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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.

Viva Madiba!

Na data em que Nelson Mandela completaria 102 anos, a colunista Ju Borges faz um tributo à história do líder sul-africano

Por Juliana Borges
Atualizado em 16 set 2020, 16h33 - Publicado em 18 jul 2020, 20h55
Nelson Mandela
Nelson Mandela (Per-Anders Pettersson/Getty Images)
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São Paulo, 18 de julho de 2020.

Sempre que penso em Nelson Mandela, tenho um certo insight gostoso e infantil. Lembro da voz de minha mãe o chamando de “Madiba” e de como ela o admirava. Lembro de quando Mandela foi libertado, em 11 de fevereiro de 1990, mês de meu aniversário e como sua libertação foi como que um presente para mim em casa. Festa! Também me lembro de todos os sentimentos que tive quando ele ganhou as eleições presidenciais na África do Sul e que minha mãe falou que sonhava com o dia que teríamos um presidente negro no Brasil. 1994 foi O ano. Mandela presidente, Brasil tetracampeão e a chegada de minha irmã do meio. Eu era uma pré-adolescente feliz.

A conexão política com a vida de Mandela foi se desenvolvendo na vida, porque sempre assistíamos filmes sobre sua vida, sobre o apartheid e minha mãe e tias sempre falavam sobre isso. Aliás, cinema em minha casa é como um preparador de diálogos e aprendizados. Até hoje, me lembro da fita de VHS, infelizmente perdida, do filme “Sarafina! O som da liberdade”, que assistimos porque retratava a África do Sul sob o apartheid e a luta de uma professora para ensinar
seus estudantes com senso crítico, em meio às repressões em Soweto e a efervescência dos que lutavam não só pela liberdade de Mandela, mas pela liberdade de toda uma coletividade sendo subalternizada em seu próprio solo. O debate rendeu por horas e ali Mandela não era apenas o rosto aconchegante de minha infância, mas se transformara também em um líder de extrema força.

Provavelmente, hoje, muita gente postará frases de Mandela, comemorando os 102 anos de seu nascimento, como se elas representassem alguma passividade de sua parte. A despeito de Mandela sempre falar do amor e da educação, sua estratégia de luta jamais pode ser considerada passiva, como se pensasse que devemos observar e esperar que as coisas tomem o rumo que desejamos. Mandela é um exemplo de resistência.

O regime de segregação racial na África do Sul se tornou lei em 1948, com a ascensão do Partido Nacional e em um pleito, no mínimo, suspeito já que apenas brancos votaram. As principais questões colocadas era de um sistema de classificação racial, a proibição de casamentos inter-raciais e uma lei que estabelecia que pessoas morariam em determinadas áreas a partir da classificação racial.

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O Congresso Nacional Africano, que já se organizava desde 1912, e no qual Mandela fazia parte desde 1942, promoveu reações imediatas. Em 1949, diversas ações aconteceram como greves, boicotes, desobediência civil. Mandela, já membro da direção do CNA, passou a viajar por todo o país e a organizar os atos de desobediência civil e acabou sendo preso e sendo proibido de participar de reuniões públicas. Mas sua luta e vontade por liberdade era incansável. E, então, ele começou a organizar células clandestinas de luta contra o governo supremacista branco vigente.

Em 1955, Mandela lançou a “Carta da Liberdade” do Congresso Nacional Africano, em que afirmava que a África do Sul era de todos os que nela residiam, negros e brancos, sem que nenhum grupo de sobrepusesse a outro. O governo segregacionista o processou por traição por apoiar a carta! Ele e um grupo de mais de 150 ativistas acabaram absolvidos. Em um protesto em 1961, a polícia matou mais de 60 ativistas, no conhecido “Massacre de Sharpeville” e o CNA foi posto na ilegalidade. Em 1964, Mandela foi condenado à prisão perpétua. Apesar de um tempo em baixa, isso não foi suficiente para apagar a vontade de luta por liberdade dos integrantes do CNA.

Nos anos 1970, o movimento negro por direitos se reacende e um dos organizadores do Movimento da Consciência Negra, Steve Biko, morreu na prisão. Isso fez com que os movimentos se reorganizassem com imensa vitalidade, diante da indignação cada vez maior das pessoas. E foi nesse momento que uma agenda internacional pelo fim do Apartheid foi iniciada. Nos anos 1980, concertos foram organizados e, devido às pressões, muitas empresas e governos passaram a não mais negociar com a África do Sul, então em isolamento comercial. Não houve passividade. Em nenhum momento.

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O que Mandela nos deixa como legado é de que o direito à liberdade é algo que jamais pode ser negociado e que a luta deve ser criativa, com diversificadas estratégias e incessante. Acredito que Madiba viva em cada jovem negro que continua lutando contra a persistente classificação racial que, se não se presentifica como segregação, se mantém nos péssimos serviços públicos ofertados ou inexistentes, na falta de saneamento básico, na falta e negação de direito à moradia digna, nas tentativas de retrocessos no acesso à educação superior, na violência policial exercida em determinados bairros porque seus residentes têm uma cor, que segue sendo utilizada como marcador de hierarquia. Madiba segue vivo porque as diversas maneiras de fazer luta por ele apresentadas significava e explicitava que os modelos de dominação e subalternização são tão diversos quanto e precisamos lançar mão de todos os meios necessários. Madiba segue vivo porque enquanto não conquistarmos liberdade, não descansaremos.

Todas as mulheres podem (e devem) assumir postura antirracista:

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