Por necessidade comecei a ler sobre esse assunto. Como filha única, estou esvaziando o apartamento da minha mãe. Ela hoje mora comigo, mas viveu 60 anos no mesmo imóvel. É duro. Uma espécie de inventário das emoções. À fórceps. Tudo dói e remói. A começar pela não autorização dela que, no início de uma demência, não tem ideia que o seu mundo particular – erguido no silêncio de sua existência – não existe mais.
Não há mais um quadro na parede. Não há mais nenhuma roupa nos armário. Tudo foi vasculhado. Houve uma curra organizacional para que a vida pudesse seguir. Qual o sentido dela morar em 3 quartos em Copacabana enquanto torrou parte de seu saldo como aposentada em consignados e empréstimos? Precisamos de grana. Precisamos diminuir de tamanho e ter uma bagagem mais leve. Logo ela que amava excessos.
Achei três casacos de pele. Moramos no Rio, neste calor senegalês. Pra que isso, diria? Até agora não sei, até porque ela parou de viajar faz anos. Foi para zil lugares e deve ter usado sim essas peles verdadeiras que hoje são crimes ambulantes. Outra época. Outro mundo. Aliás, estamos na era do avatar, do metaverso, do 5G e eu as voltas com uma flanela tirando o pó de um passado. Quando a fuligem sobe e atinge meus olhos eu lacrimejo e tenho uma desculpa para chorar. Desmontar a vida de alguém é para os corajosos.