Como problemas no casamento afetam nossos filhos?
O constelador e terapeuta Bruno Bruhns me explicou que padrões dos antepassados podem interferir nos relacionamentos, mas é possível quebrar esse ciclo
Na última quinzena, conversei com a consteladora Myriam van Oldeneel para fazer um guia prático do que é a constelação familiar, tipo de terapia que busca resolver dilemas de vida (que podem, inclusive, passar de geração em geração), a partir do reestabelecimento da ordem nas relações familiares. Dessa vez, quero propor um aprofundamento na questão da influência da ancestralidade no nosso dia a dia, especialmente em nossos relacionamentos. De que forma carregamos a experiência do casamento dos nossos pais quando vamos nos relacionar com alguém? E, principalmente, como o nosso próprio casamento, feliz ou não, afeta nossos filhos?
Conversei com o terapeuta e constelador Bruno Bruhns para ir a fundo nessa questão. Para ele, quando os pais assumem seus papéis e dilemas de vida, oferecem um porto seguro para que os filhos tenham a liberdade de viver os próprios destinos sem repetir a história dos pais – além de seguir fortalecidos para não se envolverem em relacionamentos disfuncionais. “Quando a mãe está sofrendo, por exemplo, o filho ou a filha pode comprar as dores dela, na tentativa de salvá-la, e se virar contra o pai. Ou vice-versa”, explica. De acordo com ele, uma das consequências que podem ocorrer nesses casos é um distanciamento afetivo daquele que é considerado o “vilão” da relação. “Ao comprar um lado, o filho exclui o outro e se coloca superior ou em linha de igualdade aos genitores. Essa dinâmica vai impedi-lo de assimilar todos os atributos que vêm do pai ou da mãe excluído por ele. Sem receber plenamente o amor de um dos pais, o filho também não terá recursos para construir uma vida sólida com leveza”, diz.
A solução, segundo o especialista, está em não envolver os filhos nas questões conjugais, ao mesmo tempo em que os pais olham para as próprias dores. “Assim, passarão a mensagem de que são capazes de se responsabilizar pelas suas histórias e que, portanto, o filho não precisa salvá-los”, orienta.
De acordo com Bruno, os filhos, mesmo pequenos, respondem à dinâmica familiar de forma inconsciente, já que todos percebemos o que ocorre na família mesmo que não nos seja dito. Desse modo, uma postura frente a esse desequilíbrio pode ser assumir a responsabilidade de tentar consertar problemas de terceiros. “É o que chamamos de amor infantil. Filhos só carregam o peso dos pais se eles se sentem nesse lugar de ‘tapar um buraco’. Os pais podem, por exemplo, mostrar que os herdeiros foram fruto de um amor e de uma união entre as duas famílias”, diz. Nesse sentido, Bruno reforça: garantir um lugar em nosso coração para quem fez parte da nossa vida, mesmo após uma separação, é essencial para que todos os membros mantenham seu lugar na dinâmica da família.
E quando não há divórcio?
Assim como o Bruno, eu também acredito que uma separação pode ocorrer muito antes de um casal assinar os papéis para oficializar o divórcio. Existem, por exemplo, pais que já são praticamente separados, mas se veem na obrigação de continuar sob o mesmo teto pelo bem dos filhos. Porém, de acordo com o especialista, um casamento infeliz pode trazer as mesmas questões de um divórcio, pois os filhos podem sentir que precisam salvar uma das partes.
Bruno explica que, quando uma situação como essa ocorre, a constelação familiar apresenta a imagem de solução – tanto de funções quanto para promover emoções fortalecedoras. “Para que os filhos possam ser só filhos, e não pai ou mãe dos pais ou irmãos, eles precisam enxergar que seus pais dão conta das próprias funções. Eles podem estar tristes ou chateados, mas isso não quer dizer que não dão conta dos respectivos papéis”, diz.
Quando uma situação de conflitos entre os pais é vivida sem o envolvimento dos filhos, os descendentes não precisam escolher lados. “Sem a necessidade de tomar partido, o filho ou filha não precisa negar o outro lado de si. Ou seja, assimila adequadamente o masculino ou o feminino que existe tanto em homens quanto em mulheres”, explica.
Esse é um dos fatores que podem influenciar nas relações afetivas dos filhos futuramente. “Quando a mãe sofre muito com o pai, o menino pode ficar polarizado nela e associar o masculino a homens ruins. Isso não tem nada a ver com a sexualidade, mas com o modo de enxergar a força masculina”, diz. Quando ocorre o oposto, em que o filho fica polarizado no pai, o herdeiro pode negar as características que associa ao feminino, como o contato com as emoções.
Quebra de ciclos
Bruno me explicou que, na psicanálise, Freud e Jung já falavam do inconsciente individual e do inconsciente coletivo – uma espécie de banco de dados com as informações da nossa família. “Essas memórias de tudo que os ancestrais viveram ficam disponíveis para as gerações futuras, que as assimilam de forma inconsciente. Ou seja, situações que, de alguma maneira, não foram resolvidas ou que trouxeram um sentimento de dor, por exemplo, continuam atuando sobre as gerações seguintes como uma força oculta”, pontua o terapeuta. Vale dizer que compartilhar desse inconsciente coletivo familiar não significa repetir o destino dos antepassados.
Quebrar ciclos é sempre possível – mas é uma tarefa mais fácil quando todos os membros da família estão dispostos a atuar em prol dessa mudança. “Quando ganhamos consciência das dinâmicas que conduzem nossas decisões e compreendemos o que pode trazer ordem novamente para nossas vidas, ganhamos o empoderamento para redirecionar nosso destino, semeando a cura e harmonia para toda a família, especialmente os descendentes”, conclui Bruno.
* Algo feito a partir de entrevista com Bruno Maggioli Bruhns (11 99634-3505), constelador e terapeuta com 9 anos de experiência, fundador da Essência Terapias, com reportagem de Helena Rinaldi.