Como Bibi Ferreira, Carol Costa volta a dar vida à uma lenda nos palcos
A atriz, que está em cartaz com o musical Clara Nunes - A Tal Guerreira, interpreta um dos maiores ícones do teatro brasileiro
É bastante intimidador citar as mulheres fortes que Carol Costa interpretou nos palcos. A atriz e bailarina navega com talento e precisão uma galeria de figuras femininas icônicas, desde a fictícia Roxie Hart, de Chicago, às muito verdadeiras Hebe Camargo e Patrícia Galvão, a Pagu, para citar apenas três.
Portanto é sem surpresa que venha colhendo os elogios e aplausos por sua Bibi Ferreira, personagem importante no Clara Nunes – A Tal Guerreira, atualmente em cartaz no Teatro Bravo, em São Paulo, para uma curta temporada.
Para quem não é da geração que entende a conexão de Clara com Bibi, vale lembrar que a atriz dirigiu a cantora e passou a ser uma grande amiga dela, uma ligação que ganha destaque no musical. E para Carol, que conheceu Bibi em vida, é ainda mais especial poder render essa homenagem.
Embora os gestuais e a voz possam ser facilmente identificados, como Carol ressalta, a Bibi Ferreira que está em cena não a versão mais conhecida de uma das maiores damas do teatro brasileiro, o que demandou um trabalho mais aprofundado e as informações compartilhadas por Deolinda Vilhena, amiga pessoal de Bibi e Clara, foram essenciais.
Entre uma apresentação e outra, Carol deu uma pausa para conversar exclusivamente com CLAUDIA sobre o espetáculo. Confira:
CLAUDIA: Você tem criado uma carreira de personagens biográficas de Pagu à Bibi Ferreira. Como é se preparar para cada uma delas?
Envolve coragem e risco. Muito muito estudo. Muita pesquisa. Se arriscar. Um trabalho delicado e respeitoso que eu procuro ter com a memória afetiva do público e minha também. Existe uma responsabilidade ao retratar essas figuras.
Uma responsabilidade social e histórica. O olhar precisa ser cuidadoso respeitando a verdade e essência dessas mulheres. Mulheres diferentes, mas com muitas coisas em comum. Pagu e Bibi duas mulheres armadas pelas palavras, que se doaram pra transformar o mundo através da cultura, da arte, da informação.
É uma inspiração e um crescimento mergulhar na vida de figuras relevantes. A arte é muito mágica e servir de ponte, de canal pra levar conhecimento para o público é revolucionário. Pagu e Bibi foram revolucionarias na arte e na vida.
CLAUDIA: Falar que interpretar um ícone como Bibi Ferreira é desafiador é pouco. Como surgiu essa oportunidade e como decidiu abraça-la?
Tive a certeza que eu queria viver Bibi desde o primeiro momento, quando abriram as inscrições para fazer os testes. Eu senti. Eu coloquei na cabeça que eu queria estar nesse projeto. A arte de divulgação do musical já tinha muita força quando eu vi e algo me dizia que era meu caminho.
Eu já carregava o desejo de trabalhar com o diretor Jorge Farjalla e com essa produção maravilhosa que envolve Dani Griesi, Marco Griesi e Felipe Lima. Amo fazer musicais originais brasileiros porque eu penso que nos tira desse formato padrão encaixotado de Broadway. É tão maravilhoso ter a oportunidade de contar a nossa própria história e enaltecer os nossos artistas.
Os desejos se casaram! Eu senti uma força muito grande comigo durante os estudos para os testes, em seguida durante os ensaios e até hoje em todas as apresentações e no carinho do publico. O que é pra ser nosso tem muita força. Isso alinhado a muito estudo. Eu quis muito! Eu prospectei pra estar ali! E ainda tenho uma história com a Bibi pois quando aos 16 anos eu vivi Bibi Ferreira na comissão de frente da escola de samba Unidos do Viradouro, no Rio de Janeiro.
O enredo veio homenageando Bibi em 2003. Bibi veio no carro abre alas e eu vim abrindo a escola representando Bibi menina aos 8 anos de idade descobrindo o teatro de Molière. Na época tive muito destaque por ser uma criança com tamanha responsabilidade à frente de uma escola de samba
Agora com mais bagagem profissional e maturidade veio o desejo de reviver esse desafio no teatro. E sempre que estou em cena eu lembro dessa menina. E agradeço a ela por não ter desistido e agradeço a toda essa produção e direção pela confiança.
CLAUDIA: Há toda uma nova geração que não conhecia Clara Nunes (falecida há 41 anos) e talvez tenham tido menos contato mesmo com Bibi, que faleceu em 2019. Como apresenta-las nesse musical?
Com sensibilidade, respeito e poesia. E com humanidade. É preciso compreender suas almas. Respeitando suas crenças, seu sagrado e suas artes. A música é tão poderosa que a voz de Clara ainda ecoa. Retratar Clara Nunes é falar da nossa história, do povo brasileiro, da nossa cultura, da nossa diversidade religiosa que é fruto dessa miscigenação cultural. E com a presença de Bibi é homenagear o teatro brasileiro e todo seu legado que nos servirá de inspiração pra sempre.
Retratar essas duas figuras num mesmo tablado é de tamanha riqueza cultural. Cantar e contar a história de Clara é resgatar uma realidade que transborda brasilidade e caminha ao lado do legado de Bibi que também lutou pela cultura, pelos espaços, pela voz das mulheres nas artes.
CLAUDIA: Bibi dirigiu Clara em um show marcante na carreira das duas, em 1973. Como foi o encontro dessas duas lendas? Como é mostrado no musical?
Os laços se estreitaram a partir do momento que Bibi Ferreira dirigiu o show Brasileiro, Profissão Esperança e Clara Mestiça. Clara dizia que desde o primeiro instante que começaram a bater papo, ensaiar, foi uma paixão imediata e que se tornou irmã de Bibi, que a amava profundamente.
Bibi por conhecer tudo de palco, tudo de teatro, passava muita segurança pra Clara que admirava esse prazer que Bibi tinha em ensiná-la.
Além da condução do nosso diretor Jorge Farjalla, eu ganhei um presente ao entrar em contato e conversar com Deolinda Vilhena, produtora que esteve nos bastidores das vidas de Clara Nunes e Bibi Ferreira e foi amiga pessoal das duas. Foi uma riqueza e um privilégio ouvir relatos, memórias de alguém que conviveu de perto a magia e o acontecimento que foi esse encontro. Nossos autores André Magalhães e Jorge Farjalla que também é nosso diretor, incluem a figura de Bibi Ferreira como diretora e condutora de Clara Nunes nessa viagem onírica dela de passagem para o mundo espiritual.
Para a surpresa do público, que talvez vá esperando o óbvio, Bibi Ferreira vem como Joana, personagem sucesso de sua carreira do musical gota d’água. Conduz a história e conduz Clara revelando acontecimentos e momentos de sua vida de uma forma não linear, com um tom de humor ácido muito característico de Bibi e isso a torna apaixonante. Bibi tem como função tornar a passagem de Clara mais leve, sem dor e apego. Revivem momentos importantes onde tudo é dança, canto, música e poesia. Ao mesmo tempo que o público revive os sucessos da carreira de Clara Nunes, o espectador também é atravessado por uma diversidade cultural e religiosa que acompanhava Clara. É um mergulho profundo na brasilidade do nosso país, nas raças, nas crenças, na vida e na morte.
CLAUDIA- Como é trabalhar com Vanessa da Mata no papel de Clara Nunes?
Um dos encontros mais leves e deliciosos dessa vida. Estabelecer dentro e fora de cena a relação de amor, carinho, cumplicidade que Bibi tinha com Clara e fazer o mesmo com Vanessa foi a coisa mais fácil do mundo, já que Vanessinha é apaixonante. Tentei ser pra ela o que Bibi era pra Clara. Um olhar amigo, seguro e amoroso.
E ela com toda experiência e sabedoria de anos de estrada e de carreira é uma das artistas mais generosas e iluminadas que conheci. Nossas trocas são divertidas e somos tão fiéis às personagens que ela desperta em mim, à minha criança interior. Assim como Bibi, que levava Claudina (a filhinha imaginaria dela) para Clara Nunes. Somos felizes!
CLAUDIA: Quais as canções mais marcantes para você (nessa obra)?
Clara deixou um legado de sucessos. Todas as músicas tem uma função importante dentro da nossa dramaturgia que costuram muito bem a história.
“O canto das três raças” é um hino de resistência e história. E me atravessa num lugar de reflexão mesmo. É uma força quando a gente canta! Eu acredito de verdade na força espiritual e ancestral que essa canção tem. É um chamado! É a chance que a gente tem de convocar o público também a refletir. Refletir essa violência, essa opressão que é recorrente mesmo com a mudança de cenário.
Eu tenho o privilégio de assistir esse número da plateia. E eu to ali no meio. Entre o público e o elenco. Vendo a magia acontecer. Essa canção tá na boca do povo. Todo mundo ja ouviu em algum lugar, conhece de alguma maneira. Quando eu percebo o público cantando junto e vejo a emoção das pessoas eu penso “é pra isso que a gente tá aqui”, pra fazer esse resgate! Fazer esse musical é uma reza muito bonita. Eu sinto como um ritual mesmo, onde a gente dança, canta, celebra e se cura por algumas horas.
CLAUDIA: O que você leva de Bibi para sua carreira e sua vida?
Que a força de Bibi esteja sempre comigo! Um pensamento de Bibi que eu levo: “minha carreira vai naturalmente, feito uma escada, degrau por degrau. Com muito cuidando para não escorregar”.
O que temos em comum? O amor pela profissão. Estou sempre disposta a levar o melhor que eu tenho para o público, com muito amor, respeito e disciplina. Viver Bibi é poder ser grande todos os dias. Escrevo já emocionada com tamanha benção que está sendo viver esse papel. E sem dúvidas já é um marco na minha carreira. Um grande papel, uma grande personagem! Como ela merece.
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