As viajantes: Autumn Sonnichsen e as vivências com a filha, Forest
A fotógrafa Autumn Sonnichsen abre o coração, a casa e o arquivo de fotos para mostrar as vivências com a filha, Forest, aqui e no mundo
A sexta-feira parecia caber uma semana. Calor, trânsito, São Paulo. Fazer Autumn Sonnichsen esperar mais cinco minutos porque o motorista do aplicativo errou a entrada da rua me fazia pequena no banco de trás. “Está tudo bem, eu entendo”, me disse com seu sorriso largo abrindo a porta do apartamento. Diferente do caos da região, parecíamos estar na praia. Não sei se pela decoração despretensiosa, se pelo silêncio estrondoso dos olhos focados em dizer, se pelo cheiro de muffin no forno. Autumn Querida Sonnichsen tem um jeito doce de falar. Mistura as línguas que sabe (são cinco, ao menos) para contar histórias que começam de um jeito e terminam em outra latitude.
Não poderia ser diferente, imagino. Nascida em Los Angeles, a fotógrafa foi morar em Paris aos 17 para estudar, depois em Berlim, direto para o Cairo e, então, ao Brasil, onde vive há 16 anos. “Eu rodei um pouco”, brinca. Hoje, aos 37, ela entrelaça a vida profissional com a maternidade de Forest, 1 ano. Das experiências bem-sucedidas em revistas nacionais e gringas, Autumn passou também a se aventurar nos trabalhos publicitários adicionando ao vasto portfólio de retratos intimistas, campanhas em lugares paradisíacos. Lá no @aquerida, tudo isso se mistura com os registros familiares – é bonito de acompanhar.
“O nome que a gente dá para os filhos é o nosso primeiro presente para eles. Queria dar isso para ela”
O estilo de vida meio lá meio cá, que sempre fez parte da vida dela, mesmo depois de conhecer o marido, há 7 anos, deu uma pausa por conta da pandemia, dando espaço para outros desejos. “Antes da gente se conhecer, não pensava em ser mãe. Mas eu acho bonito o jeito que ele é pai [Andrew tem dois filhos do primeiro casamento, bastante presentes na vida de Autumn]. Sabe aquela pessoa que, se pudesse, teria 7?”, conta. Apesar de nunca ter pensado a respeito da maternidade para si, a fotógrafa cresceu e viveu num contexto onde o assunto era presente. “Minha mãe é pedagoga, tenho cinco irmãos, todos nascidos em casa. Sou madrinha da Gaia, de 7 anos, filha de uma grande amiga. Somos muito próximas e, por um momento, achei que ela me bastasse. Pois é… Mas me deu vontade.”
O tempo era propício. Isolados, com trabalhos periódicos, eles decidiram que era hora. “Quando soube que estava grávida, contei para o meu marido e fui para a praia, tchau!”, diz. “Precisava processar a informação. Não era uma coisa ‘ai, finalmente’. Estava mais no ‘this is happening’.”
O mar por perto e uma gravidez tranquila, sem grandes enjoos, a permitiram seguir com a prática esportiva. O processo, porém, era solitário, pelo período pandêmico e pela escolha de não postar nada nas redes sociais. Apenas os mais próximos sabiam. “Não senti desejo de compartilhar. Era incrivelmente íntimo. Me irrita essa coisa das pessoas acharem que podem encostar em você, comentar disso ou daquilo que você está fazendo – ou deixando de fazer.” Com Forest na barriga, a fotógrafa só saiu do casulo para trabalhar na Alemanha e na França. “Tinha tempo para mim. Se eu tivesse que ficar num escritório a gravidez inteira, com uma outra condição financeira, seria diferente”, pontua. “Queria ficar longe dos julgamentos. Me senti bem recolhida.”
O nome da filha, aliás, veio de um entendimento sensível da vida – nenhuma surpresa para quem tem no registro a estação com o melhor entardecer do ano. “Ela é Forest Querida, com o sobrenome do pai. Achei importante colocar o nome dele porque dois dos meus irmãos são do segundo casamento da minha mãe. Sentíamos falta de ter o mesmo sobrenome. Não que fizesse uma diferença enorme, era mais uma falta. Acho que sentíamos que aquilo seria bom para nos unirmos. Então fiz questão de fazer isso com ela, apesar de não achar muito feminista [risos], mas tinha um motivo maior. Para mim, o nome é o primeiro presente que se dá a um filho. E eu queria dar isso para ela. A ideia inicial era chamá-la de Bear Hunter, mas foi vetado”, se diverte. No futuro, ela quer arranjar um coelho para baby Forest com o tal nome fofo. Imagina as fotos!
“A coisa mais importante é entender que cada maternidade, cada construção familiar, cada trabalho é diferente.”
Forest pelo mundo
Depois de 26 horas de parto, ajustes na rotina e novas descobertas a cada dia, Autumn conseguiu juntar dois universos. “Entendo que pode ser difícil. Mas, para mim, a maternidade é ótima, a Forest é fácil, meu trabalho me permite o tempo, moro num lugar que tenho ajuda”, comenta ela amamentando a filha, que acabara de acordar. “E ela sempre foi tranquila nas viagens. A primeira vez que a colocamos num avião, ela tinha um mês.” Uma conjunção de fatores que permite as duas estarem próximas independente do CEP. “Além de tudo, ela é muito social. Estar no set com 30 pessoas não é uma coisa mucho loca. Porém, vale dizer que, por ser a fotógrafa, estou numa hierarquia que me permite levá-la comigo. Ninguém vai me questionar.” No seu colo, a bebê chora. “Hey sweetie, I know, it’s hard to wake up, é difícil. Do you want some more? We have a friend here, and I made you a cake”, diz para acalmá-la. Tão lindo ver. “Sabe? Eu não vejo problema de outras pessoas em outros contextos levarem seus filhos para o trabalho, mas não é todo chefe que aceita. A coisa mais importante é entender que cada maternidade, construção familiar, de trabalho, é diferente.”
Agora, sobre o tapete da sala, Forest brinca na estrutura montessoriana. Seguimos a conversa com ela transitando entre nós duas para mostrar os livros e brinquedos de madeira. “A viagem mais recente, por exemplo, foi para Pucón, no Chile. Fui fotografar uma campanha para uma marca alemã, levei ela e meu marido. As diárias foram longas, muita coisa para fazer.” Depois dos dias de set, a família curtiu um pouco a natureza local. “Fizemos a Rota W, na Patagônia: quatro dias de caminhada, sol, friozinho à noite. Foi uma experiência incrível com ela. Parece que voltou diferente, meio adolescente”, ri.
Com os muffins prontos, migramos para a bancada da cozinha novamente, agora vendo Forest se deliciar com o doce, as frutas e a água de coco na canequinha. “Acho que a minha coisa favorita foi a introdução alimentar”, comenta admirando a filha. “Tive sorte porque estávamos no Sul da França no verão, depois fomos para a Itália. Aaaaa a bambina. Com amigos chefs, foi um paraíso, além de fotogênico. Um dos meus maiores sonhos de maternidade era poder preparar alimentos para ela.”
“Quero que ela cresça com muita beleza por perto, goste de comer, não seja noiada com o corpo, porque, sabemos, a sociedade é muito cruel com as mulheres.”
Criança do mundo com tão pouca idade, Forest pede pelo baby (uma boneca da Mônica, presente de aniversário), se comunica, aponta, brinca, te abraça, brinda. Autumn tem vontade de colocá-la numa escola francesa. Daqui 10 anos, tem planos de atravessar o mundo velejando com a pequena e o marido, quem sabe até passar uns meses na Nova Zelândia. E, de tudo isso, deseja para a filha a sobrevivência. “Quero que ela cresça com muita beleza por perto, goste de comer, não seja noiada com o corpo, porque, você sabe, a sociedade é muito cruel com as mulheres.” Daqui, só agradeço à Forest por seus preciosos minutos, que me fizeram entender o que vem de dentro. E, claro, à Autumn, querida, por me mostrar que vale a pena lutar pela maternidade que gostaríamos de ter.