Dependência emocional: sintomas e caminhos para libertação
Ao tentar garantir a permanência de quem amamos, podemos, sem notar, deixar as nossas identidades em segundo plano
Quando o assunto é amor, todo mundo experimenta o apego. Ele se intensifica com o tempo, e é absolutamente normal. Porém, em doses exageradas, esse sentimento pode se transformar em uma verdadeira dependência emocional. É o caso de Cristina*, publicitária de 27 anos [*que teve o seu nome alterado para esta reportagem].
Durante um relacionamento que durou quase cinco anos, ela se viu, aos poucos, deixando a sua identidade de lado para priorizar os gostos do parceiro.
“A dependência é muito sutil. Sempre deixava que ele escolhesse o que iríamos comer, qual filme assistiríamos, coisas do gênero. Para mim, não era nada demais, e eu até gostava de não precisar tomar decisões, pois me considerava indecisa”, conta.
No entanto, o que antes parecia apenas uma adaptação pequena, logo se transformou em uma crise de identidade. “Conforme a relação foi chegando ao fim, por inúmeros motivos, percebi algo que me deixou assustada: eu havia simplesmente me deixado de lado. Não saía mais com as minhas amigas, todos os nossos vínculos e hábitos do dia a dia estavam entrelaçados. Eu não sabia mais o que de fato me pertencia”, afirma.
Foi durante esse período que, enquanto pesquisava vídeos e matérias semelhantes à sua experiência, Cristina se deparou com o conceito de dependência emocional. “A partir daí, fui me fortalecendo. Mergulhei na terapia e, dia após dia, compreendi o quanto eu dependia da aprovação não apenas em meus relacionamentos amorosos, como em outras áreas da minha vida”, diz.
O que causa a dependência emocional?
De acordo com a psicóloga Giovana Zordan, especializada em terapia cognitivo-comportamental pela USP, a necessidade de ser aprovado pelo próximo, como era o caso de Cristina, é a base para compreender a dependência emocional. É como se buscássemos externamente aquilo que deveríamos sentir internamente, seja satisfação, segurança ou senso de propósito.
Para exemplificar, a especialista traz a “Teoria do Apego”, desenvolvida pelo psiquiatra e psicanalista britânico John Bowlby. “Há diversos estilos de apego, padrões que usamos para nos relacionar. Dentro desses padrões, Bowlby usa a palavra ‘apego’ para definir a conexão que estabelecemos com o próximo. Sendo assim, poderíamos definir a dependência como um ‘apego inseguro’”, afirma.
Ao contrário do que se acredita, não há pessoas com uma personalidade inclinada à dependência emocional. Para Giovana, tal afirmação é definitivamente equivocada.
“Esse fenômeno vai se formando ao longo da história do indivíduo. É como se existisse um terreno fértil para desenvolvermos um comportamento inseguro nas relações”, declara. Alguns fatores, como a criação em um lar instável, envolto em violência física ou psicológica, podem fortalecer as nossas chances de adotar uma forma prejudicial de viver o afeto.
A baixa autoestima, de acordo com a psicóloga, é uma condição constante em todos os que convivem com o medo extremo de viver sem a parceria. “Relacionamentos traumáticos e referências afetivas negativas também contribuem. Se a relação entre os meus cuidadores era perpetuada por insegurança, hostilidade e ciúmes, a tendência é que eu internalize tais traços como ideais em um namoro ou casamento”, diz.
Relacionamentos traumáticos e referências afetivas negativas contribuem para desenvolver a dependência. Se a relação com os cuidadores era de insegurança, hostilidade e ciúmes, a tendência é internalizar esses traços como ideais em um namoro
Giovana Zordan, psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental
Sintomas de dependência emocional
Para Mário Dominowski, comunicador e psicoterapeuta, a negligência da individualidade é um ponto de partida essencial para que estabeleçamos um ciclo de dependência.
“Um relacionamento é formado por três elementos: o eu, a outra pessoa e o nós. Então, por exemplo, nós podemos viajar juntos, mas eu também tenho uma viagem apenas com os meus amigos, e você tem essa viagem em seu trabalho. Isso precisa ser normalizado”, afirma.
O psicoterapeuta traz outra situação clássica: “Você me convida para jantar, e antes de aceitar, eu falo: ‘Tá ótimo, deixa eu só ver se o meu namorado pode’. Não precisamos incluir todo mundo em todos os lugares a qualquer momento”, declara.
Um relacionamento é formado por três elementos: o eu, o outro e o nós. Nós podemos viajar juntos, mas eu também posso viajar só com meus amigos. Isso precisa ser normalizado
Mário Dominowski, comunicador e psicoterapeuta
Cenários semelhantes aos citados acima, acoplados a uma falta de conhecimento sobre si, são a “receita certa para dar tudo errado”, nas palavras de Giovana Zordan: “Quando não sabemos o que queremos, tendemos a buscar que o outro valide tudo aquilo que somos”. A consequência, revela a psicóloga, é o adoecimento, que vem através do desenvolvimento de um estado ansioso ou depressivo.
A longo prazo, também é difícil que o casal se mantenha, pois uma conexão insegura provoca um constante estado de alerta em ambas as partes.
“Muitos, ao notarem estar em um lugar de vulnerabilidade e dependência, vivenciam um grande temor: ‘E se o outro me trocar por alguém ou apenas me abandonar?’. Todos esses pensamentos são capazes de potencializar patologias”, diz.
Dependência emocional tem cura?
Mas e aí, o que fazer para quebrar esse ciclo? Segundo Mário, o primeiro passo é realizar uma autoanálise, a fim de identificar quais são os nossos padrões de comportamento. “Olhar para dentro é imprescindível. É como aquela frase: ‘Só conseguimos enxergar a ilha ao sair dela’”, afirma.
Desenvolver autonomia também é importante. Para isso, o psicoterapeuta indica iniciar com a tomada de pequenas decisões (como qual shopping visitar ou qual delivery pedir) e, posteriormente, apostar em posicionamentos de alto impacto (qual viagem realizar ou onde eu desejo morar).
A prática de mindfulness (e outras técnicas de meditação), diz o especialista, também é extremamente benéfica para trazer à consciência as estruturas psíquicas que sustentam as nossas atitudes. Giovana cita algumas questões essenciais para quem está buscando mais autonomia. São elas: “Qual é o tipo de vida que eu gostaria de estar vivendo?”, “Estou vivendo de acordo com os meus valores?” e “O que traz potência para o meu ser?”.
Além disso, atividades em grupo, como dança, esportes ou teatro, nos trazem a possibilidade de existir para além de nossos relacionamentos — algo fundamental quando discutimos independência emocional.
Exercitando o amor próprio
Mas não há como falar de autonomia sem esbarrar naquilo que todos buscamos no dia a dia: a autoestima. A verdade é que esse termo anda um tanto batido, parece abstrato e inalcançável. Para reverter esse cenário, Giovana nos orienta a destrinchar o que de fato a ideia representa. “A autoestima consiste em três pilares: autovalor, autoeficácia e autoimagem”, afirma.
A primeira diz respeito à sensação de ser valiosa para as pessoas: “Quanto mais eu encontro as minhas amigas, dou conselhos e passamos momentos juntas, mais eu me percebo como uma pessoa de valor”, diz.
A autoeficácia fala sobre nos colocarmos em situações nas quais sabemos que conseguiremos ter um bom desempenho, em que somos capazes. Por último, a autoimagem é a maneira como nos enxergamos, não somente no espelho, mas também internamente.
“Essa imagem vai sendo construída desde a infância, se estabelecendo na vida adulta. Para ilustrar: se enquanto criança eu recebo muitas críticas sobre o meu corpo, cabelo ou tom de pele, cresço tendo uma ideia de que possuo uma imagem inadequada”, declara.
Segundo a psicóloga, quando não trabalhamos esses pilares no dia a dia, surge o risco de nos adaptarmos excessivamente aos outros, e criamos a falsa impressão de que apenas ele irá aceitar o quão inadequados somos. Agora, é claro, não precisamos seguir todos esses conselhos como uma receita de bolo.
É necessário paciência e tempo para quebrar dinâmicas pouco saudáveis, seja com os outros, seja com nós mesmos. Dito isso, Mário Dominowski oferece um adendo indispensável: não é por que nos percebemos dependentes, que precisamos terminar a relação.
“Precisamos conversar, apontar o que nos incomoda, o que está legal ou não. Quanto antes nós conseguimos interferir, melhor. É muito mais fácil cicatrizar um arranhão do que curar uma ferida profunda.”
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