Casa avant-garde em São Paulo
A consagrada artista plástica Regina Silveira revela o seu rico universo particular
Uma preciosa coleção de arte contemporânea brasileira domina a cena na casa da artista, em São Paulo. Valiosa não apenas pelo conjunto grifado mas também pelo valor emocional das obras, resultado da ligação de Regina Silveira com os criadores de cada uma delas.
Esse tesouro divide espaço na sala de estar com um acervo literário igualmente notável, sobretudo de arte e de arquitetura. Poucos trabalhos da moradora ganharam as paredes. Simples! “Não gosto de olhar para dentro”, explica. “Prefiro mirar os outros, o mundo.”
Crítica e antenada, montou sua coleção com fotos, pinturas e objetos de artistas jovens ou já conceituados com os quais teve algum tipo de conexão, o que explica a riqueza estética do mix. Entre os quadros, um de Julio Plaza, com quem foi casada.
Cool ao máximo, o décor garante conforto no fim do dia, quando a moradora volta para ver as notícias na TV, afofar a gata Lucy ou receber os amigos – o que adora fazer. Sempre num ritmo acelerado, ela não tem tempo nem espaço para frivolidades. Na vida, na casa, no ateliê.
Com uma agenda disputada pelos principais museus do planeta, a artista não para. Este ano, participará de várias mostras no Brasil e no exterior. Em maio, terá um andar inteiro do Kunstmuseum Stuttgart, na Alemanha, para apresentar uma retrospectiva de sua trajetória, da produção analógica à digital, como parte da coletiva Mixed Realities.
Em agosto, fará uma individual no Mube, em São Paulo. Antes disso, porém, embarcará para os Estados Unidos para visitar o Seattle Art Museum, instituição para a qual irá desenvolver um trabalho em 2019. No meio da correria, será clicada para um livro que o MoMA, de Nova York, está preparando sobre artistas mulheres da América Latina.
Para dar conta desse turbilhão criativo, Regina mantém uma rotina sagrada: às 7h30 já está de pé e, depois de tomar o café da manhã e ler atentamente o jornal, cruza o corredor que isola a porta da sala de estar do estúdio. São apenas alguns passos, contudo, essenciais para separar o trabalho da vida privada. “Ter o ateliê ao lado é estratégico para não limitar minha criatividade”, afirma. “A inspiração chega num flash e preciso desenhar a ideia para não deixá-la escapar.”
Ali, cercada por vários assistentes (alguns fixos, outros flutuantes), ou só, no silêncio, ela dá asas à imaginação… pintando, bolando vídeos, instalações ou desenvolvendo gravuras. “Os meios servem às minhas ideias, e não o contrário”, afirma ela. “Gosto de explorar questões poéticas, e minha poética tem um fundo conceitual forte desde os anos 1970.”
Curiosa por natureza, está sempre atenta a tudo (da política à literatura, da arte à gastronomia). A gastronomia, aliás, surgiu em duas importantes criações de Regina: sua mais célebre obra, o Biscoito Arte, de 1976, levado no ano passado para a exposição Radical Women, no Hammer Museum, em Los Angeles, e num gigantesco painel do Sesc 24 de Maio, desenvolvido com base num vídeo feito com o chef
Tsyuoshi Murakami para o MAM-SP.
Empoderada desde o tempo em que esse termo ainda não existia, a artista foca atualmente seu olhar fresh em temas ligados a marcas e rastros com visual gráfico a fim de falar sobre ocupações e invasões: assim, insetos, pegadas de animais e trilhas de carros constroem narrativas poderosas. Anos atrás, na mostra Jardim do Poder, envelopou o CCBB de Brasília com insetos daninhos, numa crítica severa a políticos corruptos.
A inspiração para as séries com essas pragas, apresentadas no Brasil e no exterior, veio de uma figura de um desses bichos vista pela artista na Biblioteca Pública de Nova York. Sim, não há limites para a mente criativa de Regina Silveira, sempre visionária.