Transei com meu chefe e me senti culpada
Sei que quando a gente, mulheres e pessoas socializadas como mulheres, conversa sobre as nossas culpas, fica um pouquinho mais leve
Recebi, essa semana, uma mensagem de uma seguidora nas redes sociais. Ela pedia ajuda para lidar com a culpa por ter transado com o chefe, que além de chefe, era um cara machista e por quem ela sentia repulsa.
Culpa. Eu mesma não consigo me lembrar de um só dia em que não tenha sentido culpa. Culpa porque dei uma resposta menos elegante do que gostaria, culpa porque não tenho visitado meus avós, culpa porque esqueci de responder a mensagem de uma amiga, culpa porque atrasei um trabalho, porque tenho trabalhado demais, porque tirei férias, porque fiquei doente, porque não fiz o exame que a médica pediu, porque perdi a terapia. Sinto culpa porque não tenho tempo, mas quando tenho, me sinto culpada também.
Quando o assunto é sexo, então, poderia literalmente escrever listas quilométricas das culpas que já senti. Culpa porque não queria transar. Culpa porque queria transar. Culpa porque transei. Culpa porque não transei. Já senti culpa porque transei sem estar com vontade, porque não performei, porque performei, porque fingi orgasmo, porque não tive orgasmo. Me senti culpada por ter feito sexo com um completo desconhecido, mesmo tendo aproveitado. Culpa também por ter deixado de transar com meu parceiro de anos, porque no dia seguinte tinha de acordar cedo. E senti culpa por não gostar de sexo anal. E também por gostar demais de outras práticas. Tive culpa quando gritei de gozo, de dor, de amor, de agonia.
Culpa. Um sentimento que tem gênero e que, mesmo quando se rompe com a binariedade, permanece incrustado. É como o verniz que gruda na pele e não sai mais. A gente esfrega, coloca no óleo, faz esfoliação, mas ele permanece ali. A mão fica vermelha, por vezes ferida, mas o verniz segue impregnado. A culpa é assim. A gente sente, vê, se machuca, trata, mas sempre sobra alguma coisa. E mesmo quando se entende as origens machistas e, também, misóginas das culpas que carregamos, estamos tão imersas e acostumadas com essa dinâmica, que sentimos culpa pela culpa que sentimos.
É mesmo um looping sem fim, daqueles que a gente precisa jogar uma água na cara para ver de cessa. Ou, então, fazer a Rihanna e seguir como se ela não estivesse ali. Mas está e, uma hora ou outra, vai clamar por atenção.
Eu não sei como lidar com a culpa que minha seguidora está sentindo. Mas sei que quando a gente, mulheres e pessoas socializadas como mulheres, conversa sobre as nossas culpas, fica um pouquinho mais leve. Não é mágica, não é sagrado feminino, não é papo de coach. É que quando a gente fala sobre, entende que não está sozinha e isso já é muita coisa.