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Diretora Anita Rocha da Silveira fala sobre o lugar da mulher no cinema

A cineasta está com seu segundo longa em cartaz, Medusa, destaque da Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes 2021

Por Raíssa Basílio
11 abr 2023, 08h53
Conheça Anita da Rocha Silveira, diretora de Medusa.
Anita da Rocha Silveira, diretora de Medusa, filme brasileiro exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes, em 2021. (João Atala/Divulgação)
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Na mitologia grega, Medusa foi uma górgona com o poder de transformar em pedra os que a olhavam diretamente. Antes de se tornar essa criatura, ela era uma mulher sem medo de se expressar, sacerdotiza da deusa Atena – que ficava incomodava com essa liberdade feminina da serva. Após reportar um abuso sexual cometido por Poseidon à Atena, Medusa é punida sendo transformada em uma górgona. A deusa não acreditou nela e ainda a culpou pelo ocorrido. Existem outras versões deste mito, mas essa é a que inspirou o filme Medusa, da diretora brasileira Anita da Rocha Silveira.

Natural do Rio de Janeiro, a cineasta viveu a época das locadoras, em que o cinema brilhava longe dos streamings. Fã de produções que levam aos universos mais fantásticos, um dos primeiros filmes que chamou sua atenção foi Veludo Azul, de David Linch. Essa estética, sem dúvida, reflete em seus trabalhos.

Medusa, filme de Anita da Rocha Silveira, foi exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes 2021.
Mari Oliveira em Medusa, filme de Anita da Rocha Silveira, foi exibido na Quinzena dos Realizadores de Cannes 2022. (Vitrine Filmes/Divulgação)

“Eu gosto de algo extraordinário, que não é a vida como ela é. Eu faço uma mistura de gênero, horror com fantasia e humor, muitas músicas. Eu gosto de filmes que levam a gente para um universo mágico, que é distante da realidade, com espaço para coisas fantásticas e fora do normal acontecerem”, diz a diretora.

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Uma dos principais nomes femininos do cinema nacional contemporâneo, Anita da Rocha Silveira estreia seu segundo longa-metragem, Medusa. A produção estreou na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes (2021) e rodou dezenas de festivais internacionais. Em cartaz nos cinemas, a produção é um retrato “distópico” extremamente próximo da nossa realidade – basta relembrar das transformações no Brasil nos últimos quatro anos.

Medusa mostra uma sociedade completamente conservadora em que um grupo de adolescentes religiosas humilham meninas que fogem deste padrão e são ousadas demais. Sentiu a conexão com o mito grego? Temos várias Atenas querendo ditar como as mulheres devem se portar perante a sociedade machista.

Concepção de Medusa

A história que Anita da Rocha Silveira escolheu contar pode parecer ficção, mas ela se baseou em casos reais, o que nos faz refletir sobre como feminilidade também é tóxica neste contexto. Ela conta que a estética extraordinária de Medusa, além do humor e a trilha sonora, é uma forma de deixar a produção mais leve.

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“Eu li uma notícia de um grupo de jovens de 16 anos que se uniram para bater em outra garota, que consideravam a promíscua do colégio. Eu lembro que a garota ficou com uma sequela neurológica, comecei a pesquisar e encontrar várias notícias similares. Isso me fez lembrar do mito de Medusa”, conta Anita sobre a ideia do filme.

“Como é que um mito que tem milhares de anos ressoa na sociedade contemporânea? Me deu essa vontade de falar do machismo estrutural e do controle que exercemos sobre nossos corpos, que, na verdade, o ambiente em que crescemos nos faz controlar, principalmente em um ambiente conservador. Controlamos tanto nós mesmas que passamos a fazer o mesmo com nossas amigas e também outras mulheres a nossa volta, esse foi, de certo modo, o ponto de partida”, completa.

Com o crescimento dos movimentos conservadores, Anita da Rocha Silveira quis trazer essa crítica para as telas. A diretora fez também uma análise no conteúdo dos influenciadores de extrema direita. A forma como eles usam essas plataformas para falar de casamento, conservadorismo, submissão, cultura incel e red bill.

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Conheça Anita da Rocha Silveira, diretora de Medusa.
Anita da Rocha Silveira, diretora de Medusa e Mate-me Por favor. (João Atala/Divulgação)

O lugar da mulher também é no cinema 

Anita da Rocha Silveira só tem um filme protagonizado por homens, seu primeiro curta, O vampiro do meio-dia, de 2008. Ela conta que, na época, foi tão natural essa escolha, que nem percebeu. “Antes a gente achava que histórias universais tinham que ser com homens brancos. Não só homens, mas brancos. E o resto seriam histórias de exceção.” Nas produções seguintes, as mulheres dominam suas narrativas.

Histórias sobre mulheres, feitas por mulheres e para mulheres têm aumentado no cinema – um efeito do movimento #MeToo. A diretora conta que o espaço feminino no audiovisual melhorou, mas ainda não chegou lá.

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“Tem mais mulheres no mundo que homens, é precisa equilibrar o número de mulheres diretoras. Ainda que nesta nova geração esteja mais balanceado, é necessário pensar como essas mulheres ocupam espaços em festivais, por exemplo”, completa. Para que essa ocupação aumente, é preciso de presença feminina também nas curadorias, seleções, júris e mais. Não adianta premiações e mostras de cinema apenas com homens na organização e seleção.

Efeito #MeToo nos sets de filmagens

Claro que é preciso mulheres no cinema, mas, para isso, nós precisamos de um espaço seguro. Anita da Rocha Silveira comentou sobre a insalubridade os sets de filmagem há 15 anos.

“Eu fui assistente de direção e passei por experiências que não foram positivas enquanto mulher, em sets de filmagens, tanto de assédio sexual, quanto moral. Eu até deixei de trabalhar com isso e fazer mais roteiros. Eu dizia que só voltaria a trabalhar em um set como diretora. Em 2008 e 2009, passei por situações que se conto hoje para alguém mais jovem, vão achar surreais”, conta.

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A diretora explica que o cenário mudou no sentido de não acontecerem coisas absurdas e exemplifica: “situações como: você está passando e alguém agarrar sua bunda na frente de outras pessoas, isso não tem mais. Fora que ainda tinha uma cultura de achar isso ok, se você achasse ruim é porque era frígida, ou algo assim.”

Ela frisa que ainda “há muito o que melhorar”, mas que fatos como o descrito acima não são mais uma realidade. “Aconteciam coisas que eram muito óbvias que eram erradas. Que bom que agora as pessoas sabem que é errado e muito errado”, completa Anita.

Seu primeiro longa, Mate-Me Por Favor, foi antes do movimento #MeToo, mas Anita já se preocupava em preparar um ambiente agradável e acolhedor para as mulheres. “Para mim, era muito importante trazer um set em que as pessoas ficassem confortáveis. Medusa já vem em um outro momento, em que as coisas são muito mais claras e apropriadas”.

 

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