A figurinista de “Succession” não está interessada nas redes sociais
Apesar do hype de termos como "quiet luxury" em torno da produção da HBO, Michelle Matland garante que nunca foi sobre fazer tendências viralizarem
Não há dúvidas que Succession é uma das melhores séries já feitas no streaming. Com a última temporada no ar, cheia de reviravoltas, ela encanta por explorar humor ácido com recursos fílmicos para tratar da vida ”pacata” de bilionários norte-americanos. Pode até parecer uma bobagem quando se lê a sinopse, mais uma família branca disputando a herança (no
fundo, não deixa de ser), mas a maestria do criador, roteirista e diretor, Jesse Armstrong, torna a narrativa envolvente a ponto de você ter reações físicas aos micro acontecimentos dessa complexa relação afetiva entre irmãos e pai (e outros parentes).
Escolhas de roteiro intensas e profundas marcam os episódios da quarta temporada, cheia de mensagens nas entrelinhas, dando destaque à personagem que sempre mereceu atenção: Shiv Roy (Sarah Snook). Mas, além deles, uma pauta tem tomado conta das redes sociais depois que os episódios vão ao ar, todo domingo: o figurino. Quiet luxury e stealth-wealth são alguns termos que viralizaram em vídeos e fotos para tentar explicar ou mesmo mimetizar o guarda-roupa dos personagens em cena. Não à toa o hype dos perfis que tratam especificamente sobre isso, entre eles o @successionfashion, que mostra quais marcas foram usadas na série.
Porém, para a sua surpresa, a figurinista responsável por toda essa atmosfera hipnotizante (e certamente linda) não está ligando muito para o que diz a internet. “Parece ridículo dizer isso, mas eu não tenho nenhum perfil em nenhuma rede social. Então, não sou exposta aos conteúdos de TikTok ou coisa do tipo. Fico no escuro, o que acho bastante útil, porque não vou ficar ofendida e nem deixar a minha cabeça explodir [com tanta informação]“, conta Michelle Matland, em entrevista à CLAUDIA.
“Claro, as pessoas estão expostas a constantes enxurradas de conteúdos, mas nem catálogos eu consigo aceitar mais porque não há necessidade. O importante para mim é o que fazemos dentro do meu departamento, as pessoas com quem eu trabalho – algumas, já há 30 anos, numa conversa bastante simbiótica. Então, o nosso trabalho é estar ali para ajudar a contar essa história, dar suporte para os atores se agarrarem e encontrarem ferramentas de aporte dos personagens, para que possam fazer essa jornada. A roupa é quase secundária, elas são roupas e não fantasias, estão lá porque eu tenho um armário, você tem um armário, o ator tem um armário e, enfim, o personagem também. É assim que nos vestimos de manhã.”
Com humor e muita personalidade, assim como os personagens-episódios-criador-atores, a figurinista conta sobre os seus processos e curiosidades de bastidores na entrevista a seguir:
O que mais se fala é sobre a construção do luxo em Succession. Como você define esse conceito e como trabalhou com ele na série?
Não acho que quando começamos a fazer a série estávamos com a cabeça de que isso se tornaria algum assunto ou alguma tendência. O que nós sabíamos era essa parcela, o 1% da população, que tinha esses acessos, os milionários e bilionários sempre estiveram aí – e eles são incrivelmente diferentes uns dos outros. Olhe os exemplos da série: a família Roy e a família Pierce são antitéticos. Enquanto Nan, em sua casa na Califórnia, recebe as pessoas vestindo uma blusa de algodão, parecendo ter saído de uma manhã de jardinagem, com seus sapatos baixos, os Roy vivem em um mundo corporativo, com trajes de negócios super sofisticados e luxuosos. São dois tipos diferentes de ricos. Um é o que chamamos de old money e, o outro, new money. Fora da série ainda tem outros inúmeros tipos, como os músicos, os jovens do hip-hop que valem milhões…
Mas são muitas camadas nessa riqueza, não sinto que tínhamos percebido isso até agora. Você não pode comprar um apartamento em Nova York por menos de US$ 2 milhões. Isso está fora do alcance de qualquer pessoa normal. Por isso, acho que a maneira como olhamos para as finanças, o luxo, os ativos, as posses mudou muito nos últimos 10 anos. E por algum motivo, isso também tomou conta de programas como Succession e reality shows que exploram essa camada da população.
Qual foi o personagem mais desafiador para criar o figurino?
Você também sabe, porque assiste a série: todos os personagens criados por Jesse Armstrong têm muitos arcos, reviravoltas, estabilidades, caos, uma diversão louca, um passeio no parque, com altos e baixos e complicações… Coisas pelas quais todos nós passamos. E por eu não saber o que está por vir até o roteiro chegar até mim, eu não sei qual é exatamente essa jornada (ou arco). Estamos sempre em uma batalha para conseguir manter as histórias de cada uma dessas pessoas, independente uma das outras. Nunca sei se estou indo pelo caminho certo ou errado até chegarmos lá. Às vezes, preciso de uma tentativa para acertar, e isso é muito delicado, encontrar o equilíbrio entre tentar dar ao ator o que ele precisa, ao criador o que ele imaginou e ao diretor o que ele quer desse personagem para torná-lo verossímil, real.
Na sua visão, qual tem a transformação mais óbvia quando pensamos no seu guarda-roupa?
Todos eles fizeram jornadas incríveis [ao longo das temporadas]. O icônico Greg (risos) veio para Nova York sem nada e comprava seus sapatos em um brechó que, ao caminhar, o fazia tropeçar de repente imita e aspira a ser Tom. Bom e ele, por sua vez, era um garoto de classe média que foi para a universidade qualquer coisa e caiu de paraquedas nesse contexto. Ele aspira ser poderoso, ter verdadeira riqueza e prosperar. Mas, na realidade, ele ainda é o cara que diz “eu gosto de dinheiro, gosto dos meus ternos”. Ele finalmente está se tornando a mão direita de Logan – talvez, ainda não sabemos.
Obviamente, a jornada não acabou. E aí temos Shiv, que se transformou pelo menos quatro vezes, se não me engano, entre conflitos tremendos, dores e sentimentos obscuros. Gerri, que deixou de ser “um dos homens” na sala de reunião para ser muito mais feminina, sexualmente aberta de certa forma. As roupas ficaram muito mais provocantes em relação ao que ela era quando chegou. Já Kendall se transformou cinco vezes: de ternos impecáveis passando por Gucci e Tom Ford até chegar onde ele está agora, com sua jaqueta poderosa à la Tom Cruise. É difícil dizer. Você sabe, tudo vem dos escritores. Não está vindo do departamento de figurino. Estamos aqui apenas para ajudar na narrativa.
O figurino é todo de marcas de luxo ou tem algumas peças sob medida?
Por certas necessidades de tamanhos e/ou especificidades [de tecidos, cores, recortes], mandamos fazer camisas, de vez em quando ternos. Quando precisamos de algo especial, um par de tênis que vai contar uma história ou bonés de times internacionais, trazemos da Europa. Nosso processo envolve muitas pesquisas, mood boards e conversas colaborativas, muita muita conversa. Tentamos ser o mais autêntico possível. E se isso significa que precisamos ter, por exemplo, uma jaqueta aviadora ou encontrar algo como a jaqueta Gucci que Kendall usa na sua festa de aniversário (foto abaixo), vamos atrás delas. Nós misturamos e combinamos. Já vesti a Shiv com camisetas e bodies da Zara, combinados com peças da Celine e peças esportivas de mil dólares. O preço não é o imperativo. A questão é se temos o suficiente para indicar o que é o luxo para essas personagens.
Falando nela, quais foram as principais mudanças que você queria fazer no estilo do Shiv?
Na primeira temporada, você deve se lembrar, Shiv estava distante de sua família, da empresa e da própria organização financeira; queria fazer uma carreira na política como uma mulher democrata em Nova York. Isso é uma coisa muito específica. E o fator riqueza ou amor teve que ser removido completamente. Portanto, suas roupas só poderiam ser compradas em lugares do meio dos Estados Unidos, como a Bloomingdale’s. Não como algo definidor de seu dinheiro, mas para tirá-lo da reta. Na segunda temporada, ela já volta com outro corte de cabelo e outro estilo de maquiagem, e entra no que chamávamos de “época Catherine Hepburn”, com a cintura alta nas calças, os blazers alinhados, os marrons, os xadrezes, as listras… Porque ela queria fazer parte da sala de reunião com seus irmãos e seu pai. Ela queria ser aceita depois que a convenção democrática não funcionou para ela.
Depois disso, ela vive uma coisa de encontrar o seu lado feminino e entender a sua sexualidade. Na última temporada e nessa também, ela estava se sentindo mais poderosa, forte. Fizemos a jornada para onde estamos agora, nesse conflito, mas sem desistir. Ela reconhece que há coisas acontecendo, para além da perda de seu pai – e mesmo antes disso, com a infidelidade de Tom e quando ficou claro que seria Kendall e Roman os reconhecidos como o sucessores. Sinto que ela está naquele momento “a ponto de explodir”, no seu limite. Vamos ver o que vem na sequência, porque poder e influência ela tem de sobra para continuar lutando por alguma posição relevante, inclusive diante de Matsson. A jornada dela, para mim, foi mais intensa que a dos outros, porque fica muito clara essa progressão [ao longo das temporadas].
Sei que você não está nas redes sociais, mas Succession trouxe tendências à tona, não só de moda, mas também de comportamento e lifestyle. É algo que se tornou viral, o quiet luxury, a estética old money. Como você descreveria esse processo de como desfiles, séries e filmes influenciam as tendências e como as pessoas se vestem na vida real?
Eu não sou tão seguidora de tendências quanto gostaria. Obviamente, elas vêm e vão. Sempre captamos coisas que olhamos por aí, principalmente daqueles que são ricos. É inspirador de alguma forma. Eu também acho que isso gira em torno da curiosidade em torno desse estilo de vida particular. Não sei como elas começam e nem exatamente porque. Não sei, você me diz.
Eu acredito na mistura de coisas que têm acontecido por aí, do cansaço das pessoas em relação à um estilo mais ostentação, dessa necessidade de mostrar tudo a todo momento. Então, quanto eles veem os personagens de Succession ou até mesmo o casamento elegante de Sophia Richie, pensam “quero ser assim”…
Sim, com certeza é um lugar aspiracional. Estamos sempre procurando por algo que não temos, o mundo funciona dessa forma. Você pode ser um milionário e quer ser um bilionário. Você pode ser um bilionário e… eu não sei o que vem depois disso (risos). Um trilionário? Você poderia ser Jeff Bezos ou Bill Gates. O que quer que você tenha, você ainda quer mais. O dinheiro fala mais alto.
E as pessoas perceberam como os verdadeiros milionários se vestem, tudo por conta da série. Eles lembram que, por exemplo, Bill Gates e Mark Zuckerberg não se vestem de forma chamativa…
Sim, mas não podemos esquecer que tem uma certa pretensão nisso. Assim como em Matsson. Existe mais de um jeito de ser chamativo, e acredito que esse seja um. Você andar descalço na Noruega com uma camiseta preta e uma jaqueta dourada, você está full of shit (risos). É exatamente isso que acontece em Los Angeles. Por isso Succession é tão incrível, na minha opinião, porque tira sarro de si mesma. É isso que Jesse e o elenco fazem.