Kacau Diaz: ela transformou um trauma de infância em revolução capilar
Aos 11 anos, Kacau perdeu todo o cabelo após um alisamento. Hoje, aos 50, comanda uma linha de cosméticos veganos e uma academia de formação profissional

Kacau perdeu todo o cabelo aos 11 anos de idade. Filha de mãe branca e pai preto, a garota havia acabado de passar as férias na casa da avó. Lá, recebera todos os cuidados específicos para um cabelo crespo – algo novo para ela. Voltou para casa e a mãe se assustou: “ela olhou pra mim e disse: ‘cara, não vou cuidar desse cabelo, você vai alisar’”, relembra.
No salão, o cabeleireiro se esqueceu de Kacau. “Para meu azar, chegou naquela hora uma mulher que era tipo a primeira-dama da cidade. E ele me deixou lá, disse que depois voltaria para lavar”.
Ela passou mais de três horas com os produtos no cabelo. E a orientação do profissional foi “lava na sua casa, é bom que o produto vai alisar ainda mais”. Ao tomar banho, já em casa, sentia tufos caindo da cabeça, junto com pedaços do couro cabeludo.
A avó, que estava na casa de Kacau, tentou ajudá-la, cortando, aos poucos, na esperança de conter a queda. Não adiantou. A garota chorava, ao lembrar da proximidade da volta às aulas. Não tinha o que fazer: a avó apenas a abraçou e somou as suas lágrimas às da neta.
“Sabe quando você chora até cansar de chorar? Foi o que fizemos. Aí ela respirou fundo e disse: ‘minha filha, você vai aprender a trabalhar com cabelo de preto para que isso nunca mais aconteça nem com você, nem com ninguém’. Demorou dois anos para que meu cabelo voltasse a crescer. Claro que, na escola, eu virei piada…”
Mais de trinta anos depois, Kacau Diaz teve tempo de apresentar à avó, que estava doente, quase no fim da vida, a sua própria marca de cosméticos: a Clean Beauty Vegan, uma linha de beleza limpa e sustentável, só com produtos naturais e orgânicos em suas fórmulas.
“Ela estava deitada na cama, abriu os olhos, começou a fazer carinho e disse ‘eu estou vendo um anjo’. Aí mostrei os produtos e disse: ‘vó, eu conquistei’”.
CARREIRA PRECOCE

Traumatizada, e seguindo o conselho da avó, Kacau começou, aos 13 anos, a trabalhar como assistente em um salão de beleza. “Eu fui tão maltratada! Não parava quieta! Hoje dou risada”, se recorda aos risos.
“Os salões de antigamente ou eram só para fazer permanente ou alisamento. Eu entrei em um que fazia permanente. E era um cheiro horrível. Eu lia as coisas e questionava tudo. E aí só ouvia ‘ai, você pergunta demais, menina. Para, não me enche o saco! Vai lavar cabelo, cortar, catar lixo’. Eu era muito curiosa! Foi paixão mesmo.”
Lá pelos 16, o pai, que era maquinista, havia sido transferido de Uberlândia, em Minas, para o interior de São Paulo – primeiro moraram em Jacareí, depois em São José dos Campos. Na cidade nova, Kacau se inscreveu em um curso técnico na área de química industrial no Senac, na capital paulista.
Anos depois, já com os três filhos nascidos, porém ainda pequenos, terminaria o curso superior de engenharia química. Ali nasceria uma vontade em, um dia, criar seus próprios cosméticos, destinados a cabelos naturais, com fórmulas livres de produtos químicos e nocivos.
“Foi uma fase difícil! Ao longo da graduação, eu não tive um dia de folga, nem mesmo aos domingos. Estudava em Lorena, de manhã, então precisava viajar todos os dias. Meu horário de estudo era da meia-noite às 3 da manhã”, relembra.
Tanto esforço e dedicação surtiram resultados. Em 2002, quando o dono do salão de beleza onde trabalhava decidiu fechar as portas, as clientes entraram em desespero. “Elas diziam que não podia ficar sem mim! Por mais que eu ainda não estivesse segura de ter meu próprio negócio, eu decidi abrir.”
A VIRADA COMO EMPREENDEDORA

O salão de Kacau em São José dos Campos começou com apenas uma sala. E foi crescendo – em apenas dois anos, precisaram alugar outras três salas. O sucesso levou até à contratação de um massagista e à uma parceria com um cirurgião plástico, que ia a cada 15 dias trabalhar no salão.
Aí veio um divórcio e os planos de Kacau mudaram, em 2004. “Minha separação foi um processo traumático. Decidi fechar tudo e me mudei para a França. Fui morrendo de medo, mas treinei muitos cabeleireiros também, nunca fui egoísta, deixei as clientes sob os cuidados deles”, conta. A sócia dela, grande amiga e também manicure do salão, decidiu acompanhá-la. As duas passaram um ano e quatro meses na Europa.
Na volta ao Brasil, se apaixonou mais uma vez, casou e se mudou para Vinhedo, no interior paulista, onde mora ainda hoje. Abriu outro salão e o manteve na ativa por mais oito anos – até que a caçula saiu de casa. E veio o baque da casa vazia.
NINHO VAZIO
A casa sem os filhos despertou uma inquietude em Kacau: onde estava o propósito da sua profissão? E aquela vontade de criar seus próprios produtos?
“Percebi que precisava dar uma pausa, estudar, entender algumas coisas. Precisava me reconectar com aquilo que eu realmente quero fazer: desenvolver meus produtos, estudar mais sobre os cosméticos”, diz. “É isso que eu sempre quis na minha vida. Eu estava vivendo muito o salão e esquecendo o que realmente queria fazer.”
Mais uma vez, fechou o salão. E, mais uma vez, precisou reabri-lo a pedido de suas clientes. “Foi a mesma coisa, ‘não, precisamos de você’. Tive de abrir, mas fiquei com uma sala pequena, só com horário marcado. E adivinha? Cresceu de novo!”, se diverte. Só que fez diferente.
Conseguiu se manter focada nos estudos – concluiu uma pós-graduação em cosmetologia e tricologia (os cursos preparam profissionais para desenvolver cosméticos e reconhecer e tratar problemas capilares).
Nesse período, também começou a dar cursos online. Começava ali a nascer a Academia Kacau Diaz. Atualmente, ela oferece diversos cursos: de beleza limpa, especialização em cacheados e crespos, e corte e coloração. Com a pandemia, Kacau intensificou ainda mais as aulas online.
E começou a trabalhar na criação de seus próprios produtos. As clientes, que haviam insistido para ela não deixar de atender, serviram como cobaias. “Eu pedia para que elas fossem sinceras. Quando mostrei um produto para cabelos ondulados, que ainda não existia, elas amaram, levavam embora as amostras grátis que eu deixava no salão.”
“Nasceram primeiro o shampoo e condicionador em barra, e um óleo natural multifunções. E elas estranhavam que esses produtos em barra não faziam espuma, parecia que o cabelo não estava sendo limpo. Ajustamos os produtos”, relembra.
Em 2021, enfim, lançou sua própria marca de cosméticos: a Clean Beauty Vegan. Todos os produtos são livres de sulfatos, parabenos, pigmentos e fragrâncias sintéticas.
“Eu sabia exatamente o que queria. Um cosmético que cuidasse do couro cabeludo, que pudesse ser usado inclusive por gestantes, crianças e pessoas em tratamento de saúde. Um produto que não maquiasse, mas realmente tratasse”, explica.
Ela abriu, no ano passado, uma loja para vender seus produtos – e é a primeira a trabalhar com o conceito de cosméticos fracionados e personalizados, vendidos em embalagens reutilizáveis. O compromisso com a sustentabilidade está em todos os detalhes, desde a fórmula até o modo de comercialização — o cliente pode levar o frasco de volta à loja para reabastecer.
“Não queria ser só mais uma poluindo o mundo com plástico e água. Queria fazer algo com sentido, com verdade”, diz. E assim fez – para orgulho da avó, que viveu tempo suficiente para ver a neta brilhar.
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