Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Dani Moraes

Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Dani Moraes é escritora, jornalista e especialista em escrita terapêutica
Continua após publicidade

Ruídos, meias e pés descalços

Dormir já não basta. Algo mais precisa ser feito: sonhar acordada?

Por Dani Moraes
2 dez 2022, 11h33
Vista noturna de São Paulo.
Vista noturna de São Paulo. (Matheus Natan/Pexels)
Continua após publicidade

A noite em São Paulo tem um ruído. Talvez seja somente um gerador ou o ar condicionado de um afortunado, que não está suando agora. Um som perene, mais alto do que a cabeça barulhenta que despertou às quatro da manhã. Vejo alguém chegando em casa e trazendo movimento para a rua deserta. Até agora era só solidão, um tanto de lixo espalhado e um homem estirado no chão em frente à minha janela.

Acordada, tento encontrar um silêncio interior que parece não existir. Passou um carro. Uma travesti, calçando meias, atravessa a rua. Ela não consegue ficar indiferente diante daquele corpo inerte no chão. Passa olhando para ele. Para logo adiante, volta com cuidado, olha mais de perto. Ele se mexe. Está vivo. Sentimos alívio. Ela segue caminhando de meias no asfalto, eu sigo descalça sobre o privilégio insone. Ele, no corpo do desalento, está vivo. E me pergunto: o que é viver?

Quando foi que passamos a conviver com pessoas e sacos de lixo deitados na rua? Um incômodo a mais para minha aridez autocentrada da madrugada. Uma realidade que quer me impedir de achar que tenho todos os problemas do mundo, simplesmente porque não tenho grana para pagar o cartão.

Devo, assumo. Entro no cheque especial e passo a lama da autopiedade no débito. Faço um parcelado de esperança, renegocio a fé abalada. Será tolice desejar um amanhã de passaporte carimbado e vento de conhecer? Entre palavras confusas, entre devaneios sem sentido e esse punhado de frases desconexas, há uma mulher que ainda sonha.

Faz pouco, é coisa recém-nascida. O idílio regressou quarenta semanas depois de gozar e sentir medo. Saiu da sombra de vida sem desejo e seguiu em velocidade de taquicardia. Uma intensidade doente que só aumenta o volume da noite.

Continua após a publicidade

Um cachorro latiu alto, distante. Atendo a vontade de digitar de olhos fechados, inventar palavras e mundos. Quem sabe escrever sobre aquela viagem à Toscana que não fiz ou sobre o sorvete a lambuzar os dedos imaginários e os desejos de uma tarde quente de quando não visitei Lisboa?

Minimizar os conflitos não vai dar dignidade a ninguém, porque todos buscam em alguma medida um sentido para também resistir. Não ser apenas uma testemunha viva ou quase viva da destruição da floresta, da violência na cidade. Não ser paraninfa da juventude que não pisa no chão, e que não tem céu.

Dormir já não basta. Algo mais precisa ser feito: sonhar acordada? Desperta pela energia da criação, ocupo a vigília, afasto os demônios que habitam no ruído da noite, entre um latido, um corpo, uma travesti de meias e eu.

Continua após a publicidade

 

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Moda, beleza, autoconhecimento, mais de 11 mil receitas testadas e aprovadas, previsões diárias, semanais e mensais de astrologia!

Receba mensalmente Claudia impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições
digitais e acervos nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.

a partir de 10,99/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.