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Verdadeira Natureza, por Mariana Ferrão

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Mariana Ferrão é jornalista, palestrante e CEO da Soul.me, empresa especializada em bem-estar, qualidade de vida e desenvolvimento humano. Aqui, marca um encontro quinzenal com as leitoras - e consigo mesma
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Quanto falta de conforto na sua vida?

Além de pensar, tente sentir: o que te traz conforto? Você consegue perceber diferenças de sensações quando se depara com essa pergunta?

Por Mariana Ferrão
Atualizado em 14 set 2023, 11h01 - Publicado em 14 set 2023, 10h58
custo do conforto
Quais os custos de estar em uma vida mais confortável? (Mikhail Nilov/Pexels)
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Tenho certeza de que cada pessoa lerá a frase acima e pensará algo diferente. Então, agora, além de pensar, tente sentir: o que te traz conforto? Você consegue perceber diferenças de sensações quando se depara com as duas perguntas acima? Eu tenho refletido um bocado sobre a palavra conforto e quero trazer aqui alguns dos pensamentos que têm me assolado. 

Há aqueles confortos com os quais muitas(os) de nós já nos acostumamos: o controle remoto da televisão, o interruptor que acende a luz, a água que sai da torneira ou do filtro, o celular que funciona em qualquer lugar, as esteiras e escadas rolantes, os elevadores (alguns não tem mais botão, que dirá ascensorista – quem se lembra?), os carros com vidros elétricos, as agendas compartilhadas entre e-mail e o telefone, o micro-ondas. Será que toda vez que você usa tudo isso você se lembra da palavra conforto?

E tem ainda: os aplicativos de música que montam playlists incríveis automaticamente, as redes de streaming que nos sugerem filmes e séries, os botões para pular anúncios em vídeos da internet, as tags para pagamento de pedágio que evitam filas, as catracas que funcionam por reconhecimento digital ou facial, as empresas de delivery, as compras online que chegam no mesmo dia, as planilhas pré-montadas que organizam o orçamento doméstico, os cartões de visita que viraram QRcodes, o pix, o débito automático em conta, o check-in online para viajar no feriado, as embalagens de congelados, os enlatados, as frutas cortadas e descascadas, a salada lavada e embalada à vácuo, o carro automático, o piloto automático. Por falar em carro, mesmo quando recebemos uma multa hoje em dia, não há mais o desconforto de ser parado pelo guarda, o radar fotografa e sabemos do infortúnio sem termos que brecar nossa vida corrida. 

Isso é ou não é conforto? Para que você pense sobre esta pergunta, quero sugerir que você pense sobre outra questão: quem paga esta conta? Você pode ter o impulso de dizer: só quem tem dinheiro para usufruir de tudo isso. Mas isso é uma grande ilusão.

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Quem tem dinheiro usufrui deste conforto, mas esta conta é rateada entre todxs, absolutamente todxs. Óbvio que não de maneira igual.

Quem tem dinheiro paga pelos serviços, usufrui “do conforto” mas sofre um custo invisível de estar numa vida “mais confortável”.

Como assim, Mari, custo de estar numa vida mais confortável? Para começar, pensa no custo para saúde que esta “vida mais confortável” traz: mais tempo no sofá, mais sedentarismo, mais obesidade, mais doenças crônicas, mais mortes por AVC, infartos, cânceres. Para pegar apenas um dado atualizado: hoje 60% da nossa população, a brasileira, é considerada acima do peso. E tem ainda o impacto mental, com aumento de demências precoces e a dificuldade cotidiana de reconhecer processos e lidar com a espera (quem nunca se irritou com uma internet que não funciona que atire a primeira pedra). 

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E quem paga a conta de ter pessoas mais intolerantes no mundo? Você acha que consegue escapar de rachar esta? Fala sério: quantas pessoas sem paciência tem cruzado o seu caminho ou buzinado para você no trânsito ultimamente?!

Esta conta é nossa.

Sem contar a conta planetária. Coloca aí no nosso débito também. Ninguém escapa. Você já parou para pensar no impacto que cada escolha que você faz no dia a dia “por mais conforto” tem na NOSSA CASA? As embalagens que você joga fora foram feitas em alguma fábrica por aí. Só para dar um exemplo: para cada litro de xampu que já escorreu pelo ralo do box do seu banheiro, muitas indústrias gastaram 40 litros de água num processo chamado de destilação. Além do desperdício hídrico, há um consumo imenso de energia. E olha que nem falamos das embalagens, né? Você sabia que menos de 5% do plástico do Brasil é reciclado? As montanhas de embalagens estão boiando por aí nos nossos oceanos – bem ali, naquela praia que eu sei que você também ama. 

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Onde isso vai parar? (Não é esta frase que muita gente diz quando alguém gasta demais?) Sabe onde? Muitas vezes na nossa barriga. Parte deste plástico vira micropartículas que são ingeridas pelos peixes e depois por muita gente que se alimenta deles. Há estudos recentes que mostram microplástico em órgãos como o coração e até em cordões umbilicais. 

Que mundo “confortável” é este que estamos criando a cada dia? Para ter mais “conforto”, muita gente entrega telas para as crianças ou pior: entrega as crianças para as telas (quem nunca!?).

Você conhece as pesquisas que mostram que crianças que viram mais telas têm menos capacidade de lidar com assuntos complexos, que não conseguem relacionar temas de universos distintos, muito menos ter foco e concentração nos estudos ou profissões quando viram os jovens do mercado de trabalho? O cérebro delas fica preguiçoso. Tudo isso em nome do conforto?

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De novo: qual o custo disso? E dos aplicativos de lição de casa que estimulam a competição entre alunos? Já viu? Funciona assim: normalmente a criança tem que responder questões de múltipla escolha e no final é ranqueada de acordo com o número de acertos e, também, de acordo com a velocidade em que responde. Quanto mais rápido, mais pontos. Sério?!!! Sério.

Aqui entra outra palavrinha, que além do conforto, literalmente movimenta o nosso mundo de hoje: a pressa.

E, por favor, não vamos confundir pressa com rapidez ou agilidade. Pode ser tentador, mas é bem diferente.

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O ditado popular é sábio: quem é inimiga da perfeição é a pressa.

Como um aluno vai criar a consciência de que é preciso atenção para ler enunciados se está preocupado com os milésimos de segundo que precisa “ganhar” para ultrapassar o colega no ranking da lição?

Que tipo de valor isso cria na cabecinha das nossas crianças? Você já tinha parado para pensar?

Talvez não, porque talvez, você também esteja apressada (o) para buscar mais “conforto” na sua vida. (Suspiro. Respiro.)

Mas para gente não terminar assim, quero te levar de novo ao começo da nossa conversa: sente aí, de novo, bem dentro do seu coração, o que te traz conforto?

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