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A esperança da brasileira que vive o fim da pandemia na China

Da janela do quarto, a estudante assistiu ao ápice das infecções no país e agora vê Pequim tentar voltar 'à normalidade'

Por Camilla Venosa
Atualizado em 30 jun 2021, 10h02 - Publicado em 1 abr 2020, 10h30
 (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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Melina Rosendo Justi foi para China estudar Mandarim. Aos 28 anos, ela chegou a Pequim em setembro do ano passado. Três meses depois, o país foi tomado pela pandemia do Covid-19. Com medo de ser um foco de transmissão para sua família, a estudante decidiu ficar. “Eu olho pela janela do meu quarto e não vejo movimento algum. Dá medo”. Em entrevista a CLAUDIA, Melina relata o que viveu nos mais de 55 dias de quarentena na China e conta como está sendo voltar à rotina:

“Eu me mudei para Pequim para estudar Mandarim em setembro do ano passado. Meu plano era ficar aqui por um ano, mas agora já não sei mais. Tudo mudou muito rápido e eu dependo de uma situação que não tenho controle.

Quando cheguei, minha rotina era tranquila, como a de muitos jovens intercambistas. Eu saia para a escola, visitava os pontos turísticos, passeava à noite.. Com a chegada de dezembro e janeiro, que são os meses mais frios, meus amigos chineses começaram a me alertar sobre gripes que costumam adoecer as pessoas nesse período. Mas não havia um tom de gravidade, era simplesmente por conta do clima. Algo que eles estavam acostumados.

Alguns dias se passaram e comecei a ouvir comentários sobre uma gripe que muitas pessoas estavam pegando. No noticiário, diziam que se assemelhava a uma pneumonia. Logo depois começamos a ouvir o termo coronavírus. E foi aí que as coisas mudaram. Medidas extremas passaram a ser adotadas. Em Wuhan, que é o epicentro da pandemia por aqui, havia um controle rígido sobre a entrada e saída das pessoas, até que a cidade foi simplesmente fechada. Cada província foi administrada de uma maneira diferente, dependendo da gravidade da situação.

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Apesar do que acontecia no entorno, em Pequim o governo não tornou o período de quarentena obrigatório. Mas havia um pedido das autoridades para que as pessoas ficassem em casa e evitassem aglomerações. Acredito que até pelo histórico de tudo que eles já viveram, as pessoas respeitaram o isolamento.

Como os chineses já haviam passado pelo Sars, eles sabiam bem o que poderia acontecer. As pessoas estavam precavidas. Conversando com a chinesa que mora comigo, ela contou que durante a epidemia do Sars, no início dos anos 2000, eles tiveram que ficar em casa por quatro meses. Então, nada do que estava acontecendo era novidade.

Para mim, que nunca tinha vivido algo assim, o mais impressionante é ver as mudanças na rotina da cidade. Logo que cheguei aqui fiquei surpresa com a loucura do trânsito. Era algo que realmente chamava à atenção. Mas desde que as pessoas aderiram ao isolamento, eu olho pela janela do meu quarto e não vejo movimento algum. É assustador.

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Eu pensei em voltar pra casa, mas desisti porque não sabia se estava doente. Não tinha como saber. Nos primeiros 14 dias, você pode ter o vírus, ser assintomático e estar por aí transmitindo a doença. Eu poderia ser um risco para a minha família e para os meus amigos. Meu avô tem 83 anos, é a nossa maior preocupação nesse momento. Eu também tive medo de passar mal no avião, já que a viagem é muito longa. Por isso, decidi ficar.

O começo da quarentena foi o mais difícil. Não tinha mais a rotina de antes, não podia mais sair, ir pra escola, para o cinema, parque.. Eu não gosto de ficar em casa, mas não tinha jeito. Passei a ocupar meu tempo tentando fazer coisas que eu gostava, como ler, estudar, assistir a filmes e séries. Tentei manter uma rotina. Até criei um diário da gratidão, onde todos os dias eu me forçava a pensar em algo para escrever. Mesmo que fosse algo pequeno como comer um pedaço de chocolate, só para não ficar o tempo inteiro pensando que estava trancada sem poder fazer nada. Mas nem todos os dias são bons. Não tem como não ficar abalada emocionalmente. Em alguns momentos, me sentia péssima, só queria ficar deitada.

Conforme os dias foram passando, aumentaram os números de casos em Pequim e junto com eles as fake news. Decidi que não iria mais acompanhar as notícias por um tempo, elas com certeza estavam me fazendo mais mal do que bem.

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Depois de 60 dias de isolamento, as coisas começam a dar ares de normalidade. O governo de Pequim permitiu que as pessoas começassem a voltar às suas rotinas de trabalho. Mas locais com muita aglomeração permanecem fechados ou com número limite de visitantes.

E agora as autoridades fazem de tudo para tentar impedir uma segunda onda de infecções. O aeroporto, por exemplo, continua fechado. Não entra ninguém no país, chinês ou não. Há também um cadastro online para aqueles que tentam entrar na China por motivos sérios, mas, para conseguir, é preciso uma autorização do governo. Essas preocupações têm motivo. Faz mais ou menos 15 dias que a maioria dos novos casos registrados são de pessoas que vieram de fora do país.

Aos poucos algumas coisas parecem voltar aos eixos. O transporte público voltou a funcionar. Já a maioria das escolas permanece fechada. E é bem provável que elas só voltem a funcionar no segundo semestre. Como temos muitas escolas internacionais, os professores estão presos nos seus países de origem e não têm como voltar.

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Melina Justi
(Arquivo Pessoal/Reprodução)

A verdade é que a sensação de colocar o pé pra fora de casa é maravilhosa. A primeira vez que saí foi no dia 25 de março, meu aniversário. Depois de passar tanto tempo em casa, dá um misto de medo e felicidade na hora de sair. De máscara, fui com uma amiga até o parque Chaoyang, era um ponto turístico da cidade que eu ainda não conhecia. Depois, demos uma volta no shopping e voltei para casa. Não tem nada melhor do que finalmente ver o mundo lá fora”.

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