Com olhar afiado o jornalista Leonel Kaz subverte o conceito de arte.
O jornalista e curador carioca Leonel Kaz transforma a tradicional ordem do mercado de arte e enxerga em prosaicos objetos a mais pura criação artística.
“O Centro do Rio é um jardim de delícias visuais. Adoro andar pela Saara, que é a região que concentra o comércio popular. Ali, na rua Buenos Aires, encontra-se o Palácio das Ferramentas. Sempre fiquei fascinado pelos seus mostruários de arruelas, parafusos, porcas. E pelo imenso mostruário de chaves para navios que adornava, ao alto, a entrada da loja. Propus a compra; deu certo. Quem chega a minha casa pergunta logo: ‘É do Cildo [Meireles]?’ A princípio, respondo que sim. O convívio entre díspares formas de arte é mais rico do que a monotonia daqueles que colecionam linhas e traços construtivistas apenas, por exemplo. O Palácio das Ferramentas ou quaisquer ruas são verdadeiras escolas do olhar. Nós as usamos pouco. Em quatro quadras de calçadas da praia de Ipanema ‘colecionei’ 78 bueiros de épocas distintas do século 20: o da Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, o da Light and Power, o da Société Anonyme du Gaz… Cada qual traduzindo uma estética de seu período histórico. Outro dia, em plena calçada de Fortaleza, me deparei com lindos mostruários de sutiãs coloridos, uns superpostos aos outros, ao ar livre, aguardando os pares de seios. Usamos pouco nossas possibilidades de estar no mundo. A cidade e suas lojas e ruas são lugares para entrar de corpo inteiro, tridimensionalmente, com todos os sentidos despertos. Cada obra de arte (e este elenco de chaves é uma delas) nos convida a olhá-la, a partilhar dela, a se entregar a ela.”
Veja também a inusitada exposição que reune 150 obras seminais da coleção de Sylvio Perilstein, do curador Leonel Kaz: https://casa.abril.com.br/materia/150-obras-seminais-da-colecao-de-sylvio-perlstein-chegam-a-sao-paulo