Artesanato sustentável gera renda para mulheres refugiadas
No Brasil e na África, projetos trazem autonomia para famílias que precisam recomeçar a vida
Imagine passar por uma imigração forçada, ter que mudar de país e deixar para trás a vida que tinha até o momento e, muitas vezes, a família e a própria cultura. No final do primeiro semestre de 2022, o número de refugiados em todo o mundo alcançou a marca inédita de mais 100 milhões de pessoas forçadas a abandonar seus países por conta de guerras, conflitos, perseguições e violência. Os dados são da principal agência internacional que trata do assunto, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, o ACNUR.
Mas, apesar de todo o trauma e vulnerabilidade decorrente dessa situação, alguns grupos de mulheres têm conseguido manter suas tradições e heranças culturais por meio de uma rica produção artesanal.
Ações espalhadas pelo continente africano têm se tornado uma referência em diversas partes do mundo, inclusive sendo replicadas com populações que buscam refúgio no Brasil. Um dos projetos que se destaca é o Indego Africa. Em Ruanda, com refugiados do Congo e Burundi, a ação desenvolve programas de produção artesanal e educação para mulheres. Desde 2007, a instituição incentiva a sustentabilidade financeira e social de mulheres que empreendem no continente por meio do artesanato, proporcionando às artesãs acesso ao mercado global, com parcerias e venda em lojas de vários países como Estados Unidos, Europa e Brasil.
“Quando eu conheci o trabalho da Indego Africa, fiquei encantada primeiro pela missão do projeto e também pela beleza e fino acabamento dos cestos feitos com a fibra de sisal. Eu me identifiquei porque sempre buscamos projetos de artesanato que tenham impacto positivo e promovam a educação e empoderamento de mulheres ao redor do mundo. Ao apoiar projetos que trabalham com refugiados ajudamos a preservar o artesanato cultural, além de possibilitar a sustentabilidade financeira de suas famílias e comunidades”, revela Mariana Oliveira, diretora da Etnias Mundi, e-commerce de artesanato que vende no Brasil peças produzidas pela associação.
Desde 2007, a Indego Africa já realizou treinamentos com mais de dois mil artesãos refugiados em Gana e Ruanda. “Essas mulheres aprendem a aprimorar suas técnicas tradicionais e passam a enxergar novas possibilidades na criação de produtos, além de aprenderem questões administrativas que lhes dão independência na hora de negociar com compradores como nós da Etnias”, diz.
Segundo Mariana, é impossível dissociar o artesanato do empoderamento feminino. Em suas viagens como curadora, as mulheres estavam à frente dos negócios e da produção em 80% das vezes. “Uma delas me disse em certo momento que os homens, quando aprendem uma nova função, tratam logo de ir embora para tentar ganhar mais e ter uma vida melhor. Já as mulheres, quando aprendem e passam a ganhar mais, ficam para ajudar a desenvolver aquela comunidade na qual estão inseridas”, afirma.
Iniciativa brasileira
No Brasil, embora existam vários projetos com artesãos brasileiros realizados por instituições governamentais ou independentes, até 2019 os refugiados não tinham um projeto específico de artesanato. Uma parceria entre o Museu A CASA do Objeto Brasileiro, o ACNUR e o Banco Interamericano de Desenvolvimento deu início ao Projeto de Estruturação da Cadeia de Valor do Artesanato Warao, com a etnia indígena venezuelana.
Devido aos problemas econômicos e políticos na Venezuela, quase 7 mil indígenas Warao atravessaram a fronteira rumo ao Brasil, principalmente para os estados de Roraima, Amazonas e Pará. O projeto visa transformar o artesanato com a fibra de buriti numa fonte sustentável de renda para cerca de 170 artesãs nas cidades de Boa Vista e Pacaraima, em Roraima, Belém, no Pará, e Manaus, no Amazonas.
Segundo Fernando Paiva, coordenador do projeto com os grupos de artesãs Warao, a atividade artesanal com a palha de buriti é majoritariamente feminina. “Estão sendo desenvolvidas diversas ações coordenadas com os parceiros do projeto com o objetivo de emancipá-las por meio de uma tradição que é milenar e familiar a todas elas”, afirma.
O projeto deve seguir até dezembro de 2023 e conta com treinamentos sobre questões logísticas, de produção, comercialização, criação e adequação de produtos ao mercado brasileiro. “A ideia é apoiá-las com a geração de renda por meio da comercialização do artesanato, facilitando o acesso delas à matéria-prima e materiais de ofício, assim como capacitá-las para um modelo de negócio que se adeque às suas necessidades, de modo que sejam autossuficientes o quanto antes. Este projeto tem cumprido um papel fundamental para integrá-las socioeconomicamente nesta nova realidade no Brasil”, finaliza.