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Por Ana Carolina Coelho. Feminista, mãe, escritora, poeta, dançarina, plantadora de árvores, pesquisadora e professora universitária
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Tempo: o retrovisor da vida

A colunista Ana Carolina Coelho revela como a experiência do luto na pandemia trouxe memórias da sua infância e impactou à sua rotina atual

Por Ana Carolina Coelho
28 abr 2021, 10h35

Viver é um constante olhar pelo retrovisor das nossas memórias. Nos últimos dias a nossa família, como tantas no mundo, teve que lidar com a trágica notícia de mais uma vitória da morte. Em meio aos telefonemas e mensagens de condolências, a vida encontrava as brechas da sua caminhada nas tarefas de uma casa com crianças.

Rotina, banhos, alimentação e deveres de casa encheram as horas a tal ponto que me vi atarefada, agindo automaticamente, e pouco foi o espaço permitido para o luto, em tempos de trabalho remoto sem hora para terminar. Dias que parecem ter começado manhãs atrás de tão longos e noites que são tão curtas que parecem apenas cochilos.

O passado, esse senhor de toda nossa História, sorrateiramente encontrou uma maneira de trazer as lembranças dos dias de infância à tona e, com elas, uma nova maneira de fazer entender o hoje e o meu “amaternar”. Sou filha do subúrbio do Rio de Janeiro e cresci com finais de semana em família, com todas as pessoas falando, rindo e comendo muito. Almoçava na “mesa das crianças” e ouvia as histórias dos adultos contadas aos milhares.

Minha família não era enorme para os padrões da época, mas tínhamos nossas dinâmicas, alegrias e piadas internas. Eu, sempre muito curiosa, colecionava as anedotas de todas as “pessoas grandes” que quisessem conversar comigo. E meu tio…ah! Meu tio adorava contar estórias, me levantar no colo e dizer que eu era uma sobrinha “enorme e pesada”. Era seu jeito português de dizer que eu era bonita. E ele ria com todo rosto. Um homem realmente grande, forte e lindo. Irmão mais velho que mamãe, filho meio, assim como eu. O que tinha as conversas mais engraçadas e divertidas.

Eu cresci e perdi contato com “O” tio. Vivi na ilusão infantil de que sempre haveria tempo para mais um abraço de urso, mais um rodopio no ar e mais uma risada aberta. Temos a estranha dificuldade de compreender que o tempo passa igualmente para todas as pessoas. Na minha memória, meu tio ainda é jovem, forte, grande e bem-humorado; ele jamais envelheceu.

Talvez porque estejamos vivendo um luto fragmentado, minha filha mais velha decidiu folhear álbuns antigos de fotos justamente esta semana. E se surpreendeu com as minhas fotos. Ela disse rindo: “Mãe, você nunca usava saias?” e “Por que você SEMPRE está de shortinhos curtos e camisetas?”. Eu me vi no espelho do retrovisor… um bem antigo. Aquele em que eu usava cabelos soltos, shorts, camiseta e pés descalços. Aquele em que minhas maiores preocupações eram se faria sol no dia seguinte e quais tarefas escolares eu tinha que fazer logo para ir brincar.

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E eu me vi pensando sobre o tempo e as pessoas que amamos. Sobre como eram as diferenças que sempre nos conectavam, como por exemplo: meu tio era vascaíno e eu, flamenguista. Esse era SEMPRE o primeiro assunto que vinha à tona quando nos encontrávamos. Implicâncias carinhosas e muito bom-humor.

As semelhanças agradam à “Narciso”, talvez: são pessoas que só são capazes de amar e admirar no Outro aquilo que é igual em si mesmos. As diferenças, pelo contrário, conseguem mostrar a força de uma convivência verdadeiramente respeitosa com a divergência. Elas precisam ser humildes para não criarem escalas e se destroem com as hierarquias. Elas são como toda família que decide se amar: um constante negociar de existências.

Eu hoje ainda uso shortinhos, ando descalça e sou flamenguista. E, ao mesmo tempo, cresci e envelheci, como todes nós. Aquela casa não existe mais. Eu agora sou “A” Mãe do novo lar construído. E, conforme as translações solares se acumularam na minha história, mais “adeus” que gostaria de contar já foram dados, mas nunca tantos à distância e sem a possibilidade de abraços e carinhos dos que ficaram para mostrar que a vida existe e resiste.

Agora, recebemos a notícia do fim e não há rituais. Não há braços e nem rostos ao vivo para garantir que teremos colo e continuidade. Houve uma ruptura do gestual da mortalidade: aquele que permite entendermos que a música de algumas risadas chegou ao fim.

Nesses dias tão duros, eu acalentei e fui acalentada mostrando fotos, dançando, cantando e deixando minha casa com cheiro de bolo e assados. Comemos à mesa contando anedotas do passado e vimos filmes antigos. Em meio ao caos, nos encontramos como uma família unida. O espelho me olhou de volta e sorriu.

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As festas dos finais de semana continuam aqui e, se depender de mim, “A” Mãe, (como foi que eu cheguei aqui? – a menina que se vê no retrovisor ainda se pergunta) serão as boas memórias “amaternadas” das minhas pequenas nesses dias que parecem todos iguais e o tempo impera como senhor das águas fugidias. Dias mulheres virão!

Vamos conversar?

Se quiser entrar em contato comigo, Ana Carolina Coelho, mande um e-mail para ana.cronicasdemae@gmail.com ou me procure no Instagram (@anacarolinacoelho79). Será uma honra te conhecer!

Quer conhecer as “Crônicas de Mãe”? Leia as anteriores aqui e acompanhe as próximas!

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