Os dias – conto de Amor e Sexo
Juliana descobre que tem uma doença grave e incurável, mas não tem coragem de falar nada sobre o diagnóstico ao marido. Aos prantos, inventa que fora demitida do emprego
Aos prantos, Juliana inventa que fora
demitida do emprego
Foto: Getty Images
Existem sensações na vida que são mais difíceis de relatar do que outras. Por exemplo: quando você beija alguém que ama. Por mais detalhista que seja a descrição, o outro nunca poderá experimentar a mesma coisa que você. Ou quando nasce seu filho. As dores, o choro e a emoção desse momento serão sempre inexplicáveis. Estou contando isso para tentar falar sobre o que passei naquela tarde chuvosa de sexta-feira. Por mais que eu explique você nunca conseguirá sentir o que realmente eu senti.
Enquanto muitos se preparavam para um final de semana maravilhoso ao lado de seus pares, eu permanecia em silêncio sentada numa cadeira. À minha frente, um homem de óculos quadrados me olhava com a maior piedade deste mundo. Na verdade, não conseguia distinguir mais o rosto dele. Eu só tremia. “Eu não entendi…”, repetia, nervosa, segurando minha bolsa com a mesma força que tinha usado no parto de meu filho único, Rodrigo. “Juliana, você sofre de uma doença incurável. Fizemos todos os exames e…você tem uma sobrevida menor do que imaginávamos…”, repetia, sussurrando como se não quisesse que eu escutasse.
Minhas pernas se mexiam no mesmo ritmo frenético do meu coração. Apertei mais a alça da bolsa. “Há quanto tempo tenho errr… isso?”, perguntei, sentindo as lágrimas caírem de meus olhos em quantidade cada vez maior. Havia dois meses que tinha entrado naquela clínica pela primeira vez. Decidi fazer alguns exames porque estava me sentindo mal nos últimas mos tempos. A princípio, seriam apenas exames de rotina, desses que precisamos repetir sempre. No entanto, tive de refazer vários deles, porque havia a suspeita de que uma doença muito séria se alastrava dentro de mim.
“Você terá toda a assessoria do hospital e uma psicóloga para acompanhar seu tratamento. Ele, aliás, será reforçado. Isso poderá aumentar essa expectativa para um mês ou mais…”, consolou-me o doutor, já acostumado a dar aquela notícia a outras pessoas. Fixei meus olhos em um porta-retratos na mesinha dele. “É sua família?”, perguntei, enxugando as lágrimas. “Sim, minha mulher e minha filha”, falou, com medo de que sua resposta me deixasse ainda pior.
Tentei esboçar um sorriso. “Também tenho uma foto assim. Meu marido, Fábio, eu e meu filho fomos para a praia no ano passado e ele tirou alguns retratos”, contei como que sedada. Olhei o relógio. Já estava sentada ali havia uma hora. Fui embora. Mal consegui dirigir no trajeto de volta para minha casa. “Mãe, o pai me prometeu uma bola de futebol profissional”, falou Rodrigo logo que me viu abrir a porta.
Forcei um sorriso e fui para o quarto. Atirei-me sobre a cama e desabei num choro doído. O maior de toda a minha vida. Com as mãos tensas, agarrava-me ao edredom na vã tentativa de não despencar de minhas esperanças e do pouco tempo que me sobrava para viver. “Por que eu, meu Deus”, gritava, num misto de fúria, rancor e tristeza profunda. Ao levantar a cabeça, vi Fábio e Rodrigo parados na porta. Eles sabiam que eu havia ido à clínica pegar os exames. “O que foi, meu amor?”, perguntou meu companheiro de tantos anos.
Em questão de segundos, olhei para os envelopes com meus resultados sobre a cadeira e notei que estavam discretamente fora do campo de visão dos dois. “Na clínica deu tudo certo. Mas no trabalho… Fui despedida!”, disse sem pestanejar. Ter contado a maior mentira de minha vida naquele momento pouparia os dois seres que mais amava na face da Terra de morrerem aos pouquinhos, como acontecia comigo. Foi assim que começaram os meus dias finais.