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Ataque da Bombril não é apenas ao cabelo, mas ao que ele representa

Há 70 anos com uma palha de aço chamada “Krespinha” em seu catálogo, após pressão na internet, Bombril para de vender o item

Por Ana Carolina Pinheiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 16 set 2020, 16h10 - Publicado em 17 jun 2020, 18h27

Há símbolos que marcam a nossa vida, seja por escolha, acaso ou imposição, tanto de um jeito positivo como negativo. Para se fazer presente, o racismo se utiliza de símbolos e códigos e atinge seus alvos em cheio, deixando marcas eternas. Quando uma empresa como a Bombril mantém uma palha de aço em seu catálogo – “há quase 70 anos” – com o mesmo nome, Krespinha, confirmamos algo que não é novidade para nós: o topo da pirâmide não mudou. Pessoas brancas e ricas, que não por coincidência ainda detém o poder de grandes empresas e instituições, seguem alimentando a estrutura opressora que nos mata em segundos ou em doses homeopáticas durante a vida.

Nos anos 1950, o produto acabava de chegar em São Paulo, tempos depois de ter sido lançado no Rio de Janeiro. “No Rio, todos me conhecem. Sou Krespinha – a melhor esponja para a limpeza da cozinha. As paulistas também vão me querer bem”, apontava o informe publicitário acompanhado da figura de uma menina negra. Em poucas palavras, no anúncio, encontramos diversos códigos que remetem à opressão sofrida por afrodescendentes, principalmente as mulheres: o cabelo crespo associado a um item de limpeza, o corpo negro em uma posição de subserviência e o ser negro resistente a todo tipo de trabalho e exposição. Não por coincidência, definições que acompanhavam a realidade dos negros escravizados aqui no país.

Reforçar essas marcas hoje é bater de frente com feridas ressignificadas. É difícil não encontrar uma mulher com o cabelo naturalmente crespo ou cacheado que não foi alvo dessa dura associação com a palha de aço, principalmente na infância. Ao ver o tweet com o nome do produto, senti o mesmo nó na garganta de quando engolia o choro com uns 5 anos de idade, depois de ouvir isso. Mas, se o grupo privilegiado pouco avançou na desconstrução do racismo que molda suas trajetórias, o peso da voz de quem já sofreu discriminação e de quem se aliou às causas é forte, dando mais equilíbrio e importância para denúncias de racismo como essa.

Usar o cabelo crespo ou cacheado é uma das formas de resistência e manutenção de vínculo com a própria história. A escravidão e exploração não só retiraram cidadãos de seus países, como também os submeteram a um duro processo de embranquecimento. Entre estupros de mulheres negras e facilidades para atrair imigrantes europeus, o mito da democracia racial foi inserido, forçosamente, na história do Brasil, fazendo com que negros rejeitassem seus traços e até não enxergassem sua própria etnia – a fim de serem mais bem tratados.

Por isso, fazer uso do racismo recreativo, ou seja, camuflar o racismo de “piada” para lucrar, mostra que o ataque não é apenas ao tipo de curvatura do cabelo, mas sim ao que ele representa. Não é uma reclamação só pelas dores que vivemos, é uma reivindicação principalmente pelo respeito à nossa cultura e também pela preocupação em relação ao ciclo infindável de hostilização a que pessoas negras são submetidas. Que mensagem você passa para  uma criança branca e para uma criança negra através da existência desse produto, por exemplo?

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Thamara Pinheiro, que já teve seu trabalho reconhecido pelo prêmio Leão de Ouro em 2019, é redatora na agência publicitária Soko, em São Paulo (Reprodução/Acervo pessoal)

Cansada, mas otimista. É assim que a ativista do movimento negro e redatora publicitária Thamara Pinheiro, de São Paulo, define sua reação à mais um caso de racismo. “Estamos falando de uma real mudança, não tem para onde correr. Há uma movimentação intensa na internet, que vai ecoar internamente na empresa e no mercado como um todo. Quando falamos em reuniões que é essencial a diversidade no quadro de funcionários, acham que estamos pedindo um favor a eles. Se tivessem pessoas pretas ali, esse produto dificilmente iria retornar com esse nome”, aponta Thamara, ex-integrante do programa 20/20 da agência JWT, que tem a meta de ocupar pelo menos 20% de seus cargos estratégicos com negros até o fim do ano.

A publicitária alerta sobre a inserção desses profissionais em todo o processo de criação e produção das campanhas publicitárias. “Não é suficiente colocar apenas um rosto negro na campanha, é preciso criar ações internas de inclusão e essas pessoas precisam ter oportunidades dentro da empresa e serem escutadas”. Como resposta, a população negra e seus aliados deveriam não comprar mais produtos dessa marca, aconselha Thamara.

Na tarde desta quarta-feira (17), a Bombril se pronunciou sobre a Krespinha através sua conta oficial no Twitter. Na manhã do mesmo dia, depois da repercussão negativa, o produto foi retirado da loja virtual da marca. Confira a nota publicada:

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Todas as mulheres podem (e devem) assumir postura antirracista:

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