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Psicanalista e pesquisadora de literatura na Universidade de São Paulo, @fabianesecches escreve, dá aulas e traduz livros.
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Em defesa da lentidão

Como viver na contracorrente de um mundo que inventa tantas urgências?

Por Fabiane Secches
Atualizado em 3 abr 2023, 18h14 - Publicado em 6 ago 2022, 08h37

“Não se afobe, não, que nada é pra já. O amor não tem pressa, ele pode esperar”, canta Chico Buarque em Futuros amantes, dos anos 1990, criada antes da internet tomar conta de nossas vidas, transformar nossa percepção do tempo e nossa relação com o mundo à nossa volta.

Se voltarmos um pouco no tempo, mais precisamente para a Revolução Industrial, vamos entender que esse é um processo que começou a ganhar força ainda nos séculos anteriores, atingindo um ritmo vertiginoso no século 21.

O amor que Chico Buarque canta talvez poderíamos também pensar em sentido mais amplo, extrapolando o amor romântico, como a escritora e ativista bell hooks propôs no ótimo livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Nesse sentido, o amor pode até ter sua urgência, mas tem sido apressado demais, desajeitado demais, malfadado de saída. As relações humanas se esgarçaram a ponto de nos tornarmos reativos, defensivos e hostis. Desconfiamos de todas as ações com aparência de boa fé e as interpretamos de acordo com os nossos receios vindos de outras experiências negativas.

As pessoas estão soterradas por uma quantidade de informação difícil de processar e, em grande parte, são informações que são ou deveriam ser chocantes. Por isso, talvez, acabem um pouco dessensibilizadas pelo excesso de exposição ao mal. Uma reação que também pode ser interpretada como uma forma de sobrevivência, pois, do contrário, ficaria difícil caminhar sequer um quarteirão. Parece que estamos num beco sem saída. Precisaríamos despertar desse torpor, mas como ir contra a corrente e ser gentis mesmo estando exaustas, maltratadas pelo mundo? Como não transformar esse processo num ciclo vicioso?

Sobrecarregadas, machucadas, desconfiadas, as pessoas vão se repelindo mutuamente, enquanto sentimos solidão, pesando a falta de companhia na caminhada — o que tornaria, quem sabe, nossa jornada um pouco menos árida. Uma frase, atribuída a Carlos Drummond de Andrade, traz, em sua simplicidade, uma verdade incontestável: “A vida necessita de pausas”. Tudo bem, você poderia me dizer: mas argumente isso com a empresa para a qual eu trabalho, ou com o trânsito nas grandes cidades, ou com a amiga que me mandou um WhatsApp e espera, talvez até mesmo precise, de uma resposta o quanto antes. Não é uma equação simples e você poderia responsabilizar o sistema, o que seria legítimo, e questionar o poder da ação individual, que é mesmo mínimo, já que a lógica hegemônica é a grande responsável por moldar o espírito do tempo e as relações humanas, quer sejam de trabalho, quer sejam de afeto.

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A autonomia que temos é uma pequena nota à margem. Mas, se pararmos para pensar em conjunto — duas coisas que ameaçam o sistema: “pensar” e em “conjunto” —, talvez poderíamos concordar que não é exatamente necessário acompanhar a última febre literária, o último lançamento no cinema ou nas plataformas de streaming, o último podcast ou qualquer outra novidade que cause comoção coletiva e nos dê a impressão de que há uma convocação para tomar parte, sob a pena de deixar de pertencer. Sob a pena de desaparecer.

Quantas urgências são inventadas, ainda que acreditemos nelas mais do que na nossa própria existência. Não sei como é para você, mas eu nunca fui boa com respostas rápidas, desconfio das minhas primeiras ideias e me volto para dentro, buscando assentá-las e costurá-las. Em geral, retorno à superfície com algo que posso chamar mais ou menos de meu — uma opinião, uma posição, uma ideia — apenas depois de percorrer um longo caminho. Então, a proposta de escrever uma coluna mensal, como essa, no lugar de focar em interações instantâneas, foi muito sedutora para mim: eu teria cerca de trinta dias de intervalo. O que é quase uma infinidade perto do imediatismo das redes sociais, de seus confrontos e discussões acaloradas, que tentam nos submergir todos os dias.

Há pouco tempo, li no Twitter um comentário de um professor chamado Jason Hickel, que não conhecia até então, e que dizia mais ou menos assim: “A obsessão do capitalismo com a ideia de ‘inovação’ casa estranhamente bem com a ideia de ‘não há alternativa’. Estamos autorizados a criar novos gadgets, mas não uma nova economia”. Ou, por que não dizer, não estamos autorizados a criar uma nova forma de vida mais humana e inclusiva. Essa ideia me fez lembrar de uma escritora que, na literatura e na vida, usou a criatividade para imaginar outros mundos e outras possibilidades para viver no nosso: Ursula K. Le Guin. Para ela, “nós estamos no mundo, não contra ele”.

Le Guin fez questão de reafirmar: “Eu sou parte disso. Ando pelo chão e o chão anda por mim, eu respiro o ar e o modifico, estou completamente interconectada com o mundo”. Será que se nos recordamos disso com mais frequência, não seríamos talvez tão suscetíveis a tal FOMO (sigla para “Fear of Missing Out”, o tal “medo de ficar de fora”)? Ou, ainda: que tudo bem não fazer parte de tudo, e que até mesmo tudo bem desaparecer de vez em quando, sem temer o esquecimento ou a aniquilação.

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O crítico literário Antonio Candido, um dos maiores pensadores contemporâneos, disse algo que guardo como um mantra: “Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. (…) Eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos”.

Isso me fez pensar numa conversa recente com a escritora Dulce Maria Cardoso, que veio de Portugal para a Bienal de Literatura e com quem estive na ocasião do lançamento de seu último romance, Eliete: a vida normal, a autora disse — publicamente, para todas as pessoas que estavam nos ouvindo na Livraria Gato Sem Rabo, em São Paulo — que não sabia quando publicaria o próximo livro, uma espécie de continuação do mais recente — porque, além da escrita ter sido interrompida pelo adoecimento da mãe, ela também era muito preguiçosa.

As pessoas que estavam lá riram divertidas da afirmação incomum. Mas ela foi além: não digo isso envergonhada, acho que todos nós deveríamos ser mais preguiçosos. Mais tarde, a autora encerrou a conversa dizendo: “Sei bem quais são as minhas prioridades. Meus livros podem passar sem mim. Minha mãe, não“. Se eu a admirava antes, a partir daquele encontro saí mais encantada e pensativa. Num mundo produtivista como o nosso, levantar uma bandeira a favor da lentidão e defender a importância do tempo interno e do tempo dos afetos — ou seja, defender que não somos máquinas, que temos vidas que correm junto e muitas vezes cruzam os nossos trabalhos —, acho que não seria demais dizer que essa é uma forma corajosa de viver contracorrente. Algo que não deveria ser privilégio de poucas pessoas, mas um direito ao qual todas elas deveriam ter acesso.

Esse é um texto de apresentação dessa coluna, que escolhi chamar de Pausa, afinada também com o novo momento editorial da revista CLAUDIA. Aqui, quero trazer algumas reflexões e muitas perguntas sem resposta sobre os dilemas da vida nos dias de hoje. Para isso, vou recorrer aos meus três temas preferidos: cinema, literatura e psicanálise. A partir de filmes, séries, livros, textos e outras tantas associações, gostaria de iniciar algo que fosse mais parecido com um diálogo do que com um monólogo. No seu tempo, sem apressar o passo, convido você a vir comigo.

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