A história real da maior briga de todos os tempos de Hollywood
O lendário conflito entre Bette Davis e Joan Crawford é contado na série de TV "Feud". Entenda como tudo começou.
Esqueça o bad blood de Taylor Swift e Katy Perry: o duelo das duas parece briga no playground do prédio quando comparado à deliciosa rivalidade entre as lendárias Bette Davis e Joan Crawford, duas das maiores atrizes de todos os tempos, rainhas de Hollywood na época de ouro do cinema.
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Essa tal desavença durou anos, contou com inúmeras trocas públicas de farpas, reviravoltas e virou série de TV. Protagonizada por Susan Sarandon e Jessica Lange, respectivamente como Davis e Crawford, a atração, chamada “Feud”, levou em oito episódios toda a rixa e complexidade dessas mulheres incríveis. Ryan Murphy, a mente por trás de “American Horror Story” e “Glee”, é o criador do projeto.
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Sim, a briga pode ter sido real, mas também teve uma boa dose de criação midiática. Afinal de contas, elas eram grandes estrelas e sabiam que uma polêmica não faria mal para a carreira delas: pelo contrário, aumentaria a curiosidade e a lenda. O seriado é centrado nas gravações do filme “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”, quando o conflito atingiu o ápice. Abaixo, entenda como tudo começou.
Em primeiro lugar, quem foram elas?
Joan Crawford
Lucille Fay LeSueur não foi a criança mais sortuda do mundo. Filha de uma mãe solo, ela penou para conseguir uma boa educação e sair de vez do Texas, local onde nasceu. O grande sonho dela? Se tornar uma grande dançarina. E como era boa!
Após algum tempo trabalhando em companhias itinerantes de teatro, ela conseguiu um emprego como bailarina na Broadway. Mas a grande chance veio mesmo quando conseguiu um contrato de atuação com a poderosa Metro-Goldwyn-Mayer, em 1925. Um dos empresários do estúdio, no entanto, detestou o nome de batismo dela e organizou um concurso para escolher um novo.
Nascia Joan Crawford, uma estrela e mulher de negócios como nenhuma outra. Desde o início, ela entendeu como a indústria cinematográfica funcionava e jogou com ela. Muito mais conhecida pela beleza do que pelo talento, ela, na verdade, era um monstro das telas – apenas assista a performance dela vencedora de um Oscar em “Mildred Pierce” – uma das maiores divas de todos os tempos de Hollywood.
Bette Davis
Imortalizada na cultura pop pela música “Bette Davis Eyes”, de Kim Carnes, ela foi considerada a segunda maior atriz de todos os tempos. Nascida Ruth Elizabeth Davis, era uma criança privilegiada e estudou nos melhores colégios da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Desde pequena sonhava em ser atriz e não foi difícil conseguir pequenos papéis na Broadway.
Decidida a ser estrela de cinema, demorou para conquistar o tão sonhado lugar ao sol em Los Angeles. Em um episódio icônico, o motorista que deveria buscá-la no aeroporto saiu de lá sem ela porque não encontrou “ninguém que parecesse uma atriz”.
Davis sempre foi muito mais reconhecida pela qualidade das atuações do que pela beleza. Zombaram da aparência fora dos padrões, mas ela nunca deu confiança, sabia do próprio talento. O primeiro grande sucesso dela aconteceu em 1932 quando interpretou a protagonista de “O Homem Deus”. Um sucesso! Dois anos depois, em “Servidão Humana”, recebeu a tão sonhada aclamação da crítica e se tornou uma estrela.
Foi a primeira recordista de indicações ao Oscar, com 10 nomeações, e levou a estatueta duas vezes para casa.
Como a briga começou?
Nas décadas de 1930 e 1940 elas eram as abelhas-rainhas de Hollywood: ótimas profissionais, apaixonadas pelo trabalho, corajosas e inteligentes. Joan era a estrela de cinema, a mocinha de Hollywood, muito aplaudida pela beleza e, bem, pelos relacionamentos fora das telas (segundo os boatos, ela era bissexual. Entre as diversas conquistas dela, estão Katharine Hepburn, Clark Gable e até Marilyn Monroe).
Na contramão, Bette sempre foi celebrada por ser uma “atriz séria”, com atuações marcantes e um faro certeiro para personagens dramáticas, um tanto maldosas e problemáticas. Sobre Crawford, certa vez falou: “Por que eu sou boa interpretando megeras? Pois acredito não ser uma. Talvez seja esse o motivo da senhorita Crawford sempre atuar como a mocinha”.
Claramente elas eram opostos complementares. Uma tinha exatamente aquilo pelo qual a outra era criticada – e, no fundo, mesmo odiando admitir, ambas sabiam disso. Por um tempo, a “competição” entre elas se restringiu apenas pela atenção dos Estados Unidos, pois, naquela época, os atores mantinham contratos de exclusividade com os estúdios, uma prática ainda comum, por exemplo, nas emissoras de TV brasileiras. Crawford trabalhava para a MGM e Davis era funcionária de Warner Brothers. Então, elas não brigavam pelos mesmos papéis. Eventualmente isso iria mudar…
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Antes um conflito velado e restrito aos bastidores do cinema, as coisas começaram a ficar públicas mesmo pelo motivo mais prosaico de todos: um homem.
Em 1935, enquanto filmava “Perigosa”, filme pelo qual ganhou o primeiro Oscar, Bette não conseguiu evitar e se apaixonou pelo parceiro de cena, o playboy Franchot Tone. Na época, Davis ainda estava casada com o namoradinho da adolescência Harmon Oscar “Ham” Nelson, um músico insatisfeito com a carreira. Como era de se esperar, o matrimônio estava monótono e próximo do fim e ela enxergou em Tone a paixão pela qual ansiava. “Eu me apaixonei por ele, profissionalmente e intimamente. Tudo sobre ele é elegante, do nome ao comportamento”, afirmou certa vez.
Porém, no meio do caminho existia uma Joan Crawford, a grande sex symbol da MGM, que, recém-divorciada de Douglas Fairbanks Jr, rapidamente se interessou por Tone. Reza a lenda, ela teria convidado o ator para a casa dela e recebido ele completamente nua. Pouco tempo depois, estavam casados. “Ele estava loucamente apaixonado por ela. Eles se encontravam todos os dias para o almoço e, quando ele voltava para o set, estava coberto pelo batom dela. Eu estava morrendo de inveja, claro”, afirmou Bette.
Se Crawford sorriu no amor, Davis gargalhou na vida profissional: “Perigosa” foi um sucesso de crítica e ela ganhou o primeiro Oscar da carreira. Por ser relativamente novata, não pensou na possibilidade de uma vitória e escolheu um simples vestido azul para a grande noite. Quando Bette foi anunciada como a grande vencedora, Tone foi o primeiro a levantar e deu um caloroso abraço na companheira de filme. A mulher dele permaneceu sentada até ele dizer: ‘amor!’ Joan, uma espécie de Angelina Jolie da década de 1930, que estava deslumbrante e coberta de joias, olhou altivamente para Davis de baixo para cima e exclamou: ‘Querida Bette! Que linda camisola’.
A guerra fria havia acabado e ambas partiram para as trincheiras.
A reviravolta
No final da década de 1930, Bette Davis era a grande estrela da Warner Brothers. Os filmes dela tinham as maiores bilheterias e, em 1938, havia ganhado a segunda estatueta do Oscar pela atuação em “Jezebel”. Infelizmente, o caminho da fama é um dos mais incertos e, na metade dos anos 1940, a popularidade dela estava começando a balançar. Exatamente nesse período, uma cansada Joan Crawford resolveu pedir demissão da MGM e, acredite, assinar com a mesma companhia que pagava o salário de Davis.
Se até então elas trabalhavam em estúdios diferentes e não precisavam entrar em confrontos diretos por causa de certos papéis, agora a rivalidade era real. E se tinha uma coisa que ambas prezavam na vida era a carreira.
O primeiro pedido de Crawford à nova empresa? Um camarim ao lado de Davis. E ela até tentou ganhar a afeição de Bette, seja por sinceridade, seja para irritá-la e diversas vezes enviou presentes e flores para a “colega de trabalho” (todos eles foram devolvidos e, frequentemente, Davis classificava os gestos como “cantadas” por causa da bissexualidade de Joan).
E o pior ainda estava por chegar: ao estrelar “Mildred Pierce”, Crawford recebeu o primeiro Oscar da vida – originalmente o papel havia sido oferecido para Davis, mas ela recusou e se arrependeu para o resto da vida dela.
O maior comeback da história de Hollywood
Outrora donas de prolíficas carreiras, elas envelheceram e as ofertas não apareciam mais com tanta frequência no início dos anos 1960. Hollywood nunca foi muito gentil com mulheres acima dos 40 anos mesmo… Acima dos 50, então? Impossível conseguir um emprego! Irreverente como ninguém, Davis resolveu fazer graça com a situação dela, uma orgulhosa “cinquentona”, e publicou o seguinte anúncio na revista Hollywood Reporter:
“Mãe de três filhos, divorciada, norte-americana. 30 anos de experiência como atriz de cinema. Ainda em atividade e mais fácil de lidar do que os rumores dizem. Gostaria de um emprego em Hollywood (já trabalhou na Broadway)”.
Coincidentemente, na mesma época dessa incomum publicidade, Davis conquistou talvez o maior papel da carreira dela. Enquanto atuava na peça “A Noite do Iguana”, produção da Broadway escrita pelo lendário Tennessee Williams, Bette recebeu no camarim a visita da última pessoa pela qual esperaria encontrar: Joan Crawford.
Escolada no modus operandi da indústria do entretenimento, ela sabia do poder da presença de “duas rivais” em uma história como aquela. Por isso, entregou para Davis o romance “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” e perguntou se ela não gostaria de participar de uma adaptação do livro para o cinema.
Na história, elas interpretariam duas irmãs ex-estrelas de cinema. A personagem de Bette, Baby Jane, uma ex-atriz infantil alcoólatra e insana, passaria o filme inteiro torturando a personagem de Joan, uma mulher que conquistou o estrelato já adulta, mas perdeu o movimento das pernas após um acidente de carro. Obviamente ela disse sim para o papel.
Por maior que fosse a rivalidade, Bette sabia se tratar de um excelente projeto e se entregou completamente a ele. O primeiro desafio das duas, agora unidas pela maior paixão da vida delas, o trabalho, foi o de encontrar um estúdio para financiar o filme – ninguém queria colocar dinheiro em um longa protagonizado por duas mulheres “velhas”. Elas chegaram até mesmo a escutar que “aquilo” só sairia do papel caso fossem contratadas artistas mais jovens. Ainda bem, uma pequena empresa chamada Seven Arts topou bancar a ideia. Uma vez as pessoas mais bem pagas da geração delas, elas precisaram cortar boa parte do cachê em troca de uma porcentagem nos lucros para o filme ser rodado.
Como era esperado, a trégua entre elas durou apenas o tempo do cigarro de Bette apagar, e as coisas definitivamente começaram a pegar fogo nos bastidores da produção. Crawford, viúva do ex-presidente da Pepsi, Alfred Steele, resolveu levar um cooler com refrigerantes para o set de filmagens para agradar a equipe. Davis, obviamente, detestou a atitude e, em resposta, mandou instalar uma máquina de Coca-Cola. E isso foi só o começo.
Joan, por exemplo, tão preocupada com a possibilidade de ser realmente machucada em cena por Bette, exigiu uma dublê de corpo nas cenas de violência. Para o azar dela – e a felicidade de Davis -, existia uma única sequência na qual ela precisaria realmente participar. Durante a gravação, por acidente ou não, Bette não pensou duas vezes e chutou a cabeça de Joan com vontade. “Eu mal toquei nela”, disse segundos depois de Crawford ser socorrida e encaminhada para a enfermaria onde providenciaram alguns pontos.
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A vingança veio em seguida. Sabendo dos problemas crônicos na coluna de Bette, Joan providenciou uma cinta ergonômica para uma sequência na qual Davis precisaria carregá-la. “Não existia uma forma de deixar essa cena mais fácil de gravar, porém Crawford queria ver o sofrimento dela”, revelou depois o diretor do filme Robert Aldrich. E ela sofreu.
“O que Terá Acontecido a Baby Jane?” foi sucesso absoluto de público e crítica, as duas fizeram uma fortuna (pois tinham porcentagem nos lucros) e voltaram, no auge dos 50 anos, ao topo de Hollywood em um dos comebacks mais sensacionais da história do cinema. Pelo papel de Jane, Bette Davis recebeu a décima e última indicação dela ao Oscar e Joan, como era de esperar, estava furiosa.
Resolveu agir: procurou artista por artista indicada ao prêmio de Melhor Atriz e perguntou para cada uma, caso ganhassem, se poderia receber o prêmio no lugar delas. Por alguma razão maluca, elas concordaram. Davis estava certíssima da vitória, mas foi Anne Bancroft quem levou o troféu naquele ano. Quando uma triunfante Crawford subiu ao palco para discursar, Davis estava chocada, tempos depois revelou: “Eu quase caí morta! Fiquei paralisada com a atitude dela – aquele comportamento foi desprezível”.
Anos depois, o diretor Robert Aldrich convidou as duas a estrelarem juntas “Com a Maldade na Alma” e, bizarramente, elas aceitaram. Dessa vez, no entanto, o drama foi tão intenso que Joan optou por abandonar as filmagens – alegou estar com pneumonia. Olivia de Havilland, amiga íntima de Davis, foi a substituta escolhida. Bette celebrou a desistência de Crawford com uma taça cheia de coca-cola.
Elas jamais voltariam a trabalhar juntas. Aos 73 anos, com câncer no fígado (fato nunca foi confirmado pela família), Crawford foi a primeira a morrer, em 1977. “Você não deve nunca dizer coisas ruins sobre os mortos, apenas dizer coisas boas. Joan Crawford está morta. Que bom!”, teria dito a rival em uma frase lendária – mas existem dúvidas da veracidade dessa afirmação. Bette morreu em 1989, na França, aos 81 anos, em decorrência de um câncer de mama.
Filhas de mães solo, arianas (para quem acredita em horóscopo, isso diz muito), casadas quatro vezes cada uma, ambas sofreram para educar os filhos (após a morte delas, os herdeiros escreveram livros denunciando maus-tratos) e eram excelentes profissionais. Na autobiografia de Bette, “Isso e Aquilo”, por exemplo, ela chegou a elogiar o trabalho de Joan. “Ela era uma profissional […] eu sempre serei grata por ela ter me dado a oportunidade de interpretar Baby Jane Hudson”, escreveu.
Sim, elas tinham muito mais em comum do que gostariam de admitir. Mais do que isso: elas eram mulheres complexas, ambiciosas, com desejos e donas de uma força descomunal para conquistá-los. Sobreviver em Hollywood, um ambiente até hoje dominado por homens, não é fácil – envelhecer é pior ainda – e as duas sempre souberam como a engrenagem funcionava, do contrário não seriam tão grandes. Mulheres são colocadas o tempo todo umas contra as outras, isso é interessante para a cultura machista. Obviamente, elas poderiam ter antipatia uma pela outra, mas brincaram com ela, enganaram todo o sistema e se tornaram lendas. Taylor e Katy não inventaram nada, afinal.