Maternar é um movimento contínuo na vida
Amaternar é múltiplo, requer uma disposição interna e uma cosmovisão
Maternar é um movimento contínuo na vida. Fazemos com bebês, com pessoas idosas e com aquelas que, por alguma razão, precisam de nossos cuidados. Demanda tempo, energia e bastante dedicação. No meu caso, eu estendi essa vontade aos seres que foram indo morar na minha/nossa casa. A bagunça do cotidiano, embora para quem olhe de fora pareça o caos – e muitas vezes inegavelmente é mesmo – é algo leve e doce, pois sempre há um afago acontecendo e minha presença é obrigatória. Entre humanos a vida não funciona dessa maneira, mas pode ser igualmente afetuosa se você demonstrar com palavras e ações que os ama. E, principalmente, se você se importa com o que eles estão fazendo e sentindo.
Acontece que existem “amaternares” doloridos demais e sobre os quais evitamos conversar: os “amaternares” de Kronos. Muitas vezes precisamos saber quais deles estamos realmente exercitando, o cuidado que a outra pessoa necessita ou o que queremos oferecer. Veja: podemos amaternar alguém ferido e que está muito debilitado e fazermos tudo que está ao nosso alcance, e estar presente, cuidar, oferecer o melhor de nós e mesmo assim, pode ser pouco para quem está recebendo. Às vezes a única opção quando se ama é ver que o outro não te quer por perto e nem quer ser cuidado. Amaternar, nesse caso, é diferente de deixar partir. Porque deixar partir é insuportável quando se ama.
Você pode amaternar sua mãe ou seu pai. Esse é o amaternar do relógio. Você está negociando com ele: “mais um pouco”; “hoje não”; “mais um exame”; “mais uma operação”; “mais um teste”. Muitas vezes você se vê deitada no chão de um banheiro imundo, com a pessoa desmaiada, ligando para a ambulância, rezando e fechando a porta para que as crianças não vejam o que está acontecendo e usando o que conhece para fazer a pessoa acordar. Você implora mais tempo e barganha “um pouco mais, ela é maravilhosa demais para ir agora; um pouco muito mais, por favor!”. E mesmo assim as Moiras irão, inevitavelmente, romper o laço da Roda da Fortuna, lhe restando a consciência de ter feito todos os acordos possíveis com Kronos.
Eu, que já amaternei com hora marcada algumas vezes, vendo o brilho do corte do fio das Moiras sendo feito, por exemplo, no vermelho do sangue da placenta da minha filha que escorria pelas minhas pernas no hospital, enquanto me pediam um ultrassom errado e perdiam tempo solicitando o correto, sei o quanto são insustentáveis determinadas feridas.
Em outro momento, na UTI veterinária, quando Safira faleceu, médicos tentaram me tirar da sala que eu invadi; a situação era tão crítica que o chefe teve a decência e a humanidade de me deixar despedir dela. Ele sabia e eu também: nós dois vimos o fio se partindo e ele fez o que pôde por dever médico, e eu a amaternei e fiz tudo que pude até o fim, mesmo sabendo que aquela seria a última internação.
Para essa crônica ter um fim, vou me ater a esses dois exemplos. Eu sou uma contadora de histórias e essas personagens vocês já conhecem das crônicas anteriores. (Se não conhecem, corram lá para ler). Existem muitas outras que, em outro momento, posso apresentar para vocês. A questão é: Amaternar é múltiplo, requer uma disposição interna e uma cosmovisão e mesmo você fazendo tudo que está ao seu alcance, haverá momentos de dor e de tristeza. É possível sermos melhores, sempre!
Dias Mulheres virão!
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