Gosto de meninas e meninos
Me afirmar hoje como uma mulher bissexual é uma maneira de dizer a mim mesma que eu pertenço a esse mundo
“De qual menino você gosta?”, perguntou minha melhor amiga da escola, quando ainda estava na primeira série. A curiosidade dela me pegou de surpresa. Nunca tinha gostado de menino algum e não sabia, até aquele momento, que deveria gostar. “Nenhum”, respondi. Segundo ela, isso era impossível e eu só poderia estar mentindo.
Aquilo ficou pairando sobre a minha cabeça até que, em uma noite atipicamente silenciosa no bairro em que morava, tive um insight. Eu não gostava de meninos, eu gostava de meninas. “Lésbica”, pensei, “eu sou lésbica”. Não me desesperei. Não me preocupei com o que pensariam, se era certo ou errado. Era uma simples constatação. Mas o que responder quando aquela pergunta voltasse a ser feita? Isso sim me angustiava.
Essa fase de descobertas a respeito dos interesses, ainda tão ingênuos, amorosos é mergulhada também nas construções socioculturais. A pergunta foi repetida tantas e tantas vezes que inventei gostar do Danilo, depois do Giovanni, depois do Rodrigo. Nunca gostei de verdade de nenhum deles, mas dizer que gostava fazia com que os questionamentos e provocações cessassem.
Na adolescência, lá pelos 14 anos, tive meus primeiros interesses genuínos por meninos. Não senti alívio, nem preocupação, nem desespero. Era só mais uma constatação, mas dessa vez uma que me permitia realizar o desejo de me relacionar com o meu interesse afetivo.
Tive meu primeiro namorado. Meu segundo namorado. Muitas ficantes. Mas nunca namorei oficialmente uma mulher. Por mais que eu afirme nesse texto, e para mim mesma, que eram apenas constatações, o que eu fazia com elas estava completamente vinculado ao que descobria, pouco a pouco, que se esperava de mim. Era aceitável ficar com meninas porque era sexy, divertido, descolado. Mas namorar? Não, isso não.
Fui arrastada, sugada, drenada e moldada pela heteronormatividade compulsória. Invisibilizei uma parte de mim. Não. Invisibilizei-me por inteiro para caber em espaços que eu sequer queria caber. Fui irresponsável afetivamente com mulheres incríveis. Reforcei a norma que me oprimia. Reproduzi bifobia, lesbofobia. Silenciei meus desejos.
Me afirmar hoje como uma mulher bissexual é uma maneira de dizer a mim mesma que eu pertenço a esse mundo. É aceitar que eu não sou uma coisa ou outra, que eu sou tudo e posso ser tudo que sou. Eu existo, resisto e não preciso caber em regras que foram inventadas para me apagar. Parafraseando uma das minhas músicas favoritas dessa vida, eu gosto de meninas e meninos, mas tenho certeza que sou daqui e aqui quero estar.