Há momentos em que é preciso dizer/ouvir o óbvio
"É possível dizer não”. Temos sido honestas com os nossos haveres? Ou solícitas e rápidas com os quereres, os likes, as “parcerias”, e os “só hoje” alheios?
Assisti a uma aula na semana passada cheia de informações. O lápis, coitado, quase não desgrudava do papel. Foi como se as três horas de explanação da professora tivessem passado em 15 minutos, ainda que tenha ficado com a sensação de que ela dividiu conhecimento equivalente a um dia inteiro de curso.
Lindo e revigorante. Para além da sorte de testemunhá-la, para além de todo conteúdo que anotei, todas as indicações de leitura e os esclarecimentos dados, duas coisas simples me voltaram a mente hoje cedo:
- Há momentos em que é preciso dizer/ouvir o óbvio.
- Há momentos em que gosto de presenciar o incontestável.
Simples assim.
A professora a qual me refiro é uma senhora encostando nos seus oitenta anos. Firme, calma, culta, generosa em suas respostas, ela encheu a sala de saber. Impossível ignorar a elegância mantida quando o celular dela tocou e a surpreendeu no meio da aula, o pedido simples de desculpa, os movimentos das mãos já cheias de veias aparentes, o tempo que levou para ouvir pacientemente cada um dos alunos. O tempo. Estar na presença dela foi testemunhar as benesses do tempo. É incontestável que precisamos dele para ler, aprender, moldar, aprimorar, viver o que deve/pode/quer ser lido, aprendido, moldado, aprimorado e vivido. Uma confirmação de que podemos dar certo em cabelos brancos, conjunto de linho cru, sapatos baixos com sola de borracha e caneta dourada. Quero ficar velha assim. Quero crescer assim.
Ao responder os questionamentos feitos por um colega, dedicou sua fala à pressa com que costumamos atender às demandas do mundo. “É possível dizer que não se sabe, que não se quer, que não se pode atentar a esta ou aquela questão agora (ou mesmo para sempre). É possível dizer não”, ela nos lembrou. É óbvio que é possível. No entanto, sinto que temos praticado pouco, que temos sido pouco honestas com os nossos haveres, e talvez, solícitas e rápidas demais com os quereres, os likes, as “parcerias”, os “só hoje” dos outros. Uma lição de casa para lá de urgente, principalmente, para nós, mães. Vamos ficar velhas assim. Vamos crescer assim.