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Empreender é um desafio para as mulheres mesmo em países ricos

Projeto The Girls on the Road viajou pelos cinco continentes investigando as dificuldades que empreendedoras enfrentam – mesmo nas nações mais desenvolvidas

Por Gabriela Teixeira (colaboradora)
Atualizado em 19 ago 2020, 17h39 - Publicado em 15 abr 2020, 08h00
Taciana e Fernanda nos Estados Unidos  (Arquivo pessoal/CLAUDIA)
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O que leva alguém a abrir o próprio negócio? As respostas são muitas, mas o relatório anual divulgado pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em fevereiro aponta que, entre as mulheres, duas motivações se destacam: o desejo de fazer a diferença na sociedade e a necessidade de ganhar a vida, uma vez que os empregos estão escassos. Analisando 50 economias ao redor do mundo, o GEM constatou que a participação feminina na área é cada vez mais robusta, mas ainda fica muito atrás da masculina.

Em países como Egito, Japão e Noruega, por exemplo, existem mais de dois homens à frente de suas empresas para cada mulher na mesma posição. Por outro lado, em Madagascar, no Catar e na Arábia Saudita, o cenário é o inverso. Essas particularidades curiosas convenceram a estrategista de marketing Taciana Mello, 50 anos, e a advogada Fernanda Moura, 45, a cair na estrada e passar 15 meses observando o trabalho feminino pelos cinco continentes. Surgia assim o The Girls on the Road (@thegirlsontheroad), ou as garotas na estrada, em português.

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Taciana e Fernanda nos Estados Unidos (Arquivo pessoal/CLAUDIA)

A dupla ainda morava nos Estados Unidos quando teve a ideia, em 2015. “Começamos a interagir com brasileiros que tinham startups na região do Vale do Silício e percebemos a falta de mulheres na liderança das empresas”, conta Fernanda. Incomodadas, partiram em 2016 para tentar entender se aquele padrão se repetia em todos os lugares.

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Com o apoio de uma produtora de vídeo, uma agência de design e uma assessoria de imprensa – todas comandadas por mulheres–, as duas tiraram dinheiro do próprio bolso para financiar o projeto. Ainda arrecadaram 4 mil dólares em uma vaquinha online para comprar equipamentos. O propósito era produzir um documentário com as histórias coletadas – a estreia, marcada para este mês, foi adiada diante da pandemia. No meio do caminho, porém, perceberam que não seria o bastante. “Estávamos entrevistando mais mulheres do que havíamos imaginado e queríamos incluir todas no produto final”, revela Taciana. Decidiram lançar também um livro, Do Jeito Delas, publicado em 2018.

Destino certeiro

Planejar o roteiro da viagem exigiu análise atenta a cada uma das 24 nações visitadas. Taciana e Fernanda queriam explorar não só os destinos que já participam das discussões de empreendedorismo há muitos anos mas também aqueles sobre os quais as informações são mais escassas. “Fizemos questão de contemplar todos os continentes e de garantir diversidade do ponto de vista de relevância econômica. Por isso, incluímos dois países que não constam em nenhum relatório de empreendedorismo, Ruanda e Cuba”, explica Taciana.

O primeiro está em 9º lugar no ranking de igualdade de gênero e possui um parlamento composto majoritariamente de mulheres, mas pouco se fala dos negócios femininos lá. Já Cuba só começou a ter uma onda de empreendedorismo em 2008, após as reformas implementadas por Raúl Castro. “Sendo algo relativamente recente, era importante sabermos como a população estava lidando com essa nova realidade”, diz.

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Apesar de esses cenários pouco conhecidos estarem na lista, as maiores surpresas para a dupla apareceram na Europa. Na Noruega, considerada pelo Female Entrepreneurship Index (FEI) um dos dez melhores lugares para mulheres abrirem um negócio, o número de empreendimentos é baixo. Justamente pelo nível avançado de desenvolvimento e das medidas de bem-estar social, as norueguesas não sentem necessidade de ter a própria empresa. “Isso significa abrir mão da segurança que se tem sendo funcionária do governo ou de outra companhia”, esclarece Fernanda. Acontece apenas quando surge uma oportunidade incrível, um ramo inédito.

Índia e Coreia do Sul estão entre os países visitados. No percurso, conheceram
a realidade de diversas mulheres tentando empreender. (Arquivo pessoal/CLAUDIA)

Na Alemanha, berço de muitas multinacionais, a liderança feminina também é bastante reduzida. Segundo Fernanda, a mentalidade vigente é de que as mulheres devem se casar e se dedicar exclusivamente à criação dos filhos. “E é uma opção ótima, desde que seja um desejo da mulher. Lembrando que nenhuma de nós tem a obrigação de trabalhar, e tampouco o contrário”, afirma ela, apontando que a situação alemã é muito semelhante à japonesa. “Às vezes, acreditamos que em economias superdesenvolvidas a mulher terá protagonismo automaticamente, mas no Japão a condição feminina ainda é de submissão.”

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Mas nem tudo são espinhos. Na mesma lista do FEI, nosso vizinho Chile ocupa a 15ª posição, o melhor da América Latina no ranking. O destaque se deve, sobretudo, às políticas públicas desenvolvidas pelo governo para atrair e garantir a permanência das mulheres no ambiente empreendedor. “Isso não quer dizer apenas abrir programas em aceleradoras, mas oferecer linhas de crédito. Dinheiro é fundamental para empreender, independentemente de ser um homem ou uma mulher que está à frente da iniciativa. Mas sabemos que elas possuem dificuldade adicional para obter financiamento”, declara Taciana.

Um depoimento que ouviu na Austrália, lembra ela, sintetiza os desafios que as mulheres encontram quando buscam recursos. “Quando um investidor conversa com um empreendedor homem, a primeira pergunta que lhe vem à cabeça é: ‘Que tipo de empreendedor ele é?’. Mas, se for uma mulher apresentando sua proposta de negócio, será: ‘Ela dará conta de empreender?’. A mentalidade ainda é essa”, conta.

Quanto ao Brasil, Taciana nota uma evolução positiva. “Quando saímos do país, o que existia como farol para quem quisesse empreender era o Sebrae. Ao voltarmos, em 2017, o ambiente estava muito mais diversificado. Hoje, há um rico ecossistema para dar suporte às mulheres nesse ramo”, comemora. “Mesmo engatinhando, estamos à frente do que é visto em outras nações.”

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À esquerda, registro da passagem delas pela Norueg. À direita, acima, elas posam com Katja Thiede e Silvia Steude, idealizadoras do coworking juggleHUB. Abaixo, com a libanesa Priscilla Elora, cofundadora de uma empresa de segurança de dados. (Arquivo pessoal/CLAUDIA)

Todo lugar é lugar de mulher

Na estrada, Fernanda e Taciana encontraram desde negócios na área de biotecnologia até na de construção civil, o que as levou a entender que não existem limites de atuação para as empreendedoras, ainda que boa parte se concentre no setor de serviços. “Vimos mulheres se lançando em áreas em que não tinham nenhuma experiência e quebrando o paradigma de que somos pouco ambiciosas”, diz Taciana. Nada disso acontece, contudo, sem uma boa dose de dificuldades e barreiras. “Percebemos que os países onde as mulheres têm maior avanço econômico são aqueles em que dividem igualmente com os homens a responsabilidade por questões familiares e da casa”, enfatiza Fernanda.

A verdade – dura – é que nenhum país oferece o cenário ideal para a mulher empreender, mesmo que alguns estejam poucos passos à frente na corrida imaginária. Taciana acredita que, enquanto não houver mais discussão sobre os aspectos sociais e culturais que mitigam o poder feminino, pouco avançaremos. “Não podemos esquecer que, em termos de direitos, infelizmente ainda existem países em que a mulher não consegue sequer abrir uma conta no banco sem a autorização de um homem, geralmente o pai ou o marido. Se você não pode criar uma conta, como é que vai ter um negócio?”, argumenta.

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“O que faz com que as mulheres tenham maior possibilidade de sucesso é o apoio cultural, social e familiar recebido”, acrescenta Fernanda. “Apesar de tudo, elas estão comprando o desafio que é empreender com vontade de vencer e de criar empresas que também possam impactar outras mulheres no caminho. Mostrar isso é a melhor parte do nosso projeto”, completa ela.

Ouça ao podcast de CLAUDIA sobre como desenvolver resiliência 

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