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Iza e Kéfera contam como despertaram para temas femininos

Elas conquistaram poder de influência e falam sobre a igualdade feminina, malefícios dos padrões de beleza e racismo

Por Alessandra Medina
Atualizado em 31 mar 2019, 08h21 - Publicado em 31 mar 2019, 08h20

Feminismo pressupõe debate, conversa, troca de ideias. É assim que o movimento se mantém vivo, se renova e, consequentemente, revê suas causas, engloba mais diversidade e mulheres.

Diferentemente dos anos 1960, quando eclodiram nas ruas discussões sobre igualdade, o debate hoje tem um espaço amplo e múltiplo, impulsionado pelas redes sociais. A agilidade da internet dá origem a uma geração ativista desde o berço, que cobra mudanças, combate preconceitos e tem a luta imbuída na personalidade como um traço comum – basta conversar com uma garota de 10 a 13 anos para entender.

É por isso que, muitas vezes, quem nem sempre tratou com naturalidade o tema, ou melhor, cresceu em um tempo em que feminismo não era uma palavra ouvida com tanta frequência precisa revisar conceitos e fazer constantes autoavaliações e autocríticas.

É o caso de Kéfera Buchmann. A curitibana de 26 anos tem mais de 11 milhões de inscritos em seu canal no Youtube, 5inco Minutos, criado em 2010, quando ela era uma adolescente de 17. Amadureceu em frente às câmeras, processo muitas vezes cruel. Encarou o ciberbullying dos haters (depois de anos enfrentando perseguidores no dia a dia da escola), as inseguranças com a aparência e a cobrança dos fãs. Mudou posicionamentos e, especialmente, traços da postura machista que carregava.

Kéfera Buchmann (Jorge Bispo/CLAUDIA)

“Hoje, reconheço a responsabilidade de influenciar milhões de pessoas e procuro orientar meu público. Se tivesse conhecido alguém como eu na adolescência, teria despertado mais cedo”, diz ela, que está no ar na novela das 6 da TV Globo, Espelho da Vida, interpretando a vilã Mariane. Em agosto, lançará seu quarto livro. Escrito em parceria com Alexandra Gurgel, youtuber e integrante do coletivo “Toda Grandona – Corpo Livre”, vai falar de feminismo. “Ainda leio muitos absurdos sobre o movimento. Estamos colhendo perguntas recorrentes nas nossas redes sociais e vamos responder a elas. As pessoas precisam de informação”, afirma.

Assim como Kéfera, a cantora Isabela Cristina Corrêa Lima, conhecida como Iza, 28 anos, também teve um despertar tardio para algumas questões feministas. Aos 18 anos, cursando publicidade e propaganda na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, viu uma negra ostentando um belíssimo cabelo black power. “Na hora pensei: ‘Caramba, como sou otária! Aliso o meu desde os 12 anos. Poderia ter o visual dela’”, lembra.

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Criada em Olaria, subúrbio carioca, Iza mudou-se com a família para Natal aos 6 anos. Já fazia apresentações na igreja e em festas de conhecidos. Depois da faculdade, arrumou um emprego em uma produtora de vídeos. No tempo livre, gravava covers dos cantores Beyoncé, Rihanna e Sam Smith e postava em seu canal no YouTube. Chamou a atenção da gravadora Warner e, em 2016, assinou seu contrato. Lançou seu primeiro álbum, Dona de Mim, indicado ao Grammy Latino no ano passado. A intérprete do hit Pesadão tem a agenda lotada de shows e fez, inclusive, apresentações com o americano CeeLo Green, no Rock in Rio, e a abertura da turnê da banda inglesa Coldplay no Brasil.

IZA (Jorge Bispo/CLAUDIA)

Tamanha representatividade é para poucas. Kéfera e Iza atingem multidões e sabem a importância de ter essa voz. É por isso que se esforçam em usá-la para o bem. Querem estimular outras meninas a se empoderar, mostrar a elas que a descoberta do poder que carregamos não precisa demorar tanto – fazem isso por meio da arte e das redes. Convidamos as duas para um bate-papo sincero sobre o espaço que o feminismo ocupa no dia a dia delas.

O que é, para vocês, o feminismo hoje?

Kéfera O sistema que vigora é este, em que o homem tem poder sobre a mulher, mesmo que não seja sempre explícito. Aparece por meio de atitudes, como dizer que a namorada não vai sair com certa roupa, cobrar a realização de tarefas domésticas. Tudo que proíbe o que você deseja ser, o que limita, já pode ser considerado machismo. Feminismo não é a mulher ter mais poder do que o homem, é a igualdade. Mas vai além do gênero. Por exemplo, eu, mulher branca, tenho noção dos meus privilégios. Minhas causas provavelmente vão beneficiar pessoas semelhantes a mim: brancas e com condição financeira parecida. Não tenho como representar uma mulher negra da periferia. Ou as mulheres trans, as lésbicas, as gordas. São muitas vertentes. E não é que o movimento promova segregação, mas as diferenças existem, e a melhor maneira de beneficiar cada um é pela representatividade.

Iza Estamos mais organizadas. Entendemos que precisamos estar juntas e ajudar umas às outras, mesmo que seja pelas redes sociais. Dessa maneira, fazemos fatos ganharem visibilidade. As hashtags #metoo, criadas para chamar a atenção sobre a magnitude do assédio contra as mulheres, e #meuamigosecreto, que reunia denúncias do machismo no cotidiano, são as provas do que estou falando. Desconhecidas compartilharam experiências pessoais, coisas que eram tabu antes. O sistema ainda é complicado para quem quer fazer denúncias desse tipo, mas o barulho em cima é um grande passo.

Iza, como você vê o movimento feminista negro hoje?

Iza Grande parte da população de baixa renda no Brasil é negra, e não dá para discutir feminismo sem informação. Muitas mulheres negras não têm acesso à educação nem tempo para refletir sobre isso. Elas vivem em situação de risco. Os problemas lá são outros. O direito à liberdade de ir e vir – que é básico e que o feminismo defende – falta a elas, pois moram em favelas e obedecem ao toque de recolher imposto pelo traficante. Nesse cenário, sobreviver é prioridade. Morei em lugares muito humildes, onde as pessoas não têm informação e, por isso, o machismo impera. Isso só muda com educação. Graças a Deus, tive acesso a esse tipo de conteúdo.

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Como vocês se mantêm informadas sobre o assunto?

Iza Acompanho pessoas que são ativas no movimento, como a filósofa Djamila Ribeiro. A melhor forma de aprender sobre o tema é com outras mulheres. Nós que temos visibilidade precisamos nos atualizar para dar o devido destaque a esse assunto quando temos chance.

Kéfera Estou sempre com um livro dentro da bolsa e um marca-texto para destacar passagens importantes. O atual é O Feminismo É para Todos, da Bell Hooks.

O que acham daquele estereótipo da feminista que não se depila, não gosta de homens?

Kéfera Estamos acostumadas com um padrão estético que maltrata a mulher. Salto alto, por exemplo, é visto como bonito, mas machuca o pé, deixa a gente torta… O meu livro de cabeceira é O Mito da Beleza, de Naomi Wolf. Ela diz que a indústria da beleza foi criada pelo homem como uma tática para a mulher se concentrar nisso e esquecer outras questões. Enquanto ela estava preocupada em ter um corpo ideal e em ser melhor do que as amigas, eles desenvolviam o intelecto. Foi uma maneira de dominação. Quando o menino entra na puberdade, os pais comemoram, dizem que ele está virando homenzinho. Já a menina, quando menstrua, sente tanta vergonha que pega absorvente escondido para ninguém ver. Eu mesma não tinha coragem de ir à farmácia. Começou a nascer pelo? Depila! Ou é considerada suja.

Já sofreram com isso?

Iza Comecei a alisar o cabelo aos 12 anos, mas não tinha a ver só com o padrão de beleza, e sim com racismo. Estudava em uma escola onde eu era a única negra. As crianças reproduziam o discurso que ouviam dos pais. Na adolescência, quando minha cabeça estava em formação e eu buscava a aprovação dos outros, a situação se complicou. Sempre tive muitos amigos, não era uma aluna isolada, mas o racismo estava lá. Talvez meus colegas nem entendessem o que faziam, eu mal entendia. Mas tinha apelidos referentes à minha cor que jamais repetirei. Isso minou minha autoestima. O Brasil é um dos países mais racistas do mundo. E não estou me referindo só ao número de mortes de negros, mas também à quantidade ínfima que atinge cargos de chefia.

Kéfera As pessoas pegaram pesado comigo na época do colégio. Hoje, assumi meus cachos porque aprendi a cuidar deles, tem tutorial na internet. Na época, eu era chamada de cabelo de bombril, arbusto, vassoura… Também era gordinha; então virei a chupeta de baleia. No ensino médio, desenvolvi bulimia e anorexia. Emagreci 15 quilos em um mês e não foi o suficiente. Odiava meu corpo. No banho, sentia um misto de raiva e nojo. Por isso, acho importante o feminismo falar sobre o corpo. No Instagram, está rolando um movimento de personalidades postando fotos de biquíni com estria, celulite. É um alívio! As mulheres agradecem por esse afastamento de uma imagem de perfeição inexistente. Outra preocupação é a idade.

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Como assim?

Kéfera Mulheres mais velhas têm dificuldade em arrumar emprego, são descartadas. Minha mãe passou por isso. Ela me criou com a ajuda da minha avó e da minha tia, porque meu pai era ausente. Se você não batalha desde jovem, é difícil construir uma carreira aos 40. Estou investindo tudo na minha carreira; senão, quem vai dar um papel bom para uma atriz desconhecida? E o medo de ser desprezada faz correr atrás de produto para rugas, cirurgia, Botox. Temos receio de envelhecer naturalmente.

Iza Infelizmente, a trajetória da mulher está atrelada à estética. É como se a gente não pudesse ter rugas, flacidez e outros sinais de idade. Realmente, o mundo é mais gentil com o envelhecimento dos homens. Que a gente fale menos sobre creme antirrugas e mais sobre se amar e se aceitar do jeito que é. No meu nicho, a aparência também está extremamente atrelada ao sucesso profissional. Tento construir minha carreira em torno da voz porque sei que é isso que terei pelo resto da minha vida – e não a beleza. Também não é fácil aparecer alguém mais velha cantando pop. Se ela usasse o figurino que faz sucesso hoje, muita gente criticaria, chamaria de inadequado.

(Jorge Bispo/CLAUDIA)

Como lidam com os comentários machistas nas redes?

Iza É difícil quando posto uma foto e vem uma amiga dizendo para apagar porque está aparecendo celulite. Mostra que fomos criadas sem aprender nada de feminismo. Então, hoje, precisamos nos desconstruir. O machismo está também nas mulheres, mas tão enraizado que elas nem percebem. Leio comentários de garotas julgando umas as outras, impondo padrões de beleza quando elas mesmas sofrem com essa pressão. Acho que as meninas que afirmam que não são feministas não entendem do que se trata o movimento.

Kéfera, tem uma postagem sua de 2010 em que você dizia que estava com nojo de um povo de Curitiba, de um bando de vagabundinha de vestido curto e uns marombas com bebida. Depois, já fez vídeos revendo diversas posturas suas. Por que fez essa revisão de atitudes?

Kéfera Convivi com mulheres que seguiam as próprias vontades, que eram parceiras umas das outras, e a ficha, aos poucos, caiu. Quem se diz feminista e acha que não precisa aprender mais nada está errada. A desconstrução acontece o tempo todo. Esse lance da competição feminina, por exemplo… Quem nunca fez isso? Mas, nessa hora, precisa interromper e reconhecer um pensamento machista.

Por serem famosas, vocês se preocupam em passar informação para o público?

Iza Claro, não sou cantora só para me divertir e pagar contas. Qualquer artista deveria entender que tem responsabilidade de informar. As minhas músicas tratam de problemas pelos quais passei e, provavelmente, outras mulheres também. E eu nunca vou fazer músicas falando de recalque entre mulheres, colocando-as como inimigas. Isso só piora a realidade machista em que já vivemos.

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Kéfera Meu canal tem nove anos. Quando comecei, não estava por dentro do que rolava no país. Hoje, os adolescentes são mais ligados em política. Fui amadurecendo. Hoje, estou preocupada em divulgar algo para o bem coletivo, em ser alguém que eu gostaria de ter sido.

Iza, como você avalia a importância de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada há um ano no Rio?

Iza Um ano da morte dela e continuamos sem respostas. A Marielle não foi a primeira, mas a luta dela foi importante. Essa tragédia trouxe visibilidade para a liberdade de expressão, o feminismo e o racismo. Mulheres negras estão preocupadas em proteger outras meninas expostas, no olho do furacão da política. É aquela história: ninguém solta a mão de ninguém.

Já tiveram medo de sair à noite?

Kéfera Ser mulher é conviver com o medo diariamente. Se vamos à noite ao mercado, ficamos olhando para os lados. Se notamos um homem muito perto, procuramos uma loja para entrar. Perdi as contas de quantas vezes me enfiei dentro de um comércio porque me senti ameaçada. A gente vive em constante estado de alerta.

Iza Ser mulher é difícil para caramba. Antes de sair de casa, tenho que pensar 15 vezes na roupa que vou usar. E não tem a ver com o meu gosto pessoal, mas com segurança. Para eu ter segurança, não basta só eu ser feminista. O homem do outro lado da rua também precisa ser. Ele precisa entender que minha roupa não é um convite.

O que acham que o novo governo significa para mulheres?

Kéfera Acho que na sociedade como um todo há um movimento de ódio em relação às minorias. Estamos dando passos de formiguinhas e existe um coletivo querendo retrocessos, mas não podemos abaixar a cabeça.

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Iza Sou uma pessoa otimista. Sem dúvida, hoje existem pessoas que se sentem mais confortáveis para falar atrocidades, mas nós também temos espaço para nos proteger. Por mais doloroso que seja, é interessante ver racistas, homofóbicos e fascistas mostrarem a cara. A luta contra um inimigo invisível é mais complicada.

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