Amaternar a vida
Um verbo feminino conjugado pelas mães que promove uma sociedade baseada em afetos e cuidados coletivos
A rotina está cheia de tarefas com a casa, as crianças, a família e o trabalho? E tudo ainda é sua responsabilidade principal? Preciso te dizer que, embora tenham dito que isso é da natureza das mulheres e do comportamento dito feminino, os cuidados da vida foram historicamente divididos em nossa sociedade de maneira política para permitir nosso funcionamento socioeconômico. Em outras palavras, a forma como maternamos hoje é construída.
Atualmente, percebemos os efeitos perniciosos dessa articulação, mas a boa notícia é: tudo o que foi forjado no passado pode ser reconstruído por nós. Isso não significa de maneira alguma negar a biologia, como por exemplo: os hormônios e as questões fisiológicas. Estou falando da parte do maternar que envolve os cuidados morais e culturais das crianças, privatizados no mundo contemporâneo e jogados nos braços das mães, novamente.
Maternar é um verbo solitário e masculino que só as mães conjugam na prática.
Enquanto poeta e historiadora, proponho a criação de um novo conceito verbal: “amaternar”. A “amaternagem” da vida é feminina, coletiva, diversa e acontece quando todas as pessoas da sociedade assumem a responsabilidade pela existência e criação das novas vidas.
Ela só é possível quando discutimos abertamente os problemas vividos pelas mães e as soluções que necessitam ser públicas. Amar é um fluxo de afetos possível em todos os níveis: uma ação e um sentimento de esperança, luta e construção. Ao unir essa ideia com os cuidados constantes que a maternagem promove, teremos uma sociedade baseada em afetos coletivos e cuidados amplos.
Uma comunidade que se pensa para além dos indivíduos de maneira respeitosa e plural. “Amaternar” é chamar todas as pessoas para a arena e, em vez de batalhar, podermos criar um ambiente amplo de segurança e solidariedade.
“Amaternar a vida” é um agir político constante rumo a esse horizonte plural e digno para todas as pessoas. É ensinar as crianças que temos que cuidar igualmente do mundo e de umas/uns as/aos outras/ os com respeito e carinho, independente de nosso círculo social individual. É entender na prática o sentido ancestral de comunidade.
Algumas empresas já descobriram o potencial de terem mães em seus quadros; e em alguns programas de graduação temos pessoas aliadas e empáticas com as demandas das mães, mas isso não pode ficar a cargo de quem está na direção ou coordenação. Essas decisões têm que se concretizar em atos políticos assegurando as mudanças necessárias para um mundo mais “amaternado”.
Como estou falando de mudanças, é necessário ter como ponto de partida a situação de desigualdade em que estamos para, gradativamente, ao agirmos de maneira amorosa e cuidadosa, chegarmos a um lugar-ação em que a equidade de cuidados seja a realidade social. É preciso pensar em políticas públicas e já existem várias ideias. Mas essa é uma conversa para várias outras crônicas.
Há alguns anos, minha flor mais velha chegou depois da escola apavorada dizendo que não queria ser mãe porque tinha medo de ter que fazer tudo sozinha. Eu disse a ela: “Tudo bem, você não precisa fazer nada que não queira. Eu apenas quero te dizer que você nunca estará sozinha. E eu estarei sempre ao seu lado, toda a família e nossas amizades também, exatamente como é aqui em casa”.
Ela suspirou com força e me abraçou. É muito duro pensar que uma criança de tão pouca idade já perceba os males das desigualdades de gênero e seus efeitos na vida das mães. Precisamos “amaternar” a vida com urgência! Que tal?