Feito à mão: como as atividades manuais beneficiam a saúde mental
Crochê, tricô, macramê e outros exercícios estimulam o cérebro, melhoram o foco e ainda promovem a socialização
Apreciado no mundo todo, o artesanato brasileiro é tradição cultural e um ofício que atravessa gerações, geralmente ensinado de pais para filhos. Na decoração de interiores, incluir peças feitas à mão é uma forma de levar personalidade e história para o lar. Não à toa, muitos dos vídeos de Do It Yourself disponíveis nas redes sociais ensinam como produzir uma peça para sua casa.
Sob a ótica amadora, nasce não apenas a poesia de decorar com criações próprias, mas também uma forma de terapia na ponta dos dedos, já que as atividades manuais agem no cérebro estimulando caminhos neuronais relacionados à atenção, memória, organização, planejamento e humor.
Segundo explica Nina Ferreira, médica psiquiatra, especialista em terapia do esquema, neurociências e neuropsicologia, elas são como um exercício físico para o cérebro. “Também levam à melhora da ação de neurotransmissores, como serotonina e dopamina, gerando sensação de felicidade e bem-estar. Ou seja, podem ter um papel de melhorar a química cerebral e a saúde mental e ser um auxílio na prevenção de quadros de depressão e de ansiedade patológica”, continua a especialista.
Os benefícios listados pela médica são vivenciados pela professora aposentada Christina Ferreira, que aos 80 anos faz aulas de macramê.
“As artes manuais trazem muitos benefícios para a saúde e para o bem-estar, como socialização, aprimoramento da coordenação motora, desenvolvimento da lateralidade, e contribui para o desenvolvimento da atenção. Para mim é uma terapia ocupacional”, conta Christina, que usa o hobby para ajudar quem precisa e já fez mais de 800 casaquinhos de tricô para vestir crianças em situação de vulnerabilidade.
“Ao lado disso tudo, eu queria também um lugar alegre, de pessoas felizes, que gostam da vida, fazer novas amizades, conversar”
Christina Ferreira, faz aulas de macramê
Christina faz aulas na Novelaria, um knit café em São Paulo, que combina loja de lãs, fios, agulhas e acessórios para diversos tipos de manualidades e aulas de tricô, crochê, bordado, macramê e corte e costura. O espaço foi fundado por Aida Fonseca em 2011 e, desde então, tornou-se um ponto turístico na capital paulista.
“Recebemos caravanas vindas do interior com visitantes que passam o dia todo aqui na loja”, revela. Por lá, 95% do catálogo de produtos é importado, desde agulhas japonesas até fios de vários cantos do mundo, como Peru, Uruguai, Portugal e Itália.
E em meio a tanta variedade, a administradora de empresas aposentada Cecília Rodrigues frequenta suas aulas de tricô há 11 anos. “Para mim, é um relaxamento. Eu faço tricô e crochê assistindo TV, conversando com minhas amigas. Eu me divirto tricotando, ocupo minhas mãos. Faz muito bem para a mente. É como se fosse uma terapia mesmo”, conta.
Foco no presente e outros benefícios para a saúde mental
A médica psiquiatra Nina Ferreira corrobora com a experiência da administradora: “ao se concentrar para realizar atividades manuais como tricô e crochê, o cérebro entra em um estado de fluxo de ação, em que mantém uma atenção plena, em uma espécie de meditação. Esse treino é útil para diversas outras situações que a pessoa venha a viver – como praticar atividades do trabalho, estudos, conversas com outras pessoas – facilitando que haja mais foco no momento presente e nos detalhes importantes e mais domínio dos próprios pensamentos, sentimentos e comportamentos”.
A relação é de ganha-ganha: se por um lado ter peças feitas à mão transforma a decoração ou o guarda-roupa, com o afeto embutido no desenvolvimento do item, o gesto de fazer manual melhora o humor, reduzindo sentimentos como melancolia, tristeza, ansiedade e angústia.
“Enquanto faço crochê assistindo TV ou conversando com alguém, estou produzindo algo com minhas próprias mãos e, ao mesmo tempo, tendo um momento de relaxamento”
Cecília Rodrigues, faz aulas de tricô
A psiquiatra também aponta a melhora da capacidade de atenção e de viver o momento presente; o aumento da autoestima e da autoconfiança (através da sensação de dever cumprido ao finalizar uma meta ou um projeto pessoal); e a capacidade de conexão social (pelas trocas que acontecem ao fazer os trabalhos em grupo ou ao interagir para aprender sobre o tema).
“Tudo isso exercita o cérebro, não só reduzindo riscos de adoecimento (depressão, insônia, transtornos de ansiedade), como também melhorando a potência neurológica e mental e a regulação de emoções e de comportamentos”, explica a especialista.
Vale ressaltar que as atividades são consideradas um tratamento complementar ao acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico de quadros como depressão, transtornos de ansiedade, transtorno de humor bipolar e outros.
“É essencial passar por uma avaliação com um psiquiatra ou um psicólogo para ter um exame psíquico específico e, assim, poder traçar um plano de tratamento individualizado, que contenha as indicações corretas para aquele caso em especial”, finaliza a médica.