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Juliana Borges é escritora, pisciana, antipunitivista, fã de Beyoncé, Miles Davis, Nina Simone e Rolling Stones. Quer ser antropóloga um dia. É autora do livro “Encarceramento em massa”, da Coleção Feminismos Plurais.
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Cidadã, sim!

"Ao negar-se cidadão, aquelas pessoas estavam negando e anulando a si mesmas enquanto sujeitas de direitos", reflete a colunista

Por Juliana Borges
Atualizado em 16 set 2020, 16h35 - Publicado em 7 jul 2020, 19h53

São Paulo, 07 de julho de 2020

Durante minhas procrastinações, me deparei com um vídeo da abordagem de um fiscal a um casal sem máscara e em um bar no Rio de Janeiro. Até aí, senti minha indignação habitual diante de tanta alienação daquelas pessoas sobre o valor das próprias vidas. Mas algo mais me chamou atenção: a negativa ao serem chamados de “cidadãos”. Daí, a segunda reação foi o riso. Aquilo não parecia ser real. Mas era. E daí, então, eu senti imensa tristeza. Como pode? O que faz alguém dizer que não é cidadã?

Em muitos momentos, principalmente quando pensamos nossas imensas desigualdades, nos miramos nos países nórdicos, os tais países exemplo em estado de bem-estar social. Mas como achamos que eles chegaram àquele ponto? Uma das premissas fundamentais para adotar uma agenda de políticas que enfrentassem desigualdades, principalmente no pós-guerra, foi compreender a dimensão e direito de todos os indivíduos daquelas sociedades à cidadania. 

Simplificadamente, cidadania é um conjunto de práticas que envolvem direitos e deveres sociais, políticos e civis, que são ancorados na Constituição. A palavra vem de “civitas”, do latim, e que quer dizer cidade. Ou seja, ser cidadão indica nossa situação enquanto sujeitos políticos, dotados de direitos em uma sociedade. 

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Se formos nos focar na etimologia, já existe uma série de contradições em se negar cidadão e viver em uma… cidade, e desconsiderar o que envolve viver em sociedade, já que isso envolve um pacto para o convívio. Ao pensarmos na Constituição, daí a questão ganhando camadas. Deixemos de lado a primeira contradição e nos foquemos em uma negativa da cidadania, já que o nosso maior conjunto de regramentos parece ter caído em desuso. Nossa Constituição Cidadã, de 1988 (olha o nome que damos a ela!), tem sido constantemente desrespeitada – e sequer foi algum dia plenamente executada.

Mas o mais assustador, para mim, foi alguém negar um sujeito de direitos para reivindicar existência pela profissão. É certo que nossa ocupação define uma parte do que somos, de como nos sentimos, do que desejamos e construímos ao longo da vida. Eu não falo, por exemplo, “estou escritora”. Eu falo que “sou” escritora porque é uma dimensão da minha existência, já que escrever para mim é como respirar – sigo orgulhosa de mim por ter usado minhas “bics” até o fim nessa quarentena (já se foram 4 and counting…). Mas não é isso que me define. Pensa em quando você está em um flerte e a pessoa te pede para falar sobre você. Agora, imagina o quão pobre seria se você disse que é a sua profissão. Como se aquilo te definisse no todo, como se aquilo valesse algum desrespeito, como se aquilo lhe desse alguma vantagem para além dos direitos que toda e qualquer pessoa tem no mundo. Além de superficial, te achariam vazia. 

Acredito, ainda, que esse definição diz muito das ideias hegemônicas que constituem nossa sociedade. De elites entreguistas, ou “do atraso”, como diz o sociólogo Jessé Souza, temos uma classe média que se constitui de modo complexo e tardiamente na sociedade brasileira, revestida de mandonismo, com uma forte necessidade de marcar distinção porque constituída em uma sociedade com passado escravocrata e com imenso ódio e ressentimento de classe por almejar o que usufruem as elites e não querer ser considerada trabalhadora, já que isso é associado a precariedade no Brasil. Esse desejo de ascensão, de ser elite, cria a classe média do “você sabe com quem está falando?” e que acha que, assim, irão compor o clube – sendo que alguns já se acham nele. Nessa dinâmica, abrem mão até dos direitos mais fundamentais em uma democracia e para o exercício pleno da liberdade. Afinal, só participa do jogo democrático e exerce liberdade, quem é considerado sujeito, quem é cidadão, constituído de cidadania. 

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Ao negar-se cidadão e achar que estavam humilhando o fiscal, aquelas pessoas estavam negando e anulando a si mesmas enquanto sujeitas de direitos. Ou seja, confundiram servidão com liberdade. E ao se auto-humilharem daquele modo e reivindicarem-se pelo ofício, estavam se desumanizando, se posicionando como máquinas, como mera força de trabalho. Ou seja, uma imensa tolice. 

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