“Digo e Tenho Dito”, de Anna Maria Maiolino
Livro reúne escritos da artista ítalo-brasileira sobre a vida, a arte, a maternidade e a vida de migrante
Não é novidade o encontro das artes plásticas com a literatura — Lenora de Barros e não nos deixa mentir. Usar a palavra como plataforma de performance, de pintura, de desenho, qualquer que seja a intenção do artista, é prova de que a intersecção dos pensares (e fazeres) mexe diretamente com o nosso “dar conta do mundo”, de viver nele, por assim dizer. E a arte dá conta de muita coisa que não podemos nomear por inteiro.
Por isso, é tão lindo, intenso e visceral Digo e Tenho Dito (Ubu, R$ 59,90), de Anna Maria Maiolino. A ítalo-brasileira reúne seus escritos que ressoam como um diário no peito de quem lê. Desde 1971, ela escreve poemas, por incentivo de Hélio Oiticica, e desenvolve prosa poética sobre acontecimentos cotidianos, sentimentos dos mais diversos e a experiência da maternidade. A arte, claro, aparece nas entrelinhas.
“Encontrar-me no mundo e ter que viver me foi penoso”, escreve ela em um dos primeiros textos. A dor e o esforço para carregar o próprio corpo pelas horas a fio vem acompanhados de citações a Sísifo, Rimbaud, Deleuze, Nova York, Itália, guerras, avó, memórias que se entrecruzam na vivência mundana.
Os trechos sem tradução do italiano são um ótimo marco dessa condução tátil da linguística, do ser imigrante, do não pertencimento ao próprio pisar (pintar) no mundo. “Fico aguardando, no exercício do ato pictórico, utilizando o tradicional suporte da tela, trabalhando com pinceladas contínuas, na transparência.” Ela não tem medo de se escavar e mostrar quem é, independente do material escolhido para tal (matéria ou tema, que seja).
A passagem do tempo não fica apenas evidente na indicação dos anos em cada novo escrito, mas no conteúdo, que faz marcação temporal das condições de temperatura e pressão das décadas a fio, e na suspensão do envelhecer próprio como intenção de se fazer sentido na poesia própria de ser-estar.
Anna Maria Maiolino consegue emocionar sem deixar de inspirar, mesmo quando o seu processo pessoal escapa o que entendemos como pulsão de vida. Afinal, nem sempre estamos felizes (e tudo bem). O que importa é como lidamos com isso — e dela, já sabemos onde mora a sublimação.