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Claudia Leitte quer um Carnaval mais seguro para todas as mulheres

Ainda criança, Claudia Leitte ouvia que era exibida. Aos 12, sofreu assédio pela primeira vez. E mesmo hoje, aos 39 anos, ainda é vítima de machismo

Por Ana Claudia Paixão
Atualizado em 6 fev 2020, 12h25 - Publicado em 6 fev 2020, 08h00
 (Karine Basílio/CLAUDIA)
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Não foi a primeira vez que estive com Claudia Leitte. Há alguns anos, acompanhei as gravações de The Voice, programa musical da TV Globo do qual ela é jurada. Mesmo assim, quando nos encontramos no dia destas fotos, eu me apresentei de novo. Pareceu piada pronta. Eu me chamo Ana Claudia. Ela, Claudia. E a entrevista era para a revista CLAUDIA. Rimos, e qualquer gelo que pudesse existir se quebrou. Em seguida, perguntei da tala que ela tinha na mão esquerda.

“Fraturei um dedo, mas não tenho ideia de como foi”, disse, com ar de confusão legítima. A primeira impressão que tive da cantora foi que ela era tímida. Estava errada. Claudia é piadista e uma excelente imitadora de sotaques. Só anda mais cautelosa, o que a faz falar pausadamente e até controlar a espontaneidade. Não é à toa. Com as redes sociais espalhando boatos e notícias (nem sempre verdadeiras) rapidamente, é preciso cuidar do que se diz, ainda mais se você é uma estrela sob os holofotes.

Claudia já protagonizou momentos difíceis em que suas palavras, posições ou até mesmo seu silêncio geraram duras críticas. “Algumas vezes não soube me comportar, é verdade. Vivi vários dilemas e aprendi da pior maneira possível: com o julgamento público. Sou espontânea, falei coisas e fui mal interpretada”, justifica. A artista lembra que desde pequena sofre com essas situações.

Tinha menos de 10 anos quando sua mãe, Ilna, foi chamada na escola porque as freiras achavam que a garota beijava e abraçava demais os colegas, portanto não se encaixava nos padrões morais da instituição. A reunião de emergência deixou Ilna revoltada – até hoje ainda a irrita, na verdade. “Eu sempre fui muito exibida e carinhosa. Ambas as características são da minha natureza. E minha mãe me disse na época: ‘Não mude nunca, minha filha. Você tem que beijar mesmo as pessoas, ser o que é’”, repete a cantora.

Algumas vezes não soube me comportar, é verdade. Vivi vários dilemas e aprendi da pior maneira possível

Claudia Leitte
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A afetuosidade foi questão não só para as freiras mas para outras pessoas que confundiam as reais intenções de Claudia, inclusive no meio artístico. “Várias vezes eu tive que dizer ‘Não, não me toque. Você entendeu errado. Eu tenho marido. Minha relação não é aberta, não, irmão’”, explica com voz firme. “Não me pegue, não, me deixe à vontade. Deixa eu curtir o Ilê, o charme da liberdade”, cantarola, em tom um pouco mais alegre, lembrando a música O Mais Belo dos Belos, de Daniela Mercury. “Acho que ela fez essa música porque viveu uma situação parecida”, aposta.

 

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(Karine Basílio/CLAUDIA)

Uma dessas situações de assédio, que aconteceu recentemente, rendeu uma saia justa pública, debatida intensamente nas redes. Durante aparição em um programa do SBT, o apresentador Silvio Santos se recusou a abraçar Claudia porque, segundo ele, poderia ficar excitado ao encostar nela. Quando pergunto sobre o ocorrido, Claudia fica em silêncio. Os olhos enchem de água. Ela não se recusa a falar do assunto, mas não se apressa para responder. Faz pausas maiores porque tenta evitar palavras ou frases que possam ser mal interpretadas. “Eu me senti extremamente constrangida, mas hoje não sinto mais nada”, declara.

“Acho que fiz o que tinha que fazer, e o que resultou desse acontecimento sempre será usado de uma maneira positiva da minha parte. Acredito que do lado de lá também. Não são pessoas ruins, depravadas. São comportamentos que precisam mudar”, ressalta. “Eu não sabia como agir porque a gente nunca sabe na hora. Aprendemos desde sempre a tentar fugir da situação, e foi o que fiz. Mas é triste que a gente viva dessa forma”, lamenta. Por “a gente” Claudia quer dizer as mulheres. E “dessa forma” significa sob a ameaça constante do assédio. Não tem idade nem situação em que uma mulher se sinta totalmente protegida. Por isso surgiram tantas campanhas, como #NãoÉNão, #ChegaDeFiuFiu e #MeToo, de combate ao assédio e de apoio entre as mulheres.

Claudia sofreu o primeiro assédio aos 12 anos. Ela foi levada pela tia Zezé a um bloco de Carnaval. Era sua estreia num evento desses – que anos mais tarde ela conduziria com maestria. “Veio um cara me agarrar e tia Zezé me defendeu: ‘Minha sobrinha tem 12 anos!’”, conta. Hoje, de cima do bloco, ela nem sempre enxerga o que está acontecendo, é uma massa enorme se movendo – o bloco da cantora, em Salvador, reúne mais de 1 milhão de pessoas –, mas sabe que situações como essa se repetem.

E alerta: “Quando ouvirem uma mulher gritar, todas devem gritar e se unirem. ‘Não pega nela, não mexe com ela’. Precisamos proteger umas às outras”, aconselha. “Eles vão aprender com o grito. A gente quer nosso espaço. Me respeite. Sei quem eu sou, quem eu quero e não quero você. Não tenho obrigação nenhuma de te querer porque estou dançando.”

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Minha mãe sempre disse ‘não mude não, minha filha’. Você tem que ser como é

Claudia Leitte
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(Karine Basílio/CLAUDIA)

A luta na prática

A maternidade e o movimento de empoderamento feminino motivaram Claudia a buscar um envolvimento maior com causas importantes, como o combate ao feminicídio. Ela é madrinha de um projeto social que dá apoio a mulheres que foram vítimas de agressão e tentativa de assassinato, o Beleza Escondida. “Tem sido sofrido trabalhar com isso, não vou mentir. É uma realidade que infelizmente é corriqueira”, comenta. “Parece chover no molhado, mas é uma discussão que não podemos deixar de lado nunca. Para mim, foi como se acendesse um alarme porque pensei nas mulheres que não conseguem escapar, muitas convivem com isso constantemente. Elas não conseguem se livrar do agressor”, lamenta. “Algumas vivem com medo, outras ficam com receio de ficar sem dinheiro. Como fica o sustento dos filhos? Elas não têm apoio psicológico, perdem autoestima e não se sentem capazes de trabalhar.

O Beleza Escondida oferece abrigo e uma restauração de dentro para fora. Ali as mulheres estão protegidas, recebem apoio e sentem-se seguras para denunciar o agressor”, explica a cantora, que levou a temática do empoderamento também para seu bloco carnavalesco. O lema deste ano é “We can do it” (nós podemos fazer, em tradução livre), inspirado no icônico cartaz americano que mostra uma operária com as mangas arregaçadas. Claudia vai homenagear mulheres marcantes, como Madonna, Joana d’Arc, Maria Quitéria e até Mulan (personagem da Disney). Ela está ansiosa para cantar as músicas do novo álbum, o primeiro que lança em quatro anos, Bandera Move, com faixas em inglês, espanhol e português. Perigosinha é um dos singles. Quando a música começou a tocar durante a sessão de fotos, ganhamos uma apresentação ao vivo de um trecho.

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No momento, a cantora tem a agenda apertada. Baseada em Miami há quatro anos, descreve sua rotina como um “ir e vir constante”. A filha, Bella, nasceu nos Estados Unidos e veio para o Brasil há pouco tempo, tão logo foi liberada para voar. Orgulhosa, Claudia mostra os vídeos da pequena: “Olha essas bochechas lindas”. A menina é a caçula de três. Claudia e o empresário Marcio Pedreira ainda têm Davi e Rafael, de 10 e 6 anos, respectivamente. Voltar aos palcos não foi fácil, ainda mais com a morte repentina de um de seus músicos, Nivaldo Cerqueira, em dezembro. O amor e a energia que recebeu dos fãs fizeram toda a diferença. Ela se emociona ao lembrar. “Foi muito difícil para mim, mas as pessoas estavam me dando força. Isso é massa, velho. As pessoas estavam gritando: ‘Vamos lá, Claudia’. Isso tem que existir”.

Esse espírito reafirma em Claudia a missão de se dedicar 100% a cada apresentação. “Eu saio da minha casa para servir as pessoas através da minha música, da minha alegria, da minha energia. Estou vivendo, mas pode ser o último dia e não quero desperdiçar meu tempo sendo vazia”, explica. “Tem um propósito, não pode ser frio. Mas não é só por isso. É porque não acho que ninguém cruza com outra pessoa por acaso. Se eu morrer amanhã, tem que ter valido a pena. Vou fazer o melhor show; pode estar doendo, mas eu vou lá”, diz a estrela, cujo brilho vai muito além dos paetês e da maquiagem.

Eles vão aprender com o grito. A gente quer nosso espaço. Me respeite. Sei quem eu sou, quem eu quero e não é você

Claudia Leitte

 

Edição de moda Fabio Ishimoto • Styling Andreia Matos • Beleza Nathan Cruz • Assistentes de fotografia Iuri Santos e Marcela Bertini • Tratamento de imagens WM Fusion • Na abertura, vestido, Silvia Ulson; óculos, Ventura; bracelete, Swarovski; escarpins, Christian Louboutin • Na página ao lado, vestido, Vitor Zerbinato; brincos, Vivara. Agradecimentos Hotel Palácio Tangará

 

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