Pessoas de diferentes religiões contam como é um casamento não católico
Celebrar o amor vai muito além de entrar na igreja e ter a benção de um padre. Aqui, casais de crenças variadas mostram quatro tipos distintos de cerimônia.
O Brasil é um país mundialmente conhecido por ter uma população de fé inabalável e grande diversidade religiosa. Mesmo assim, de acordo com o último censo demográfico sobre religiões divulgado pelo IBGE, em 2010, cerca de 64% dos brasileiros se diziam católicos na época – formando uma imensa maioria de adeptos da religião, historicamente a mais presente em território nacional.
Fato é que o número de católicos vem diminuindo ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que a quantidade de pessoas declaradamente evangélicas, espíritas e não religiosas tem aumentado consideravelmente.
Mas, pense rápido: de todos os casamentos que você já frequentou na vida, quantos deles não foram realizados com base no catolicismo? Ou, melhor: com relação aos casamentos mostrados na televisão e na mídia como um todo, em quais deles você reparou que uma igreja e um padre fazendo a celebração não estavam presentes? Provavelmente foram poucos – e nós queremos mudar isso.
A seguir você aprende um pouquinho mais sobre budismo, judaísmo, umbanda e até ausência de religião – fator que não impede ninguém de se casar, viu?
Natália Caplan e Larrion de Araújo
A doula Natália Caplan se casou com o fotógrafo Larrion de Araújo em novembro do ano passado, em Manaus (AM), com direito a festa e uma cerimônia que contou com alguns elementos judaicos e outros cristãos. Como assim? É que Natália, por ter nascido de uma mãe judia e ser descendente direta de Israel, se autodenomina parte legítima do povo judeu, mas possui fé cristã – e ela explica o que isso quer dizer:
“Judeus e cristãos creem no mesmo Deus (pai e criador). A diferença é que nós, cristãos, cremos em Jesus Cristo como filho de Deus (Yeshua Hamashia, o Messias), enquanto a maioria dos judeus seguem somente a Torá – base da religião judaica, a Torá é o Antigo Testamento, que reúne os cinco primeiros livros da Bíblia -, e ainda esperam a vinda do Messias (salvador). Como judia-cristã, comemoro as festas bíblicas, mas não celebro as datas católicas, como festa junina e Natal”, conta, ao MdeMulher.
Assim, quando ela e Larrion se casaram, diversas tradições, cristãs e judaicas, foram inseridas na cerimônia. Entre os elementos específicos da Torá ali presentes, estavam o chamado “toque do shofar”, para chamar o noivo – a canção, tocada originalmente com a trombeta nacional do povo de Israel (o shofar), apareceu na Bíblia sendo utilizada em ocasiões militares e religiosas. Além disso, foi usado o talit, uma espécie de xale, feito de seda, que o noivo costuma vestir no casamento judaico para representar o sacerdócio. O casamento contou, ainda, com alimentos como vinho, leite, trigo, mel e azeite expostos na mesa da ceia, que também tinha um menorá – o candelabro de sete pontas, símbolo judaico mais antigo e imponente de todos os tempos – de enfeite.
Realizada sob a chamada chupá, nome dado à tenda judaica, a celebração teve músicas em hebraico e português e a famosa quebra da taça, encerrando o momento. Para quem não sabe, é comum que em alguns casamentos judaicos o noivo, de maneira simbólica, quebre um copo ou taça com seu pé direito, lembrando a todos sobre a destruição do Templo de Jerusalém. Enquanto o vidro faz referência à “reconstrução”, o ato serve para mostrar a imortalidade do homem.
Já na esfera cristã, durante a cerimônia trechos do Antigo e do Novo Testamento da Bíblia, exaltando a Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) foram lidos pelo o apóstolo Wilson Ayub, que fez a cerimônia. Orações não decoradas também foram feitas para celebrar a união de Natália e Larrion, junto dos votos de casamento. feitos pelos próprios noivos. Natália conta que, diferentemente do que acontece nos casamentos mais tradicionais, no seu grande dia ela entrou para a cerimônia antes do noivo, deixando alguns convidados surpresos. Mas a “troca” também tem uma explicação: a figura da noiva, para ela, representa a igreja que aguarda o retorno de Cristo (simbolicamente, o noivo).
Um certo preparo foi feito pelos noivos desde que começaram a planejar o casamento até o dia da cerimônia, por iniciativa própria. Natália e Larrion fizeram jejum de alguns alimentos (escolhidos individualmente) e orações conjuntas durante esse período, pedindo por cada item necessário do casamento (cardápio, quem faria a cerimônia, onde, etc). Segundo ela, Deus ficaria com o papel de cerimonialista. No dia, os homens não precisaram usar o quipá (chapéu símbolo da religião judaica) e o uso de lenço, pelas mulheres, também foi dispensado.
No final da cerimônia, que começou às 17h e terminou às 18, em ponto – momento conhecido como aquele em que Deus visitou Adão e Eva – o apóstolo Ayub pediu que os convidados olhassem para frente, para cima e para trás, a fim de explicar a simbologia dos diferentes ciclos da vida que antecedem o casamento, e o futuro do casal em família (com filhos e descendentes).
Se Natália tivesse que deixar uma dica aos futuros casais? “Não se prendam às limitações de uma religião. Eu nunca gostei de marcha nupcial ou de certos ritos que não fazem sentido para mim, nem de véu, grinalda, buquê e vestidos enormes. Ambos estavam de tênis e meu vestido de noiva era simples e delicado. Não faça nada para agradar ou por obrigação. É algo tão pessoal, mas os palpiteiros sempre criticam. A festa é de vocês”, completa.
Amanda Cruz e Eliezer Ribeiro
A história do casamento da jornalista Amanda Cruz com o analista de redes Eliezer Ribeiro não é nada convencional. Os dois não têm religião nenhuma, e mesmo assim se casaram em setembro de 2015, mais por pressão das famílias, que queriam uma “oficialização” da união, do que por desejo próprio.
Na época, Amanda e Eliezer moravam juntos há dois anos, mesmo período em que haviam ficado noivos. Fazer uma grande festa e investir dinheiro nisso nem chegou a passar pela cabeça do casal que, no fim das contas, optou por um casamento simples, civil, com um almoço comemorativo logo em seguida.
Por não serem religiosos, eles abiram mão, inclusive, de uma cerimônia de casamento – sem celebrante ou cerimonialista, por escolha própria, os noivos, logo após o casamento no cartório, receberam cerca de 50 pessoas para um churrasco com cerveja, na casa da sogra de Amanda. Lá, fizeram apenas um pequeno discurso para quem estava presente, nada além disso.
Quanto à presença de tradições no casamento, Amanda acabou optando pelo clássico vestido branco, mas isso também não teve nada de simbólico ou planejado – de acordo com ela, tanto a escolha do modelo quanto da cor da peça foram feitos respeitando seu gosto pessoal naquele momento. Decoração simples e bolo de casamento também estavam na mini recepção, que não precisou da benção de ninguém para ser legítima e cheia de amor.
O conselho de Amanda para casais (não católicos, principalmente) prestes a dizer “sim” é, antes de mais nada, que os pombinhos façam o que sentirem mais vontade no que diz respeito ao casamento:
“Por vezes a família pressiona e reivindica coisas que não fazem sentido para os dois, mas é preciso ser firme e focar no que você realmente quer e como vocês realmente vão se divertir. No meu casamento, eu escolhi me divertir e foi incrível, não mudaria nada”, diz.
Isabel Pacianotto e Christiano Braga
Quem é umbandista, assim como a produtora de eventos Isabel Pacianotto e o advogado Christiano Braga, costuma crer na presença de um Deus, criador do céu e da terra, além da força dos orixás -como se fossem os santos, no catolicismo – entidades iluminadas e abençoadas. Dessa forma, um casamento celebrado com base na umbanda geralmente conta com a benção de Deus, junto da presença de alguns importantes elementos da natureza.
Quando se casaram em dezembro de 2016, no canto direito da Praia de Capricórnio (Caraguatatuba – SP) e celebrados pelo caboclo (entidade) chefe da casa, Bel e Christiano aproveitaram o encontro do mar com o rio, as montanhas da região e toda a natureza em torno deles para comemorar com cerca de 200 convidados. Todos (inclusive os noivos) estavam vestidos de branco, independente de seguirem ou não a religião.
Bel explica que na umbanda não existe um padrão de cerimônia a ser seguido, de modo que cada terreiro tem seus rituais específicos. Por exemplo, alguns casamentos contam com orações, cânticos e leituras de escritos durante as celebrações, onde noivos podem ou não receber colares coloridos em seus pescoços – tudo depende de qual ramificação da umbanda eles fazem parte.
No caso de Bel e Christiano, no período antecedente ao casamento foi necessário que eles fizessem uma série de preparações para o grande dia:
“Recebemos orientações espirituais para seguirmos com um preceito de, na semana anterior à celebração, nos abstermos de bebidas alcoólicas, de consumir carne vermelha, de relações sexuais. Fizemos banhos de ervas todos os dias dessa semana, forma essa de purificar o corpo para a cerimônia”, descreve.
Os trabalhadores do terreiro frequentado pelo casal, bem como os convidados também receberam orientações, de modo que evitassem o consumo de bebidas alcoólicas do dia anterior até o momento da cerimônia – dessa forma, o nível vibratório das energias de todos os presentes estaria alto.
Para ela, a maior semelhança entre o casamento católico e o umbandista é a busca pela benção de algo superior para a união do casal. Já em matéria de festa, tudo costuma ser muito parecido, sem muitos rituais ou tradições, apenas com a diversão como foco principal.
Maria Fernanda Meireles e Bruno Morais
Mesmo tendo sido criada no catolicismo e não praticando o budismo atualmente, a coach Maria Fernanda Meireles decidiu se casar com o headhunter Bruno Morais em uma cerimônia budista, celebrada pelo monge Maurício Hondaku. É que, de acordo com os preceitos da religião (muitas vezes considerada uma filosofia de vida), no budismo o casamento é enxergado de maneira bastante liberal, não sendo visto como dever ou obrigação, mas sim como uma opção pessoal. Dessa forma, foi após conhecer Hondaku e se encantar pelo budismo que Maria Fernanda tomou sua decisão.
“Não precisei nem ser adapta do budismo para poder ter uma cerimônia budista no meu casamento. É uma religião livre de julgamentos e preconceitos. Para um casamento católico precisaríamos fazer cursos, e eu sinceramente não sei nem se eles permitiriam que eu fizesse, sendo mãe solo“, explica ela.
Como já dissemos, no budismo o casamento não é uma celebração sagrada e, portanto, se configura como um evento de cunho social, e não religioso. No caso de Maria Fernanda e Bruno, nenhuma preparação anterior ou durante o evento foi exigida aos noivos ou convidados: apenas o monge fez algumas exigências em relação ao local onde iria trocar de roupa, tipo de flores (essenciais no casamento) e de toalha colocada na mesa principal.
Lançando mão do chamado Nenju, uma espécie de rosário (ou terço) budista, o monge, os noivos e os convidados leram alguns ritos de passagem importantes no budismo. A cada leitura, Hondaku explicava seu significado correspondente e, para facilitar a compreensão de quem estava presente, já que de acordo com Maria Fernanda apenas uma convidada era budista de fato, ela e Bruno fizeram cartõezinhos para que os convidados participassem do momento sem maiores problemas.
Como a cerimônia de Maria Fernanda e Bruno foi feita em um espaço próprio para festas de casamento, não foi necessário que ninguém seguisse tradições mais antigas do budismo – a noiva vestiu um modelo de vestido bem tradicional, e o noivo optou por terno. Caso a união tivesse sido realizada em um templo, por sua vez, seria obrigatório que todos tirassem seus sapatos antes de entrarem no santuário, prática comum nesses espaços.
Depois da celebração, durante a festa, o monge, por ser um amigo pessoal do casal, dançou e se divertiu à vontade, assim como o restante das pessoas convidadas.
“Todos elogiaram muito a cerimônia, isso me surpreendeu. Fiquei preocupada das pessoas acharem chato por não entenderem algumas passagens, mas o monge explicou todos os passos – o que ficou muito gostoso e divertido!”, finaliza.