Anielle Franco lança HQ e websérie sobre legado de Marielle
"Prefiro contar os dias dela em vida", diz Anielle Franco, irmã da parlamentar e diretora do Instituto Marielle Franco
Não se sabe ao certo quantos dias Tereza de Benguela teve de vida. No século 18, a rainha do Quilombo do Pilho, Mato Grosso, assumiu a liderança da comunidade após a morte do marido, o José Piolho, por duas décadas.
Tereza transformou a forma da organização política do quilombo ao implementar um sistema de parlamento com direito a deputados e conselho. Além disso, a atividade agrícola foi potencializada com a comercialização de teares fora da comunidade.
Diferente de rainha, que é celebrada neste Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha (25), a parlamentar Marielle Franco tem um número exato de dias de luta. Foram aproximadamente 14.110 dias de vida da ativista, que foi executada no dia 14 de março junto com o motorista Anderson Gomes.
Para a professora e irmã de Marielle, Anielle Franco, esse número precisa ser exaltado. “Prefiro contar os dias que ela esteve viva. Acho que pode ter um sentimento legítimo da contagem dos dias após sua morte e que permanecemos sem respostas, mas nós da família não lidamos desse jeito”, diz a diretora do Instituto Marielle Franco, organização sem fins lucrativos, criada pela família da ativista para cobrar por justiça, defender sua memória, multiplicar o legado e regar suas sementes
Por meio de palavras e ilustrações, a família encontrou mais uma forma didática de perpetuar os passos de Mari com a HQ Marielle Franco Raízes, que será lançada nesta terça-feira (27) e disponibilizada no site institutomariellefranco.org.
Em formato digital e física, a obra é voltada especialmente para jovens negras e contou com uma ajuda especial. “A Mariah participou dando opiniões sobre os desenhos. Ela é muito ligada à Mari, vai trabalhar comigo no Instituto inclusive”, conta sobre a filha, que é afilhada de Marielle.
A falta da tia e da madrinha é sentida com frequência pela pequena. “Ela entende, pergunta o porquê e se vão descobrir os responsáveis. Não consigo esconder muito, mas também procuro não passar toda a carga a ela. A HQ ajuda nessa questão, já que é uma forma mais leve e bonita de falar da Mari”, diz Anielle.
Para onde vamos
Além da HQ, em julho, a websérie em formato de minissérie documental Para Onde Vamos chegou ao Globoplay. Lançada por Anielle, a produção conta com cinco episódios para destacar uma narrativa de ação e subversão, que tanto foi defendida por Marielle.
As parlamentares e ativistas Áurea Carolina, Elaine Ferreira do Nascimento, Paula Beatriz de Souza Cruz, Anielle Franco e Vilma Reis (Bahia) são as personagens entrevistadas e que mostram a força da mulher negra nos espaços políticos da sociedade.
“Não aguento mais conhecer mulher preta depois que morre. Precisamos ser vistas e reconhecidas em vida”
“Há um entrave no acesso aos dados produzidos por intelectuais negras. O nosso trabalho no Instituto Marielle Franco é de simplificar essa produção e proteger a memória. Por isso, mulheres negras, escrevam! Precisamos registrar nossas vivências e nossos pensamentos”, afirma Anielle.