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Feminícidio da juíza pelo ex-marido comove mulheres em todo o Brasil

O Brasil enfrenta hoje uma pandemia dupla. A da COVID-19 e a da violência contra mulheres e meninas, declaradas respectivamente pela OMS e ONU

Por Maria Domitila Prado Manssur
26 dez 2020, 17h40
Ilustração em preto e branco de mulher chorando
 (Getty Images/Getty Images)
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Como Promotora de Justiça, mãe e mulher brasileira, entrego na data de hoje esse espaço para minha irmã, Juíza de Direito, mãe e mulher brasileira.

“Não houve um dia como juíza em que eu não tenha agradecido e renovado meu comprometimento com a sociedade de distribuir a melhor justiça. Repetia, sempre, com orgulho, que sou uma mulher de sonhos realizados. Dois únicos: sou mãe e sou juíza. E na véspera de Natal, recebi a notícia, inicialmente inacreditável, do feminicidio da magistrada Viviane Vieira do Amaral Arronenzi. Morta, na presença das três filhas, pelo ex- marido. Não a conhecia, pessoalmente, mas não posso deixar de imaginar que tínhamos os mesmos sonhos. E suas filhas crescerão sem mãe.

Voltei no tempo, recordando-me da inauguração da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (COMESP), da instalação do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Capital, em 2009 e dos juizados regionais e das unidades judiciárias no interior – varas e anexos; crescia a rede de proteção e enfrentamento à violência contra mulheres e meninas, proporcionalmente à minha esperança. Participei de seminários nacionais e internacionais, presidi audiências, estive em escolas, busquei respostas, sugeri soluções. Compareci em importantes interlocuções com o Poder Legislativo e o Poder Executivo e quando alianças com o terceiro setor e a iniciativa privada foram estabelecidas. Mas a resposta para o machismo estrutural, que conduz o Brasil à vergonhosa quinta colocação no ranking mundial de países mais violadores dos direitos humanos de mulheres e meninas apresentou-se escancarado, no dia 24 de dezembro de 2020, destruindo os sonhos da exemplar magistrada fluminense.

Falo hoje com o meu coração, às pessoas de bem e do bem, que o Brasil enfrenta pandemia dupla: uma decorrente da pandemia causada pela COVID-19 e derivada da violência contra mulheres e meninas, declaradas pela OMS e ONU, respectivamente.

Falo, hoje, com a experiência de uma juíza que tenta contribuir para impedir o maior pesadelo de quem trabalha com a violência de gênero: o feminicídio.

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Falo com a humildade de quem busca respostas para um mal que envergonha nosso país no panorama mundial.

Falo hoje com a autoridade de quem não se cansa de procurar soluções e está sempre atenta às mais variadas sugestões.

Precisamos, de forma emergencial e urgente, erradicar esse mal que assombra mulheres e meninas, indistintamente, em solo nacional. As medidas protetivas de urgência, que, usualmente, classifico como o “coração “ da Lei Maria da Penha precisam ser respeitadas, fiscalizadas e o seu descumprimento, firmemente enfrentado; não é à toa que o seu descumprimento enseja prisão preventiva (art. 313, III, CPP) e permite a responsabilização criminal (art. 24-A, da Lei Maria da Penha).

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Por outro lado, se o feminicídio é delito hediondo, sujeito aos maiores rigores da lei processual penal e de execução penal, muitos delitos que podem antecedê-lo têm preceito secundário que, sequer, admitem a prisão preventiva ou ensejam cumprimento de pena corporal, em caso de condenação, levando à falsa ideia de baixa reprovabilidade da conduta. Cito como exemplos, a lesão corporal, a injúria e a ameaça, constantes nos episódios de violência doméstica e familiar contra a mulher e que, analisados de acordo com as penas, abstratamente cominadas, podem levar à ideia equivocada de condutas praticamente irrelevantes ao Direito Penal. Não são. Revelam a intenção do agressor de investir contra a dignidade da mulher, e, não raras vezes, tais condutas escalam na gravidade, atingindo, mais severamente, a sua incolumidade física e psíquica. As penas previstas aos delitos praticados contra mulheres e meninas, em razão do gênero, devem ser revistas, bem como a execução das penas aplicadas, em caso de procedência da ação penal; o contrário abre espaço para que o machismo, atualmente estrutural, seja perpétuo.

Para encerrar, ou para continuar – sou servidora pública – é indispensável que as mulheres e as meninas vítimas de violência de gênero tenham acesso adequado ao sistema de justiça. E, o sistema de justiça, de seu turno, deve recebê-las, com eficiência e sem preconceitos. Permito-me afirmar, e, desculpando-me pela singeleza, ser essa a síntese do artigo 7º da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra A Mulher ( “Convenção de Belém do Pará”), ratificada pelo Brasil.

Nesses vinte e dois anos como magistrada aprendi a não julgar a mulher vítima de violência; cada uma tem seu tempo, seu momento de enfrentar o característico dilúvio de emoções contrapostas – frustração, medo, vergonha, impotência, amor, esperança -, que qualifica a violência de gênero. Esmero-me em ser alerta. Não consegui, entretanto, entender, até hoje, o porquê de tanta violência. Além desse entendimento, o desafio de fazer com que parem de nos matar revolve meu coração, nesse momento de tristeza, de reflexão e de ação. Preciso dessas respostas para continuar meu caminho como mãe e juíza.

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Por minha colega Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, por Thaila Ferraz, por suas crianças. Por todas as mulheres e meninas brasileiras, inclusive minhas filhas.”

Maria Domitila Prado Manssur é Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo

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