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Sem a extravagância do original, novo “Exorcista” é um bom sonífero

“O Exorcista: O Devoto”, continuação sem vida do clássico de Friedkin, chega hoje (12) aos cinemas brasileiros

Por Kalel Adolfo
12 out 2023, 08h54
Olivia O'Neill é uma réplica mal-sucedida de Linda Blair em "O Exorcista".  (Universal Pictures Brasil/Reprodução)
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Exatamente 50 anos após o clássico inquestionável de William Friedkin reinventar e estabelecer um novo padrão de qualidade para os filmes de terror, David Gordon Green (o diretor do aclamado Halloween, de 2018) tomou uma decisão que, até o momento, foi a mais ambiciosa e ousada de sua carreira: desenvolver uma sequência direta da obra protagonizada por Linda Blair. Sem ironias, o cineasta americano merece os créditos por sua pretensão.

Todavia, O Exorcista: O Devoto cai na mesma armadilha de inúmeras outras produções que tentam se associar a títulos icônicos: não conseguir suprir as expectativas geradas pelos longas que as antecedem.

Enquanto O Exorcista (1973) prospera por oferecer uma construção narrativa inteligente e dramática — a transformação de Reagan continua sendo a melhor no subgênero de possessão demoníaca —, o novo filme da franquia fracassa por entregar justamente o contrário.

Não me entendam mal: O Devoto até começa promissor, com um ritmo slow-burn inquietante que nos dá a sensação de que o melhor ainda está por vir. Entretanto, o roteiro acaba tropeçando em seus próprios artifícios, se tornando uma experiência maçante à medida que se escora apenas em recriações e referências infindáveis ao clássico original.

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Linda Blair e Ellen Burstyn reprisam os seus papéis no novo Exorcista. (Warner Bros./Getty Images/Reprodução)
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Até mesmo chamar este novo capítulo de “continuação direta da obra de 1973” — como apontado pela sinopse oficial — soa um tanto pretensioso, visto que tudo o que a trama faz é resgatar alguns personagens antigos — Ellen Burstyn, a mãe de Reagan, reprisa o seu papel no longa, por exemplo — e encaixá-los na narrativa de forma desleixada.

Claro, rever alguns rostos conhecidos, como Burstyn e a própria Linda Blair, que surge nos minutos finais da exibição, traz aquela nostalgia gratificante. Porém, um roteiro não se sustenta apenas com fan service: é necessário que o projeto tenha alma e propósito.

Comparações à parte, o novo “Exorcista” não se garante

Excluindo o peso de estar conectado a um clássico da sétima arte, o novo Exorcista também não se garante. A trama sobre duas meninas que acabam possuídas após realizarem uma brincadeira para contatar espíritos é apenas muito básica para 2023. Sem dúvidas: alguns diretores, como James Wan (Invocação do Mal) e Fede Alvarez (Don’t Breathe) são capazes de fazer o “arroz e feijão” bem feito. O mesmo não pode ser dito sobre Gordon Green.

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Aqui, nem mesmo os sustos (escassos, por sinal) são efetivos ou inventivos. As jovens atrizes (Lidya Jewett e Olivia O’Neill, que interpretam as colegas possuídas) não entregam credibilidade em seus papéis. Aliás, ao dublarem suas vozes em “versão demoníaca”, o fazem com tamanha letargia que somos retirados imediatamente da ilusão cinematográfica. Quem espera aquele humor deliciosamente ácido, constantemente presente em longas sobre possessão, também deve se decepcionar.

A distribuição entre os papéis, inclusive, deixa a desejar: enquanto Angela (Jewett) recebe um arco dramático completo — temos acesso ao seu passado, motivações e processo de possessão com detalhes —, Katherine (O’Neill) é deixada de lado, ganhando espaço em sequências que não acrescentam nada. Fiquei me perguntando o tempo inteiro: “Qual é o sentido de ter duas protagonistas, se apenas uma ganhará destaque?”. A desproporcionalidade é gritante. 

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Apesar de Lidya Jewett e Olivia O’Neill serem as protagonistas, apenas uma ganha espaço na trama. (Universal Pictures Brasil/Reprodução)
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Os deixo com uma conclusão intrigante: nos anos setenta, tempos muito mais conservadores, Hollywood enlouquecia as plateias com uma Linda Blair que vomitava líquidos fluorescentes, girava a cabeça em 360 graus, descia escadas como uma aranha e até mesmo esfaqueava os próprios genitais com um crucifixo. E hoje, justamente quando vivemos um período de extrema liberdade criativa, David Gordon Green higieniza o seu Exorcista com cenas que, ao invés de nos arrancar suspiros, risadas ou quaisquer reações significativas, nos levam a dissociar em meio a bocejos.

Se essa continuação prova algo, é que o clássico de 1973 continua sendo muito mais transgressor, sendo lançado há muito mais tempo. Efeitos visuais podem se tornar datados, mas ideias corajosas sobrevivem por gerações. Que fique a lição para os próximos cineastas que ousarem se aventurar em territórios previamente bem explorados.

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