Xamã fala sobre atuação em ‘Renascer’, novo álbum e resgate ancestral
Um dos principais rappers do mercado fonográfico se prepara para abrir um novo (e inusitado) capítulo em sua carreira
É inegável que Xamã seja uma das maiores potências do rap brasileiro atual. Porém, aos 34 anos, o artista não está interessado em se manter em uma caixinha. Desde o ano passado, o rapper vem se aproximando cada vez mais do audiovisual, gravando participações em produções como Maníaco do Parque (Amazon Prime Video) e Justiça 2, seriado previsto para estrear no Globoplay ainda no primeiro semestre.
Agora, em mais um passo, o cantor aparece no elenco fixo da nova novela das 21h, Renascer, na qual interpreta o vilão Damião.
“Desde 2022, venho me adaptando a essa realidade. Participei de audições, tive inúmeras aulas de prosódia, linguagem corporal, teatro. Hoje tenho uma rotina dupla: durante o dia, me dedico às gravações televisivas e, à noite, planejo shows e escrevo músicas”, conta.
Aliás, não há escassez de planos musicais para este ano: ainda em março, Xamã faz a sua estreia solo no palco do Lollapalooza 2024. Novos singles estão programados para serem lançados já nos próximos meses. “Também farei o ‘Acústico Billboard’, o primeiro realizado no Brasil. No meio disso tudo, tem um novo álbum”, diz. A seguir, você confere um papo exclusivo com o artista:
CLAUDIA: Como surgiu o convite para participar da ‘Renascer’, nova novela da Globo?
Xamã: “Eu gosto de cinema e dramaturgia desde muito novo. Estou constantemente flertando com o cinema em meus clipes. Porém, eu digo que a música é muito ciumenta, e eu não conseguia dividir a agenda com projetos de outras áreas. Então, em 2022, me reuni com a minha equipe para planejarmos essa participação maior no audiovisual.
Passei por vários processos de adaptação, o que incluiu aulas de prosódia, linguagem corporal e teatro. Em seguida, fiz um pequeno hiato em minhas atividades musicais, e então, começou o meu namoro com a televisão. Primeiro participei da segunda temporada de Justiça, depois fizemos Maníaco do Parque, e por fim, fiz o teste (e passei) para interpretar o Damião em Renascer.”
CLAUDIA: Quais são as suas expectativas para o seu show de estreia no Lollapalooza 2024?
Xamã: “Ano passado o Black Alien, que considero o ‘God of War’ do rap, me convidou para participar de seu show no festival. E agora, terei meu próprio espaço no Lollapalooza. Estamos criando uma nova identidade visual para a apresentação, que contará com banda completa. Vamos repaginar alguns sucessos e cantar coisas novas. Minha rotina agora é essa: de dia, estou em sets de filmagem, e à noite, me dedico à música.”
CLAUDIA: Você sempre se sentiu confiante para abraçar estas empreitadas desafiadoras? Como é a sua relação com a autoestima?
Xamã: “Desenvolvi a minha autoconfiança nas batalhas de rima. No início, tinha um pouco de vergonha. O problema é que, na batalha de rima, não tem essa. O cara tem que ser carismático, bom no swing. Precisa saber cantar no mic, lidar com as câmeras e convencer a plateia de que você é o melhor. Então, o freestyle nas ruas me obrigou a ser confiante. O que eu faço como músico demanda que eu seja seguro. Se eu não for confiante, nem subo no palco.”
CLAUDIA: Quais são seus projetos musicais para 2024? O que os fãs podem esperar?
Xamã: “Estou produzindo alguns singles de free verse ao lado de amigos. Tem o Acústico Billboard, que será o primeiro do país. Também estou no processo de construir o novo álbum. Um disco é como uma escultura: você desenvolve e aperfeiçoa aos poucos. Ainda está um pouco longe de estar pronto. Por enquanto, estou mais focado nos singles. A novela também vem me inspirando a brincar com elementos musicais inéditos. É sempre uma diversão, apesar de também ser o meu trabalho. Quando escrevo uma canção inédita, acordo feliz no dia seguinte.”
CLAUDIA: Como você aplica a sua ancestralidade em sua música e arte?
Xamã: “Isso foi algo que aprendi a fazer com o tempo. Venho fazendo o meu resgate ancestral desde 2019, conhecendo inúmeros povos indígenas. Minha família, de maneira geral, não tem tanto acesso às próprias raízes. Muitas pessoas no Brasil não sabem qual é o seu povo. É indígena, mas não sabe de qual comunidade.
A partir do momento que eu consegui me conectar com os meus ancestrais, incluindo alguns que foram ou são músicos, comecei a me redescobrir. Conhecer o passado de meus familiares, quem eram, o que fizeram, influencia diretamente o meu processo de criação artística.”
CLAUDIA: Como essas descobertas recentes reinventaram a sua forma de criar arte?
Xamã: “O rap pode ser muito material. E quando você escreve algo de forma espiritual, acaba acessando outros sentimentos. É um olhar para dentro. É uma certeza de que aquele verso é puramente a sua essência. Você acaba entendendo como algo te afetou, descobre outras maneiras de enxergar a si mesmo. A partir do momento que me conecto com a ancestralidade, começo a escrever olhando para dentro, com mais introspecção.”
CLAUDIA: Além da questão da descoberta da ancestralidade, você consegue identificar outros processos transformadores em sua arte que lhe atingiram recentemente?
Xamã: “Eu era muito visceral em meus versos, sentia muita raiva. E aí, quando sofri por amor, passei a escrever coisas românticas. Eu jamais me permitiria falar sobre isso antigamente, teria vergonha de cantar em público. Por ser rapper, acreditava que eu não poderia falar de amor. Mas agora, vim a me descobrir como um romântico.
Essa mudança de percepção foi muito guiada pela arte, e eu acreditei, pois a arte nunca me levou para um lugar errado. A música me ensinou a ser menos machista, a tirar falas homofóbicas de meu vocabulário, que eu aprendi na rua ou nas escolas. O rap, assim como a dramaturgia, me educou a ser uma pessoa melhor.”
CLAUDIA: Quais aspectos do rap ainda precisam passar por desconstrução?
Xamã: “Por ser um estilo musical novo, com menos de 100 anos, eu acredito que ele ainda esteja em construção. Mas tenho fé que o rap está em constante metamorfose e se reeducando rapidamente. Hoje temos várias minas amassando no gênero. Antigamente, nos Estados Unidos, só tocavam os caras, até que surgiu a Lauryn Hill. Depois, já tinha a Nicki Minaj, Cardi B, várias minas que realmente ganham grana, pois o rap é algo que ultrapassa barreiras naturalmente.”
CLAUDIA: Hoje, quais mulheres do rap nacional você acredita que melhor representam o gênero?
Xamã: “Hoje, eu indico essas mulheres como referência: Tasha e Tracie, Mc Soffia, Nina do Porte, Btrem… Tem muita gente! Elas contam a realidade e saem daquela coisa quadrada de falar apenas sobre carros, mulheres e dinheiro. No momento que ninguém sabe falar algo novo, elas trazem esse frescor criativo. Me inspiro muito nelas.”