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Um balanço interno necessário

É claro que não é possível dar conta de tudo, mas a sensação que paira sobre nós, mulheres, ao distorcidamente sentir que “falhamos”, é cruel

Por Izabella Borges
30 jun 2023, 14h04
Mulher pensativa
A verdade é que não damos conta de tudo, algo fica no vermelho, em débito. E assim surge mais um desafio diário a enfrentar: a angústia do “falhei” (Sage Friedman/Unsplash)
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Costumo refletir sobre a minha vida e os meus caminhos com bastante frequência, ajustando, realinhando, sentindo e definindo. Mas, o encerramento de um ciclo de tempo, me leva a reflexões mais profundas sobre os temas que se fizeram mais presentes.

Nesses últimos seis meses, pensei muito sobre a exaustão feminina, sobre o “não dou conta de tudo”. Mulher, mãe, advogada, empreendedora, comunicadora. É claro que não é possível dar conta de tudo, mas a sensação que paira sobre nós, mulheres, ao distorcidamente sentir que “falhamos”, é cruel.

As lutas travadas para exercer com alguma liberdade todos os nossos fragmentos de desejos, motivações, aspirações pessoais e profissionais traz uma carga extra.

Isso significa que tudo vem com um esforço a mais porque somos mulheres vivendo em um mundo machista. Ao almejarmos, por exemplo, um cargo de liderança, não lidamos apenas com os desafios profissionais e o desenvolvimento das habilidades necessárias, mas com um sistema que dificulta a nossa ascensão profissional. Para termos crédito e autoridade, estudamos mais, nos dedicamos mais e trabalhamos muito mais.

Mulher exausta
A verdade é que não damos conta de tudo, algo fica no vermelho, em débito. E assim surge mais um desafio diário a enfrentar: a angústia do “falhei” (tatyana_tomsickova/Getty Images)

“Criamos a todo tempo estratégias de sobrevivência em um sistema que privilegia homens em detrimento das mulheres.”

Talvez a gente nem pare para pensar, mas criamos a todo tempo estratégias de sobrevivência em um sistema que privilegia homens em detrimento das mulheres.

Pense comigo, do superficial ao nível mais profundo: no ambiente de trabalho, a depender da profissão, nos vestimos, tantas vezes, para passar credibilidade, segurança e formalismo. A quem? Ao sistema, em última análise.

Gerenciar a casa, as crianças, os afazeres domésticos enquanto buscamos crescer profissionalmente e nos desenvolver enquanto seres mais complexos, leva à completa exaustão mental. Nossa mente vive um fluxo infinito de informações.

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Acontece que poucas de nós conseguem transferir certas atribuições para os nossos companheiros e simplesmente “deixar de pensar”. Pensamos no remédio dos filhos, no lanche da escola, na lista do mercado, no que será servido em casa, no uniforme da escola que está pequeno.

Mas a verdade é que não damos conta de tudo, algo fica no vermelho, em débito. E assim surge mais um desafio diário a enfrentar: a angústia do “falhei”.

A angústia, segundo a psicanálise, é um afeto revelador. Dentre todos os afetos, como o amor, que pretende ver no outro aquilo que transfere de si, a angústia revela a nossa falta de autonomia perante o Outro. Mas quem seria esse Outro?

O Outro, no campo da psicanálise, é definido como a identidade que pensamos ter, os componentes externos que nos forjaram como acreditamos ser, os valores que socialmente nos validam em razão da construção social que sabemos, é fruto do patriarcado.

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Então quem pretendemos ser, em última análise, enquanto mulheres viventes e sobreviventes à cultura machista e misógina?

Além disso, temos consciência a níveis mais profundos do quanto o machismo estrutural forjou a nossa visão sobre nós mesmas?

Esse tem sido meu ponto de partida nesses últimos seis meses.

Temos sido estimuladas a criar uma casca áspera para dar conta de tudo, afinal, seríamos “guerreiras”. Fomos desenvolvendo, por estímulos externos, a necessidade de dar conta de tudo, caso contrário, estaríamos renegadas ao estigma do lugar que distorcidamente nos fora atribuído como exclusivo até pouco tempo atrás: o lar para cuidar e “apenas”. Entendo que muitas mulheres se satisfaçam trabalhando em casa (porque sim, é um trabalho), não é o meu caso e sabemos que de tantas outras.

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Ainda, vale ressaltar que em um país com tamanha desigualdade, muitas mulheres, simplesmente, não tem este poder de escolha. Trabalham porque são mães solo, trabalham porque precisam complementar a renda familiar, trabalham para garantir o sustento da família. Outras, acumulam a jornada com estudos, em busca de um futuro melhor.

Mulheres triste depressão
Deixar de trabalhar foi justamente a causa da minha depressão pós-parto (Thinkstock/Reprodução)

“Dissolver a dualidade é acolher com carinho as nossas vulnerabilidades, como parte de nós.”

No meu caso, deixar de trabalhar foi justamente a causa da minha depressão pós-parto, em 2014, quando decidi que passaria um tempo “apenas” cuidando da minha filha e da casa. A angústia profunda por ter supostamente “falhado” ao me ausentar da minha carreira profissional por um período me levou a uma situação extrema de dor e sofrimento que curei quando voltei ao trabalho, realinhando a angústia por meio da meditação (para acalmar e perceber) e da psicanálise (para ressignificar).

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Percebi que buscar me desenvolver profissional e pessoalmente, como pessoa que pensa de forma complexa e sistêmica (integrando saberes interdisciplinares como a filosofia ancestral e contemporânea, a história, a psicanálise, dentre tantas outras) é a manifestação da minha subversão a um sistema que limita as mulheres há milênios.

Fomos sujeitos da história, mas não tivemos a oportunidade de participar da criação de símbolos, métodos, crenças, filosofia, leis e possibilidades.

Agora, na transição de todo esse cenário, precisamos aprender a cuidar da gente e entender que não falhamos. Estamos cansadas. Exaustas. E não precisamos dar conta de tudo para sermos validadas como competentes. Nós somos, e muito.

Um outro conceito que busco incorporar a todo tempo é a não dualidade do “certo ou errado”, “culpa ou acerto”, “bem ou mal” que é bastante presente na cultura ocidental cristã.

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Dissolver a dualidade é acolher com carinho as nossas vulnerabilidades, como parte de nós. Entender a angústia como sintoma de que algo precisa ser reajustado e está tudo bem. Não somos piores porque não deu certo, não precisamos nos punir pela exaustão consequente de um mundo que não foi pensado ou organizado por nós, mulheres.

Devemos falar e pensar mais sobre isso, criando estratégias de bem-estar para recalcular rotas, enfrentando todos esses desafios com saúde mental, emocional física e espiritual em dia.

E que baita subversão é se posicionar priorizando você, valorizando sua jornada, sendo gentil e empática com todas as mulheres, seus processos e lutas diárias.

Nesse final de ciclo semestral, desejo que você comemore você mesma, por ter chegado até aqui. Desejo também que você elimine as bagagens pesadas das culpas e angústias compreendendo que nenhum valor externo determina quem você é.

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