Luiza Brasil e a ousadia de um apartamento de texturas e estampas
Jornalista, empresária e criadora do Mequetrefismos, Luiza Brasil mostra como a moda e a ancestralidade influenciam o seu lar em São Paulo
Tons de cinza, off-white e um begezinho neutro são comumente associados à ideia de conforto quando falamos de cores-base num projeto. Mas, para Luiza Brasil, aconchego nunca foi sinônimo de monotonia. E a decoração do seu apartamento em São Paulo é prova disso.
Rodeado por paredes mergulhadas num tom vivo de violeta e muita estampa, ele foi pensado exatamente para que a criadora de conteúdo encontrasse um refúgio para aliviar a sua rotina intensa de jornalista e empresária de sucesso.
“O tom veio de uma experiência muito pessoal, num ritual de espiritualidade. Ali, entendi que o violeta seria uma cor de poder, então busquei imprimi-la em tudo o que fosse possível. Como é na casa que a gente se reconecta com nossas energias, quis trazê-la ao máximo”, reflete a fundadora do @mequetrefismos, multiplataforma que incentiva pessoas e negócios voltados ao protagonismo negro desde 2015.
Nascida no Rio de Janeiro, Luiza mudou-se pela primeira vez para São Paulo em 2012, quando viveu sob o teto de um pequeno estúdio onde fez acontecer vários de seus sonhos profissionais. “Quando voltei para o Rio, em 2016, pude me reconectar com a natureza, algo que tanto desejava”, conta.
Mas uma segunda proposta de trabalho na capital paulista chegou, em 2019. “Era um momento que estava mais confortável. Estabeleci que, para voltar, seria inegociável morar num local onde eu conseguisse apreciar o sol e tivesse uma churrasqueira, além de um chuveirão e uma sala com boa luz”, diz com bom humor. Ao visitar o apartamento de um casal de amigos que estava de mudança, ela viveu um caso de amor à primeira vista. “Era tudo o que precisava. Tinha luz do sol ao longo do dia e uma sacada para descansar, com vista para a cidade.”
Foi nesse espaço que a jornalista e pesquisadora de moda e cultura formulou os textos de sua mais recente conquista profissional: o lançamento do livro Caixa Preta (Globo Livros, R$ 49,90), obra que aborda “negritude, pertencimento, feminino, autoestima, relacionamentos y otras cositas más”, como define em suas páginas.
“Ele foi pensado em cinco pilares: o ser prete, o ser mulher, o ser afeto, o ser digital e o ser real. Trouxe minhas vivências para esses temas que são extremamente relevantes para a sociedade hoje. O objetivo era criar um marcador de tempo para uma geração, principalmente de mulheres millennials”, detalha.
A obra é formada por uma seleção de textos íntimos e potentes, como uma conversa com uma amiga, num formato a ser saboreado sem amarras. Isto é, livre de uma ordem exata. “Não quis propor uma narrativa com início, meio e fim, e sim a possibilidade do leitor pegar um tema com o qual se identificasse e lesse de maneira descompromissada. Acredito que isso funcione bem para essa era do imediatismo.”
ARTE E ESSÊNCIA
Os anos de experiência na moda refinaram ainda mais o olhar de Luiza Brasil para a estética em diversos âmbitos. Em suas moradias, sempre foi natural trazer pinceladas de referências de passarelas, tendências urbanas, upcycling e muito garimpo. Além das dezenas de livros que preenchem as prateleiras de sua sala de estar, outra paixão da comunicadora são as obras de arte, principalmente aquelas que representam um resgate da sua essência.
Em destaque no ambiente, acima do sofá, um quadro de Rubem Valentim. Intitulada Emblema VIII, a obra de 1989 foi recentemente arrematada por ela após anos desejando uma peça do artista. O quadro (na foto acima) mostra traços característicos do pintor, escultor e gravurista baiano que é referência no construtivismo nacional, reconhecido pela linguagem afro-brasileira.
“Quis construir uma casa do jeito que achava que merecia, que tivesse códigos importantes, como garimpos e identidade brasileira, e contasse um pouco da minha relação com a ancestralidade”
Luiza Brasil
Apesar do apreço por assuntos que englobam arquitetura e seus movimentos, Luiza sempre almejou encontrar alguém que traduzisse com maestria suas vontades em algo concreto para os cômodos da casa. O talento da cenógrafa Gigi Barreto, do projeto @casavidacenario, conquistou a sua confiança e, assim, surgiu o plano de reformular o apartamento de 100 metros quadrados, localizado na região de Cerqueira César.
“Eu entendo muito bem essa construção estética nos looks, no meu lugar de moda, mas acho que na casa, por mais que eu tenha um senso do que é belo para mim, tenho dificuldade por se tratar de outro processo. Derrubamos uma parede, por exemplo, eu jamais conseguiria enxergar essa possibilidade sem a ajuda de um profissional. Esse olhar mais profundo da Gigi me direcionou para chegarmos perto do que eu idealizava.”
O maior desafio, segundo a moradora, foi alcançar a cor da parede. “Como colocar um tom de violeta sem deixar o espaço escuro e cansativo para o olhar?”, se indagaram durante a reforma. Foram necessários quase dez tons de teste até chegar na cor ideal, um violeta acinzentado que recebe o nome de Janela Indiscreta.
Para contrastar com as paredes, o chão foi revestido com cimento queimado perolado, na intenção de clarear o espaço. Também em oposição ao tom de roxo, uma das paredes tem revestimento de cortiça bege, que permite interação (é possível pendurar objetos e lembretes) e dá um tom terroso para a sala.
“Acredito na casa enquanto templo e lugar de acolhimento, e não como um estúdio para ficar postando foto em rede social”
Luiza Brasil
Outro desafio foi distribuir todas as suas obras de arte favoritas pela casa. “Queria um espaço onde eu pudesse destacar esses talentos pretos, desde um Rubem Valentim até nomes mais novos. Mas o que eu queria mesmo é que fosse bonito intuitivamente, sem a intenção de ser instagramável. Eu queria um espaço para mim e para quem eu recebo”, afirma.
Ao observar a área comum pronta, incluindo o tom violeta de suas visões mais íntimas impresso nas paredes, o sentimento foi de preenchimento. “Ele foi entregue no momento mais turbulento da minha vida, quando fraturei um tornozelo, passei por uma cirurgia, fiquei dias sem andar, terminei um relacionamento, peguei Covid-19… Voltar para o meu lar, ter essa sensação de casa nova e com essa cor que me traz conforto… Me deu uma paz imensa.”
Observando o lar e a leveza de Luiza Brasil, só é possível concluir que viver com ousadia é, realmente, uma dádiva.
Texto Marina Marques | Fotos Mayra Azzi
Beleza Carlaxane | Styling Paula Jacob