#AdiaEnem
O que temos visto nos últimos anos é um ataque sem precedentes a um caminho que parecia sem volta de acesso e democratização da universidade
Quando eu prestei vestibular para a minha primeira graduação, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) não tinha a dimensão que tem hoje para milhões de jovens estudantes brasileiros. Ao que me recordo, se tratava de um exame de avaliação do ensino médio, como diz o nome, e que poderia somar nas notas de alguns vestibulares – isso se você atingisse uma pontuação alta na prova. Não fui tão mal, acho que a redação me salvou (por que será? rs), e o exame me rendeu alguns pontos importantes para me garantir em uma posição até que boa entre os aprovados.
Já na universidade, pude acompanhar as mudanças nas políticas universitárias federais e no exame e perceber como ele ia ganhando cada vez mais importância para não apenas garantir uma vaga no ensino superior público, como também no ensino superior privado. Mas o mais importante não era que se tratava de simples vagas universitárias, mas de um exame que se modificava para impulsionar a construção de sonhos.
Essas mudanças, conforme ganhavam importância, faziam com que a gente percebesse uma gradual diversificação da universidade pública brasileira, aliada à sua expansão e às políticas de cotas adotadas por cada vez mais instituições. Esse impacto pode ser sentido, principalmente na atualidade, com uma ampliação na produção científica crítica e decolonial nas pesquisas desenvolvidas e por vermos mais pobres e negros realizando pesquisas e formulações que caminhavam para um reposicionamento positivo da produção científica nacional.
O que temos visto nos últimos anos é um ataque sem precedentes a um caminho que parecia sem volta de acesso e democratização da universidade. Ainda somos um país com uma presença bem menor da população nas universidades, se compararmos aos nossos vizinhos Argentina e Uruguai – mesmo com uma ampliação, ainda que muitas vezes questionável, do ensino superior privado no país.
Quando falamos em ataque à ciência, devemos pensar para além da ideia de uma pessoa vestindo jaleco branco em um laboratório. A Ciência, pensada de modo global, é muito mais ampla do que as biomédicas, sendo que muitas outras áreas do saber têm método científico e constroem ciência cotidianamente, cada qual com seus objetos de pesquisa.
Por isso que considero um absurdo a manutenção do ENEM em um período absolutamente excepcional – apesar de sabermos que, se não mudarmos nosso modo de vida, as pandemias serão mais constantes do que desejamos. Por se tratar de sonhos, o ENEM, que tem garantido a entrada de milhares de jovens nas universidades, sendo capazes de mudar a realidade histórica de suas famílias, não pode se reduzir em leviandades e negacionismos diante de fatos. Milhares, se não milhões, de jovens brasileiros não tem acesso à computadores, internet estável e contínua ou mesmo em seus endereços. A manutenção do exame, nos moldes que querem, pode ser mais uma ferramenta de exclusão, destruindo uma história que estava sendo construída e mudando de modo estrutural a vida de milhões de famílias. Seria como dar um cavalo de pau e sairmos da rota da democratização, da construção de um país com uma ciência sólida e fortalecida, para um país de menos acesso à educação e voltando aos tempos oligárquicos, em que só as elites podiam ter acesso ao conhecimento e a produzi-lo.
Se falamos tanto que devemos mudar a rota do mundo no pós-pandemia, um desses vários caminhos de mudança passa por defendermos e garantirmos o direito a educação de qualidade, às pessoas serem entendidas como sujeitas de direitos, como formuladoras de saber que, certamente, retornarão em qualidade de vida e bem-estar para toda a sociedade. Pode parecer que isso não tem a ver com você, comigo, mas tem tudo a ver. Porque quanto mais pessoas fazendo ciência, melhores são as condições de um país exercer sua autonomia e autodeterminação. Não podemos silenciar diante disso porque é sobre todos nós. #AdiaEnem
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