Mentiras que salvam
Kika Gama Lobo reflete sobre o quão dilacerante pode ser observar (de perto) a finitude da vida
Até semana passada, minha amiga de juventude, acometida de uma doença paralisante, achava que ia se curar. Do nada, aliás, por causa de um baque na imunidade, que a levou 10 quilos a menos em um mês, ela caiu na real: “Vou morrer”. Diante de tamanha crueza, aquela epifania macabra, fiz o que? Menti. Que por mais que a situação fosse difícil ela estava melhorando, que seu emocional a traíra apenas por meses, mas que agora tudo estava mais alicerçado.
Fiz a louca. E vou comentar algo ainda mais infantil. Acho que omiti a verdade para me salvar. Naquele domingo que eu a vi aconteceram tantas coisas. Um engasgo com um amendoim, uma ida bate e volta ao hospital, um começo de noite em uma mansão paradisíaca, daquelas tipo novela do Gilberto Braga.
E eu fitando a situação Almodovariana, sem entender muita coisa, mas levada por uma emoção dilacerante. Vi nossa juventude, nossas idas a Búzios, ela linda com seus muitos fãs, o super apartamento na Atlântica, a vida segura e plena. De grana, de colágeno, de saúde. E, ano após ano, começou a piorar.
Primeiro uma hepatite, depois vários abortos, um enrijecimento dos músculos, a pele áspera, o corpo esquálido. Vi tudo. E o mais impressionante sempre foi a força que emanou durante décadas. Estóica, altiva, indestrutível apesar de tantas chagas. E agora, no fim do ano, ela quebra. Me quebra. Olhar o finito de alguém ainda tão cheio de vida, de uma pessoa com tanto a entregar, a somar, a realizar. É dilacerante. Menti. E vou continuar a mentir. Até o fim.
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