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Diário De Uma Quarentener

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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Não é hora de afrouxarmos o distanciamento. Se você pode, fique em casa!

O ideal seria eu falar sobre os livros que pretendo ler neste feriado, mas não consigo diante de tantos desafios

Por Juliana Borges
10 abr 2020, 20h31

O rumo do diário de hoje poderia ser totalmente diferente, não fosse a chamada de uma reportagem que me derrubou. A cidade de Nova Iorque começou a usar valas comuns para enterrar vítimas da Covid-19, cujo os corpos não foram identificados por familiares. No local, um campo em Hart Island, uma ilha perto do Bronx, já eram enterradas pessoas tanto que seus corpos não eram reclamados, quanto que seus familiares não pudessem arcar com as despesas de um funeral. Ali, eram enterradas cerca de 25 pessoas por semana. Agora, são cerca de 24 corpos por dia. Esse aumento de demanda de enterros não é uma questão apenas nova-iorquina. Há semanas que diversos cemitérios brasileiros, notadamente em São Paulo, têm apresentado o aumento da demanda: cerca de 30% de aumento, até a semana passada, quando vi a última reportagem sobre isso.

Uma pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada há cerca de 4 dias, apresentou um péssimo cenário no Brasil. Menos de ¼, cerca de 18%, da população exerce o distanciamento social total e quase 1/3, cerca de 28%, não exercem nenhuma medida de distanciamento. O feriado pode ter piorado a situação, já que 24% disseram tomar cuidado, mas seguem saindo de casa para trabalhar ou realizar outras atividades. Eu fiquei pensando em quais seriam essas “outras atividades” tão importantes? Será ir à praia? Dos cerca de 7 milhões de veículos cadastrados na cidade de São Paulo, cerca de 86% haviam deixado de circular na primeira semana da quarentena. Contudo, essa porcentagem foi reduzida a 59% na última semana.

As pessoas estão afrouxando o distanciamento social tão necessário, enquanto tentamos impedir a disseminação do novo coronavírus no momento crucial para enfrentar o pior momento das infecções pela doença. Os leitos de UTI de São Paulo, cidade com maior número de infectados e mortos do país, já estão 65% ocupados e a gente nem enfrentou a primeira onda. Ainda segundo especialistas, a gente já pode estar no início da segunda onda, de propagação do vírus para o interior do país. Em recente estudo divulgado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), já é possível verificar as rotas de propagação do vírus mais intensas em cidades próximas às principais rodovias do estado.

A gente até que estava indo bem. A cidade chegou a marca de 60% de isolamento, que eu esperava que fosse uma curva crescente e não de redução, já que especialistas apontam que o ideal para conter efetivamente a disseminação do vírus é de um isolamento que alcance entre 70% e 80% da cidade. O que passa na cabeça das pessoas que estão achando tranquilo afrouxar o isolamento? O que é preciso para entenderem? Uma decisão péssima dos nossos governantes foi a de minimizar a imagem das covas sendo abertas em um cemitério em São Paulo.

A situação é grave! Vejam Nova Iorque, uma cidade de proporções como São Paulo, reproduzindo imagens de valas comuns tão terríveis, que nós achávamos estar presas em documentários sobre a segunda guerra mundial, que nós assistimos, justamente, para garantir uma memória viva e para que não haja repetições. Se por um lado, a ameaça da segunda guerra foi humana, enfrentamos uma ameaça muito mais difícil de ser combatida neste momento, como apontou a chanceler alemã, Angela Merkel. Então, o que é preciso? Em vez de haver movimento de afrouxamento, deveríamos estar pressionando por uma atuação mais intensa das autoridades para garantir condições para que todos possamos nos manter em quarentena o tempo que for necessário, para que não colapsemos nossa estrutura de saúde.

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Uma das respostas do governador de São Paulo foi a de que o estado pode adotar medidas mais rígidas, como multas e prisões, para quem descumprir as determinações da quarentena, bem como anunciou um monitoramento inteligente. Mas como apoiar prisão em uma situação como essa? Um lugar que favorece a disseminação de doenças infectocontagiosas, em “estado de coisas inconstitucional” – diante das degradantes condições, conforme aponta o próprio Supremo Tribunal Federal. Enquanto deveríamos estar lidando com essa situação para garantir que diminuamos o número de pessoas nas prisões para evitar aglomerações, a resposta é prender pessoas? Quer dizer, se não há infectados no presídio, levamos possíveis infectados para um local fechado? E o monitoramento inteligente está sendo realizado sob quais condições, durará por quanto tempo, já que se trata de uma ação que pode influenciar em nossa já tão frágil e questionada privacidade?

A imagem e a chamada da reportagem sobre a vala comum em Nova Iorque podem parecer algo distante, mas não é. O ideal seria eu falar sobre os livros que pretendo ler neste feriado ou as séries que estou assistindo – ou revendo, já que estou maratonando House of Cards –, mas não consigo diante de tantos desafios que a gente tem que pensar sobre estes tempos. Mil desculpas, espero que amanhã nenhuma manchete me absorva deste modo e consiga dividir com você minhas técnicas meditativas cotidianas.

Acompanhe o “Diário De Uma Quarentener”:

01/04 – A rotina do isolamento de Juliana Borges no “Diário De Uma Quarentener”

02/04 – O manual de sobrevivência de uma quarentener

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03/04 – Permita-se viver “o nada” na quarentena sem culpa

06/04 – O que a gente come tem algo a ver com as pandemias?

07/04 – As periferias e as mobilizações na pandemia

08/04 – Um exemplo de despreparo em uma pandemia

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09/04 – Como perder a noção do tempo sem esquecer a gravidade dos tempos

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