Por que o hype de OSGEMEOS?
A dupla Gustavo e Otávio Pandolfo retorna com exposição gigante ao Brasil. E mostra que o artista que faz grafite deve ser levado a sério
Você identifica de longe uma obra de OSGEMEOS. Há murais em São Paulo, um que se vê numa avenida ao chegar em Lisboa, outro mais recente em Minsk, em Belarus. Mas é bastante improvável que você reconheça a dupla de artistas por trás das criações se encontrá-la andando por aí. Os brasileiros Gustavo e Otávio Pandolfo, 45 anos, somam 30 anos de carreira. Têm obras expostas em muitos outros lugares do Brasil e do mundo, como Dinamarca, Lituânia e Estados Unidos – tanto em museus quanto nas ruas –, porém não são exatamente midiáticos. Mantêm ateliê no Cambuci, bairro de São Paulo onde passaram a infância e o início da vida adulta. Fazem questão de, sempre que a vontade bate forte, pintar nas ruas da cidade em que tudo começou.
Chega agora à capital paulistana a primeira exposição de retrospectiva de OSGEMEOS, que será inaugurada em 28 de março e trará 60 obras, boa parte delas inédita. “Vai reunir coisas que nunca mostramos – sobre nossa infância, por exemplo. É um jeito de retribuir a São Paulo o que nos deu”, diz Otávio. É a estreia deles também na Pinacoteca do Estado de São Paulo, instituição centenária na região central, que terá todo o primeiro andar ocupado pelas obras, além do octógono. O lugar tem um significado especial para os dois. “Quando tínhamos 6 ou 7 anos, fizemos um curso de artes nesse espaço, dirigido na época pelo (artista plástico) Paulo Portella. A Pinacoteca se tornou muito especial para nós desde então”, conta. A última mostra da dupla para o público brasileiro foi em 2014, no paulistano Galpão Fortes Villaça, que contou com 58 mil visitantes, recorde da galeria até hoje.
Parte significativa do sucesso dos irmãos se deve ao trabalho realizado nas ruas desde 1980, quando começaram a fazer grafite. O movimento de interferência no cenário urbano, nascido em Nova York e que se espalhou pelas grandes metrópoles do planeta, fisgou a atenção dos adolescentes, que já desenhavam freneticamente. Transportar o que faziam com habilidade no papel para os muros foi um impulso natural. “O grafite é único. Ninguém fala como, quando e onde fazer. Você pega suas tintas, vai lá e faz. E ele sempre terá esse lado transgressor e até do ilegal, de não ter autorização. Ao mesmo tempo, o grafiteiro pintando nas ruas no domingo à tarde já é comum em São Paulo”, explica Gustavo. Essa manifestação artística é constantemente alvo de represálias. Lidar com isso faz parte do movimento. Entre os que condenam, há quem pinte por cima dos desenhos sem dó. Até instituições públicas já entraram na polêmica. Em uma arte que acabou coberta com tinta cinza pela prefeitura da capital em 2013, OSGEMEOS haviam escrito: “Apagar arte é apagar cultura. Apagar cultura é desrespeitar o povo”.
A partir de 1993, paralelamente à arte feita nas ruas, os artistas começaram a levar suas criações a instituições. “Enxergamos o espaço expositivo como uma possibilidade de criar nosso universo lúdico com recursos que talvez ficassem restritos ao nosso estúdio. E ele pode complementar a arte de rua. Mas não dá para dizer que o grafite entrou para a galeria só porque você usou um spray ou pintou o mesmo personagem; o entorno urbano faz toda a diferença”, diz Gustavo. A arte de rua e a contemporânea são duas facetas do perfil da dupla. Estar nos dois lugares seria também uma forma de fomentar a democratização do acesso à arte. “Importa muito saber que eventualmente alguém acostumado a ver nossa obra embaixo de uma ponte no Glicério (bairro no centro de São Paulo) vai à Pinacoteca pela primeira vez porque vamos expor”, afirma Otávio.
Não dá para dizer que o grafite entrou para a galeria só porque você usou um spray
Gustavo Pandolfo
Com isso em mente, eles admitem que consideram a própria trajetória potencialmente inspiradora. Afinal, iniciaram com poucos recursos e hoje sobrevivem da própria arte. Já expuseram em espaços como os telões da Times Square, em Nova York, pintaram um avião da Gol como parte de uma ação comercial e fizeram um tênis para a Nike. “Estamos mostrando para uma geração de novos artistas que é possível viver do sonho. Naquela época, não pensavámos que daria para transformar nossa paixão em trabalho. Só nós sabemos quanto tivemos que desenhar e estudar para chegar até aqui. Agora, nossa responsabilidade é a de abrir portas”, afirma Otávio. Os irmãos começaram a trabalhar ainda na adolescência em lugares tão diversos quanto funilaria de carros, fábricas de alimentos e restaurantes.
A decisão de se dedicarem somente aos desenhos não oferecia nenhuma garantia de que traria algum retorno – muito menos o que eles experimentam hoje. “Para nós, o fato de a gente largar um emprego e viver apenas de arte já era dar certo. Reunimos nossos melhores desenhos em uma pasta e saímos batendo na porta de agências. Assim, conseguíamos um ou outro trabalho”, lembra Gustavo. O sucesso de OSGEMEOS é quase uma exceção à regra no país, que tem volume relevante de artistas excepcionais, mas incentivos escassos. “Fazer arte no Brasil é fácil; difícil é obter reconhecimento. Às vezes se conquista isso mais rápido lá fora. Mas não é legal que a gente tenha conseguido fazer tanto?”, conclui Otávio.