“Acredite no seu axé”: Isa Silva abre as portas de seu lar em SP
Se as criações de Isa Silva na moda são energizantes, sua casa não poderia ser diferente; ela mostra o interior de seu templo de fé e tranquilidade
“Acredite no seu axé”. Basta ler a frase para instantaneamente lembrar-se de Isa Silva, estilista baiana que materializou sua filosofia de vida em peças e estampas da Isaac Silva, sua marca de roupas democráticas e sem gênero. Mas nem sempre foi assim.
Quando jovem, falava seu mantra baixinho, para si mesma. Tinha vergonha e medo do preconceito que poderia sofrer se proferisse as palavras em voz alta.
“Costumava escrevê-la, mas às vezes viam e me falavam que eu era macumbeira, de maneira depreciativa. Quando decidi trazer para o slogan da marca, foi para combater o preconceito com religiões afro-brasileiras, mostrando que é algo tão Brasil, tão nosso…”
Nascida em Barreiras, cidade baiana localizada a cerca de 860 quilômetros de Salvador, foi observando uma vizinha que a paixão pela costura cresceu dentro de si.
“Morena era tão íntima da família que, quando nasci, foi a primeira a me dar banho”, relata Isa, que cresceu frequentando seu ateliê. Ela se encantava pelo fato de o retalho entrar na máquina e sair transformado em peça de roupa — achava tudo aquilo mágico.
Após o falecimento do pai, mudou-se com a família aos 13 anos para Salvador, onde, inspirada pelas cores da cidade, teve certeza de que também queria fazer mágica na máquina de costura. “Achava que moda era aquilo, só depois fui entender que existiam marcas e que a moda ia além do ateliê da costureira.”
Cosmopolita, Isa não sossegou até vir morar em São Paulo, uma vontade que tinha desde jovem, quando vinha para a capital paulista para curtir o fervor de eventos culturais. Quando conquistou o sonho de mudar de estado e ingressar na faculdade de moda, encontrou um outro mundo.
“Desde os meus 9 anos, na primeira vez que vim para São Paulo, eu me apaixonei e coloquei na cabeça que meu sonho era morar aqui. Amo a cidade, mas digo que as pessoas a tornam difícil. Uma das coisas que achei mais impactante é quando você dá bom dia e, às vezes, a pessoa não responde. Ou então não te espera no elevador para ir junto com ela (risos).”
Mas não foi só do caos urbano que veio esse choque cultural. Descrita muitas vezes como questionadora, a estilista analisa que foram as situações que a cercavam que a fizeram, inevitavelmente, contestar a realidade.
“Não falava muito, só vim falar depois que ganhei voz”, conclui. “Quando tive entendimento do que era o mundo, comecei a questionar a moda. Ao entrar na faculdade e não ver referências de pessoas pretas, aí entrou muito a Isa questionadora.”
Após se frustrar com muitas situações e receber muitos “nãos” de grandes marcas, decidiu criar uma trajetória a partir de seu DNA. “Vi que, para ter destaque dentro do mercado, eu precisava resgatar minha história. Meu papel é falar sobre como é uma baiana, nordestina e trans fazer moda.”
O trabalho feito com amor e muita dedicação resultou em boas colheitas. Ao longo de sua carreira, Isa esteve presente em diversas edições da Casa de Criadores e SPFW, fez coleções em parceria com empresas gigantescas, e ainda caiu no gosto de nomes como Elza Soares e Gaby Amarantos.
Apesar de seguir inquieta criativamente, agora aos 32 anos, já pode começar a curtir um pouco da tranquilidade que almejou por tanto tempo.
Conquistas e descansos
A designer de moda nunca havia morado sozinha, a primeira vez foi em seu atual apartamento, para o qual se mudou em 2021. O lar pertencia a uma amiga, que deixou o país: “Já frequentava aqui há dez anos”, conta sobre o espaço localizado no bairro dos Campos Elíseos, bem próximo ao centro da cidade.
Após morar com a família, dividir a moradia com amigos e viver um casamento de dez anos, chegou o momento de encarar sua própria companhia após a separação.
“Quando se mora com outra pessoa, você tem alguém para conversar ou também brigar”, brinca. “Mas morando só conquistei autoconhecimento, me reconheci sendo eu. Vejo até como algo terapêutico, porque no dia a dia falo com muita gente, e quando chego em casa e não tem ninguém para conversar, crio um momento meu. Por isso, também adotei dois gatinhos”, ela se refere à Pretinha e ao Faraó, que perambulam entre as fotos deste editorial.
Sua relação com a decoração da casa é tranquila: adora adquirir garimpos, figuras e quadros que representam suas crenças e fé. Quando um amigo se ofereceu para repaginar alguns cômodos, aceitou com felicidade: “Amo surpresas, ele conhece meus gostos e confiei totalmente no talento dele. Só fui ver quando estava tudo pronto”.
Daniel Virgnio, que é seu amigo e criador do perfil @cafofododani, trouxe cor para o hall de entrada, antes todo branco, inseriu uma gallery wall com os quadros favoritos da moradora, deu vida ao quarto com tons terrosos e ainda repaginou o banheiro da casa trazendo modernidade para contrastar com o azulejo retrô.
“Eu sou meio acumuladora, então tenho incontáveis objetos pequenos. Teve um momento que pedi para pararem de me dar presente, porque não tenho mais espaço. Mas acho engraçado que as pessoas falam que viajam para descansar. Para mim, descansar é estar em casa fazendo ‘vários nadas’”, finaliza com uma risada daquelas que contagia qualquer um à sua volta.