And Just Like That: Reflexões sobre Carrie e o fim de um ciclo
A terceira temporada de And Just Like That tenta resgatar - mais uma vez - o retorno que até agora tem sido um roteiro sem alma

Em 1986, uma banda sueca chamada Europe fez um enorme sucesso mundial com duas canções: The Final Countdown e Carrie. Sim, já entenderam para onde vou. Pois a letra de “Carrie” é sobre despedida e reflexão, com um tom emocional e melancólico, falando do fim de um relacionamento e da dor de ter que se separar de alguém importante, com o narrador dizendo adeus à “Carrie”. A música captura o lamento e a resignação de alguém que tenta seguir em frente, mas ainda sente a perda de uma maneira muito forte.
O refrão, com o verso “Carrie, Carrie, things they change, my friend”, reflete essa ideia de que a vida muda e, embora o fim de um relacionamento seja doloroso, as coisas eventualmente mudam com o tempo. O narrador diz que não sente mais dor, mas que também não sabe o que o futuro reserva. Há uma aceitação de que a separação é inevitável, mas ao mesmo tempo, a esperança de que talvez os dois possam se encontrar novamente algum dia. Ele não escreveu Carrie para a fictícia Carrie Bradshaw, mas, 39 anos depois, parece que antecipou o que os fãs de Sex and The City pensam desde que ela voltou com o morno e confuso And Just Like That.
Me pergunto se tenho sido excessivamente dura com Carrie e companhia, dada à memória tão carinhosa de quando ela era uma desbravadora da cidade mais interessante do mundo. Suas cabeçadas amorosas ecoavam com as das jovens ou contemporâneas dela, era uma ousadia bem vinda que passados quase 30 anos certamente fica fora do lugar. O mundo mudou e Sex and The City ficou presa em seu tempo. Citando Belchior, “No presente a mente, o corpo é diferente e o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Traduz tão bem o que os fãs sentem, não é?
E tem mais, na mesma canção ele diz “O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo e precisamos todos rejuvenescer”. And Just Like That não é nem jovem nem velho. A expectativa sobre o que seria nessa nova fase não foi alcançada, mas, sendo justa, reflete exatamente as angústias e problemas de mulheres de meia idade. Dá preguiça de recomeçar, tudo já foi visto e vivido antes. O que almejar quando já alcançou tanto?

Não estranho que jovens não se identifiquem e o público “amadurecido” da série original não encontrem escapismo em mulheres de 60 anos tentando navegar na cultura politicamente correta. A necessária inclusão – diante da cobrança da nova agenda cultural – prejudicou o que era essencialmente bom por ser superficial.
Convenhamos que acompanhar mulheres citando marcas de luxo, bebendo de segunda a domingo em restaurantes caros, indo tomar café como se fossem para festa blacktie não é exatamente um estudo social profundo, né? A prova de que não dá certo colocarem mais com o pé no chão – a ponta do dedo, ao menos, porque o glamour segue nas telas – foi a unanimidade de que as duas temporadas que vimos até agora não são boas.
A viuvez de Carrie possibilitaria desbravar o recomeço emocional da personagem, mas ela perdeu a fagulha essencial e é isso que ainda a nova etapa não encontrou. E a volta numa terceira tentativa vital para definir o destino da série encontrou alguns críticos mais receptivos, mesmo que ainda esteja longe do ideal.
Nos primeiros episódios, demos adeus à Che Diaz (Sarah Ramirez), que pagou o preço das inconsistências de Miranda (Cynthia Nixon) e foi apontada como o grande erro, tanto para pessoas não-binárias quanto para a comédia. Não sou das que radicalmente desgostaram da personagem, mas ela está fora. Outra que saiu e que também não acrescentou foi Nya (Karen Pittman), porque a atriz escolheu (e bem) The Morning Show.

Não é randômico que as duas personagens excluídas estivessem no universo de Miranda. A advogada nunca foi a mais popular das amigas, era a cínica e quase ressentida das quatro, mas seu arco em Sex and The City – incluindo os filmes – foi ser vencida pelo amor constante e incondicional de Steve. Sua descoberta como gay criaram um problema gigantesco em sua trajetória.
Primeiro ela tinha considerado embarcar em uma relação homoafetiva, e descartou se dizendo “definitivamente hétero” e segundo foi uma das mais crítica e oponentes à Samantha Jones (Kim Cattrall) quando ela se apaixonou e namorou Maria (Sonia Braga). Não bastasse isso, ela foi deliberadamente cruel e insensível com o marido. Os fãs que sabiam que Steve não tinha feito nada de errado além de envelhecer e tentar amá-la. Mas como Miranda cria o caos para ser a vítima, destruiu o relacionamento e ainda acabou com qualquer chance de Che ser alguém na série.
O protagonismo de Miranda foi um dos problemas de And Just Like That, como alertei antes. Sendo o contra-ponto de Carrie ela funcionava, mas ser líder da história só nos deu algo que ninguém pediu ou gostou. Uma Miranda que fica de roomate de Nya não é nem de perto condizente com uma mulher de 60 e menos ainda com a advogada brilhante que sabíamos que ela era.
No final da série Miranda estava voltando a ser quem era profissionalmente e agora voltou a ser focada na carreira e aberta a novos relacionamentos. Com ela veremos Rosie O’Donnell em uma ponta que já gerou boa parte dos comentários e terá embarcado em um relacionamento com a jornalista da BBC que conheceu no final da segunda temporada.
A romântica Charlotte (Kristin Davis) manteve sua personagem coerente, mas os dramas com suas filhas estão um tom acima para nos forçar a rir. O que achei mais chato foi que sua sombra, a vizinha e amiga Lisa Todd Wexley (Nicole Ari Parker) veio crescendo e agora está com maior proeminência na história. Ela ocupa um espaço que esperávamos ter alguém do quarteto aproveitando, e um que é maior do que a melhor de todas novas crias: Seema Patel (Sarita Choudhury). Infelizmente, somando as duas ainda não soluciona o problema da ausência sentida de Samantha Jones.
O pior mesmo, ao que parece, ainda está com Carrie. Ela prefere insistir em um relacionamento à distância com Aidan, enquanto o filho dele se recupera, mas, sério? Aidan não emplacou nem em Sex and the City, quando foi desenhado como o homem ideal. Obvio que seu jeito hippie de ser não tinha nada a ver com a materialista Carrie, mas cá estamos com ela agora o elegendo para ser o substituto de Mr. Big. Carrie não evolui: ela só quer o homem indisponível que tem que conquistar e dominar.
Então passarei as próximas semanas dissecando cada episódio de And Just Like That, que ainda está muito distante do revival de Sex and the City que poderia ser, mas descartando as cabeçadas iniciais pode encontrar um caminho alternativo.
E, voltando à canção Carrie, fica o recado da letra:
Quando as luzes se apagarem, não vejo razão
Para você chorar, já passamos por isso antes
Em cada momento, em cada estação
Deus sabe que eu tentei
Então, por favor, não peça mais
Você não consegue ver isso nos meus olhos?
Que este pode ser nosso último adeus
Carrie, Carrie
As coisas mudam, minha amiga
Talvez nos encontremos de novo
Em algum lugar, novamente
E agora o meu recado: talvez a série insista em recomeçar, mas para quem a acompanhou desde o início, o fim já aconteceu faz tempo.
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