Virou lugar comum essa frase. Mas é tão verdadeira. Na maturidade, quando fazemos o dever de casa mental, a tal faxina do passado, arrastamos os móveis do destino e logo aparece o saldo do que não ficou no lugar. Dou de ombros. Há muita carne espalhada pelo chão. Há um esquartejamento de membros enferrujados. Vejo muita sobra pelo caminho, mas há algum rastro de acerto.
Não. Nada foi em vão. Aliás, não é. Bora parar com essa mania de escrever no passado. Existe um coração pulsante aqui. Pode ser arrítmico. Pode engasgar. Pode dar uma pane, precisar de cateterismo, mas ainda reside do lado esquerdo do meu peito. Flácidos, diria. Mas ainda prontos para uma mão acariciá-los e eu sentir um molhado na calcinha. Se o Deus da menopausa estiver a fim, né. Haverá sim uma lembrança de gozo.
Sim, nunca foi sorte. É árdua a caminhada da mulher madura. Vamos nos despedindo das roupas boas e caminhando com os trapinhos. Vestes surradas pelo tempo, mas cheias de história. Quase um sudário. Eu, neste momento de vida, entre o imaginário e o real, balanço. Pareço um boneco de posto. Mas sigo. Meio solteira porque hoje namoro o ex-marido. Meio enfermeira, porque virei cuidadora da mãe. Meio preceptora, porque ainda ensino a cartilha da vida às minhas filhas. E não fraquejo apesar de toda a moléstia do tempo.
Dou de ares. Quero um livro ao invés de um filho. Uma plantinha de manjericão na varanda ao invés de árvores. Jogo com o que eu tenho. Meus dados não rolam. Parecem cambaleantes em bengalas. Mas me dão um frisson de vida. Dirão os inimigos: foi sorte. Não, plateia. Foi suor. Azedo. Fétido. Amarelo. A batalha fede. O sangue pisado não é caramelo. A lágrima lembra um esperma débil. Mas ainda tenho potência. Ou acho que tenho e é com essa meia dúzia de células vivas que me movo. Se me encontrar toda toda na esquina pode ter certeza que dei um boost de cortisona para me firmar ,mas não deixo assim tão fácil o palco. Ainda vão ter que aguentar. Nunca foi sorte. Sempre foi raça.