes em que se poderia competir em igualdade; nós colocamos o capacete e não há distinção física”

Tatiana Calderón

“Vão sempre destacar o fato de ser só eu e entendo que é meu papel também fortalecer essa discussão e chamar a atenção para isso. As coisas estão mudando bem devagar, mas espero que em breve a F1 tenha uma mulher – e é claro que gostaria que fosse eu. Esse esporte é um dos poucos em que se pode competir em igualdade; nós colocamos o capacete e não há distinção física”, pontua ela.

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