Estou às voltas com mil caixas de mudança. A reforma no apartamento da minha mãe, tipo extreme makeover – começou. Isso sem ela saber de nada e imaginando que ainda conserva o seu apartamento lindamente decorado como outrora. Vou alugá-lo e tentar afastar o fantasma dos boletos. E é um entra e sai de gente. Ganhou visitantes pois fiz um bazar, aliás venho fazendo. Já estou na minha vigésima-quarta edição e vendi quase tudo. Faltam migalhas.
Sábado passado, adentra os salões da Avenida Atlântica, no Leme, uma amiga querida. Não a via fazia tempos. Daquelas lindas, inteiras, maduras. Nem parecia que atravessou tempestades. E dá-lhe água, mas não necessariamente da chuva. Me confessou, enquanto olhava o arsenal de quinquilharias de mammy, que é alcoólatra. Como assim? Nunca soube. Me disse que quem a ensinou a beber foi o seu próprio pai. Aos treze. Achou que estava blindando a filha de problemas futuros, apresentando-lhe logo algo que não devia sorver em grandes goles. Deu ruim.
Bebeu todas na juventude, adentrou a vida adulta encachaçando e agora, rumo aos 60, está fazendo um inventário dos aguardentes. Ela mesma se isola em clínicas de rehab, de tempos em tempos, para afastar os cálices de si. E eu, naquela inocência típica de quem está ali mais para vender a vida da mãe do que para sentar e escutar a sua recuperação, logo pergunto: “você não tem medo de uma recaída?”
E ela lavra a conversa com a frase mais impactante da semana. Sim. “Eu só tenho medo de mim.”
Sou uma compulsiva em tudo. Preciso a cada dia me dosar. No sexo, no trabalho, no pique e, é claro, na bebida. O freio é meu e é muito injusto quando somos o bem e o mal juntos num só corpo. O espírito até quer dar de santinho, mas o corpo entrega. Pede. Mia. Geme. Esmurra se for preciso. E agora que está sóbria há mais de 1 ano – entendendo que a pandemia foi um horror pra ela – quer contar para o mundo esse seu jeito heroína. Quem tem um adicto em casa sabe o esforço que é para ficar limpo. Só por hoje.
Então eu dedico essa coluna a essa mulher maravilhosa, linda, cheia de vida e, melhor ainda, generosa como sempre foi. Comprou um lindo quadro retratando a estrela guia para os Reis Magos. Hoje ela é pura iluminação. Farol na vida de muitos. Sinaleira para as maduras que acham que não têm jeito consertar algo tão doído. Tem sim. Fátima, essa coluna é pra você.