Dira Paes aos 57: “Foi quase um trabalho de tatu para abrir caminhos que não existiam”
Além do reconhecimento internacional, ela se prepara para acompanhar a COP30 e viver uma nova protagonista na TV

Antes de pisar no estúdio para este ensaio fotográfico, sob as luzes e rebatedores, à frente das lentes do fotógrafo Jonathan Wolpert, Dira Paes toca rapidamente as mãos no chão. Baixinho, pede licença ao universo para começar a posar. Mesmo não sendo religiosa, a atriz acredita que não estamos sós: “Até um lugar vazio está cheio de poeira cósmica, precisamos respeitar”.
O ritual é comum antes de entrar em cena nos filmes e novelas em que atua e, para ela, modelar vestindo roupas de grife também é uma forma de incorporar personagens. “Conforme a peça e o penteado, é preciso trazer uma postura diferente.”
À equipe, ela indica como gosta de arrumar seu cabelo, cria cenas junto ao fotógrafo e, por vezes, opina sobre os seus cliques favoritos. “Há momentos em que estou muito longe de me gostar e outros em que me amo loucamente. São dois movimentos díspares que oscilam.”
Quatro décadas de carreira
Em 2025, a artista comemora quatro décadas de carreira e vive uma fase de colheitas: foi homenageada pelo conjunto da obra no Festival de Cinema de Paris, lançou o filme Manas, de Marianna Brennand, a série Pablo e Luizão, com Paulo Vieira, e está se preparando para protagonizar a próxima novela das nove da Globo, Três Graças.
Além disso, está gravando um longa-metragem, renovou o contrato com a emissora e reviveu a icônica Solineuza nas telinhas. “No Norte, podemos chamar de pororoca. Foi preciso ter muita organização mental para dar conta, mas me preparei física e psicologicamente — puxei um fôlego e agora estou na metade do processo”, comenta, ao avaliar tantas conquistas em um único mês.

Do Pará ao Rio
Fruto de uma família amorosa, Dira cresceu no Pará entre as águas dos igarapés e os encantos da floresta amazônica — cenários perfeitos para as memórias mais cinematográficas possíveis. Ali, sementes trazidas pela maré viravam comidinhas de brincadeiras e os domingos eram desperdiçados na sorveteria.
“Minha irmã tinha uma cobra de estimação. Um dia foi tomar sorvete segurando o bicho e colocou a cobra na boca”, lembra, rindo. Falar sobre a região é reafirmar suas origens e celebrar um Brasil potente, que não só vivencia a biodiversidade, como também cria música, arte e literatura a partir dela.
“Nós nos retroalimentamos. A paixão por esse lugar é resistência porque mostra que a riqueza cultural não está só no Rio e em São Paulo”, ressalta. “Temos um comportamento de gostar da gente porque quem vai gostar se nós não nos valorizarmos?”
O estado serviu de inspiração para o filme A Floresta das Esmeraldas, de 1985, dirigido pelo britânico John Boorman — drama que também deu início à carreira artística da atriz, que foi selecionada para atuar aos 15 anos. A experiência foi tão marcante que, após concluir o ensino médio, decidiu mergulhar na profissão e mudar-se para o Rio de Janeiro, onde se formaria em Artes Cênicas pela UNIRIO.
“Por um momento, achei que poderia ser professora de arte, por isso queria ter esse diploma que me orgulho tanto. Foi uma época em que aproveitei para estudar e entender que cada trabalho tinha uma preparação diferente. Percebi que precisava criar o meu espaço e foi quase um trabalho de tatu para abrir caminhos que não existiam.”

Entre Solineuza e Helena: o poder da multiplicidade
Ao longo da carreira, sua versatilidade se destacou. Com a mesma entrega, ela deu vida à irreverente Solineuza, da comédia A Diarista, e à sofrida Helena Camargo, do drama Dois Filhos de Francisco.
“As pessoas não relacionavam uma com a outra. Queria ter um leque de papéis diferentes e sinto que consegui”, declara. “Quando eu passei a fazer a Globo, as coisas ganharam uma dimensão muito maior. Eu trabalhei com as pessoas mais incríveis desse mundo — e é importante que se diga, pelo Brasil inteiro. Só está faltando Acre e Roraima, dois lugares que não conheço.”
O olhar do espelho aos 57
Completando 57 anos neste mês, Dira sente um bem-estar arrebatador e está maravilhada com a nova idade. Ao traduzir a sensação em palavras, ela gargalha e dispara: “Aos 50, reconheci a sensação de liberdade. Nada me deterá, farei tudo que eu quiser”.
Apesar de não dar tanta importância ao tempo, admite que o espelho é como um dragãozinho que aponta seus defeitos. “Olha que redundância, é quase uma antipatia por si própria. Não me gosto parada na foto, me gosto mais conversando porque me acho uma pessoa viva. Gosto mais de mim do que do espelho e busco me renovar.”
A vitalidade que ela sente — e valoriza — não está só na imagem refletida mas, sobretudo, nos vínculos que construiu. Ao lado do diretor de fotografia Pablo Baião, criou um lar onde carinho, diálogo e liberdade têm lugar cativo. Mãe dos meninos Inácio e Martin, ela fala da maternidade com ternura: vê na família a razão de seu compromisso com a vida e com a luta por um mundo melhor.
“Uma amiga perguntou como é estar casada há tanto tempo e respondi: não tem fórmula. Penso sempre em um prazo de 12 meses. Quando vi, passaram-se 20 anos”, reflete. “Eu olho para ele e o acho bonito. Às vezes não quero que ele fale nada, só quero me encostar e ficar abraçada.”

Do cinema à direção
Foi com Pablo que Dira teve sua primeira experiência como diretora. Juntos, conceberam o drama Pasárgada (2024), inspirado no poema homônimo de Manuel Bandeira. A produção traz à tona temas como isolamento, reconexão com a natureza e autodescoberta a partir da personagem Irene, uma ornitóloga que embarca em uma viagem sensorial enquanto confronta o tráfico ilegal de pássaros silvestres.
“O Pablo tem um olhar muito bonito, tudo ele transforma em cinema. Eu vi esse fotógrafo nascer e vi ele fazer a transição para a direção de fotografia. Admiro demais o que ele faz”, diz a companheira. “Nossos ciclos são imprevisíveis, mas contínuos. A gente nunca ficou longe um do outro.”
Seu amor pelo cinema também foi transmitido ao filho mais velho. O adolescente é um apreciador da sétima arte — gosto cultivado desde a infância pela mãe. “O Inácio gosta muito de cinema. Ao longo da vida, fiz alguns filmes infantis para ele assistir. E quando começou a entender que eu também tinha feito comédias, pediu mais. Agora, Pablo e Luizão é o meu presente para ele e para Martin.”
A brasileira cidadã
A sensibilidade que guia suas escolhas artísticas também move o compromisso com o meio ambiente e a justiça social — não é raro ver seu rosto estampado em campanhas pela preservação da natureza e em apoio às causas indígenas.
A consciência política aflorou cedo, aos 13 anos, quando a garota se deparou com uma reportagem sobre o garimpo de Serra Pelada — fenômeno que provocou desmatamento, contaminação por mercúrio, exploração do trabalho, entre outros danos devastadores.
“Aquele buraco me chamou muita atenção. Lembro de pensar que o lugar era tão lindo e tinha tanta fartura… Não conseguia entender aquela referência que eles estavam mostrando. Em seguida, me deparei com a campanha do Betinho e entendi a dimensão da palavra cidadania.”
A ação liderada pelo sociólogo Herbert de Souza buscava mobilizar a sociedade brasileira contra a fome. Lançado em 1993, o movimento ficou marcado pelo lema: “quem tem fome tem pressa”, refletindo a urgência por soluções. “Não foi fácil ser jovem no meio desse turbilhão. E eu não sou branca, sou afroamazônida. Percebi rapidamente como era ter a cara de uma região. Foi aí que vi meu despertar.”
Quatro décadas depois, Dira está preparada para cobrar resultados concretos da COP30, que acontece no mês de novembro, em Belém. O evento vai reunir líderes mundiais, organizações não governamentais e a sociedade civil para debater o meio ambiente.
Além da crise climática, a atriz vê a importância de instituir o manejo sustentável e questionar o comprometimento de empresas que lucram com a exploração dos recursos naturais. “Nós precisamos do envolvimento daqueles que estão entre o 1% do mundo. Essas pessoas precisam ser responsabilizadas pelas inconsequências da antiecologia. Antigamente, éramos ‘ecochatos’. Hoje, somos fundamentais para a manutenção do planeta.”

Pés no chão
O talento e a coerência entre o que diz e o que faz são alguns dos motivos que despertam a admiração instantânea por Dira. No dia a dia, ela faz questão de valorizar suas raízes e, mesmo nos momentos de maior visibilidade, conserva o olhar atento para o coletivo. Suas falas sobre maternidade, envelhecimento, desigualdade ou meio ambiente não surgem como discursos prontos — são reflexos de vivências concretas, atravessadas pelo tempo e pela escuta.
“Eu tento colocar um pé no chão para o outro poder voar, porque é o que garante segurança e juízo. É importante reconhecer o que nos dá potência. Tudo que decidi fazer até aqui tem a ver com o que acho importante.” No geral, Dira é uma pessoa que pensa antes de agir. É calorosa e autêntica com todos ao redor, mas na hora de dar a entrevista, se torna mais centrada. “Quero que todas as leitoras captem o que tenho a dizer.”
Para o grande público, é como se ela fosse uma conhecida de longa data. “E eu sinto esse carinho, sabe? Na época da Filó [de Pantanal], as pessoas me falavam que queriam um abraço e tomar um cafezinho com ela. Olha como é bom ouvir isso!” Ao se manter fiel a si, Dira transforma admiração em afeto. “Sou vista como uma mulher possível. Uma brasileira que representa, que tem a cara de um lugar e que defende os direitos humanos. Acho que sou uma brasileira cidadã.”
Assine a newsletter de CLAUDIA
Receba seleções especiais de receitas, além das melhores dicas de amor & sexo. E o melhor: sem pagar nada. Inscreva-se abaixo para receber as nossas newsletters:
Acompanhe o nosso WhatsApp
Quer receber as últimas notícias, receitas e matérias incríveis de CLAUDIA direto no seu celular? É só se inscrever aqui, no nosso canal no WhatsApp.
Acesse as notícias através de nosso app
Com o aplicativo de CLAUDIA, disponível para iOS e Android, você confere as edições impressas na íntegra, e ainda ganha acesso ilimitado ao conteúdo dos apps de todos os títulos Abril, como Veja e Superinteressante.