Como a pequena economia pode salvar o Brasil: insights de Décio Lima do Sebrae
Presidente do Sebrae defende valorização dos pequenos empreendimentos e de saberes tradicionais como base para um novo modelo econômico
Não eram nem sete da manhã e o Rio Tapajós já estava quente, a umidade tomava o ar e a areia branca indicava que não era tempo de cheia. Estava em Santarém, no Pará, a mais de mil quilômetros de onde a COP 30 acontece, em Belém. Apesar da distância que separa as duas cidades, a urgência climática também era pauta ali.
Numa região onde a economia popular da biodiversidade é uma presença antiga, o Sebrae identificou o potencial de criar um modelo de referência. Mais do que isso, a necessidade de preservar o que já existe, para que os negócios não sejam usurpados, algo que a vulnerabilidade costuma facilitar.
“Nós somos o povo que construiu cidades, igrejas grandes, fizemos as cracolândias e o Rio Tietê. Os povos originários preservaram as montanhas, os verdes, as águas limpas dos rios, e ainda dividem o que pescam ou caçam. Não criam exclusão, não criam cracolândias. É um grande exemplo do que precisamos reaprender”, diz Décio Lima, presidente do Sebrae Nacional, em entrevista à CLAUDIA.
“Os povos originários preservaram as montanhas, os verdes, as águas limpas dos rios, e ainda dividem o que pescam ou caçam. Não criam exclusão, não criam cracolândias. É um grande exemplo do que precisamos reaprender”
O presidente também falou sobre a necessidade dos pequenos negócios para a sustentabilidade, a importância de um novo olhar para o Brasil e o que precisa ser feito. Confira a entrevista completa à seguir.
Lorraine Moreira (LM): Tenho ouvido muito que esta região tem grande potencial, mas ainda não é plenamente aproveitada porque o olhar costuma se voltar a outras partes do Brasil. O que levou o Sebrae a olhar para cá?
Décio Lima (DL): Percebemos, com base em estudos profundos, o potencial que representa a riqueza brasileira para produzir uma economia dentro de um conceito que só o Brasil pode desenvolver neste momento: o da sustentabilidade.
Só o Brasil tem a Amazônia e seis biomas. Entendemos que temos a responsabilidade de induzir esse modelo econômico, que ainda é uma riqueza incalculável. É uma riqueza que mostrará ao mundo que é possível uma economia baseada em recursos naturais sem destruir a própria natureza.
LM: Por que é preciso proteger os pequenos empreendimentos?
DL: A bioeconomia também nasce da inteligência humana individual, é o ser humano que percebe, que constrói, e, por isso, ela é dos pequenos negócios. Ela começa na essência dos pequenos negócios.
O sucesso da bioeconomia e da sustentabilidade depende de que ela permaneça nas mãos desses pequenos empreendimentos. Porque, se entrar em processo de escala, vira uma economia agressiva. Acaba se transformando em uma acumulação cruel, decorrente do próprio sistema.
Entendemos que esse processo de inteligência humana individual, ligado à bioeconomia, precisa ser protegido. Hoje, há um processo global de transferência da acumulação da riqueza: os ricos antes eram os donos das terras, depois vieram os industriais, depois o sistema financeiro e, agora, os donos das big techs, que capturam a criatividade e a inteligência humana.
Por isso, temos muito claro que precisamos induzir e proteger aquele que cria dentro do seu bioma, dentro da sua realidade local. Precisamos patentear e garantir que sua mente não seja vulnerabilizada pela gula do mercado.
LM: Você falou sobre a importância das pequenas empresas para criar um ecossistema sustentável. Num mundo ideal, o Brasil seria formado só por pequenos empreendimentos?
DL: Hoje, o retrato da economia brasileira já mostra isso em grande parte: 95% das empresas brasileiras são micro e pequenas. Elas são o contraponto da acumulação de riqueza. Essa pequena economia, induzida pelo Estado social que o presidente Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin trouxeram de volta, foi o que tirou o Brasil do mapa da fome novamente.
Dos que saíram do Cadastro Único, 98% ou conseguiram emprego na pequena economia ou criaram sua própria empresa, como MEI, empresa de pequeno porte ou microempresa.
No caso das micro e pequenas, elas são as que mais oferecem emprego formal: dos quase 1,7 milhão de novos empregos criados no ano passado, 1,3 milhão vieram dessas empresas. Isso pulveriza a economia, distribui renda e gera inclusão.
A cada cinco minutos, abre uma padaria numa periferia brasileira. Isso acontece porque o povo voltou a comer — e, voltando a comer, movimenta a pequena economia: padarias, prestadores de serviço, pequenos comércios.
Eu não acredito que o capitalismo, por si só, tenha solução. Mas acredito que a pequena economia melhora o sistema capitalista naquilo que ele tem de mais perverso: a exclusão e a concentração de riqueza sem visão humanista.
LM: Que modelo de desenvolvimento o Brasil pode oferecer ao mundo?
DL: O espírito empreendedor da pequena economia, junto com o Estado social, mostra que é possível, mesmo em uma sociedade capitalista, garantir que ninguém viva na miséria, na fome ou sem renda. Esse é o mínimo que devemos buscar num país com a dimensão e a riqueza do Brasil.
Precisamos mudar nossos “deuses”. A história brasileira carrega um equívoco: achamos que somos um “paísinho” de terceiro mundo, uma colônia, e que o modelo de sucesso são os americanos. Eu diria que é o contrário. O Brasil tem potencial para mostrar ao mundo um paradigma exemplar, mesmo dentro do capitalismo, de economia sustentável, globalizada e inclusiva.
Se continuarmos nesse caminho, inseridos nas revoluções da tecnologia, da inteligência artificial e da economia sustentável, poderemos mostrar nossas riquezas ao mundo.
Hoje, qualquer pessoa numa periferia de Santarém compra algo do outro lado do mundo. Nós também temos que vender para o outro lado do mundo, mostrar o que produzimos com nossas mãos e gerar renda para milhões de pessoas.
LM: Quais são as maiores dificuldades para colocar isso em prática e atrair investimentos para cá?
DL: Quem olha a grandeza do nosso país, o tamanho do Rio Tapajós e o encontro dele com o Amazonas, percebe que nossas dificuldades são pequenas diante daquilo que representamos. A maior dificuldade é a omissão, é não fazer, ou fazer errado. Permitir invasões e destruição dessas terras, por exemplo.
Esse território já teve a presença de Henry Ford, em 1938, que veio para tirar nossa riqueza. Temos que ter claro que nossa riqueza é tão grande que precisamos protegê-la em nome da soberania nacional. Dizer: ‘isso aqui é o Brasil’.
Eu não vejo dificuldade. Eu queria estar nascendo agora aqui em Alter do Chão para fazer tudo de forma certa. E você, como jovem repórter, ao olhar para isso, o que prefere? Morar aqui, num lugar com árvores, rios limpos e floresta em pé, ou na Europa, que é bonita e histórica, mas já não tem mais isso?
LM: Quando eu cheguei aqui, todo mundo disse: ‘Você vai querer morar aqui’.
DL: Pois é. Eu vim a Santarém pela segunda vez, há uns 20 dias, e agora novamente, a pedido do presidente da República. Na primeira visita, olhei o Rio Tapajós ao pôr do sol e pedi perdão a essa terra. Eu nasci na beira da praia e achava que aquele era o paraíso. Mas percebi que estava sendo indiferente a uma beleza que meus olhos ainda não conheciam.
Outra coisa maravilhosa aqui é a hegemonia dos povos originários. Eles têm muito a nos ensinar, inclusive a corrigir nossos erros. Nós construímos cidades e igrejas grandes, mas também as cracolândias e o Rio Tietê poluído. Os povos originários preservaram as montanhas, os verdes, as águas limpas dos rios, e ainda dividem o que pescam ou caçam. Não criam exclusão, não criam cracolândias. É um grande exemplo do que precisamos reaprender.
LM: O trabalho de vocês envolve também articulação política e empresarial. Qual a importância de trabalhar em conjunto?
DL: O Sebrae tem uma natureza de pensamento hegemônico. Quando chega, traz credibilidade. É uma marca respeitada. Mas o Sebrae só atua em parceria, nunca sozinho. Atua com a população, associações, cadeias produtivas, prefeituras, escolas, universidades, governos e a Presidência da República. Nosso conceito é simples, a parceria.
Temos um lema: quanto mais abelha, mais mel. Vamos juntar todo mundo, mesmo nas diferenças políticas ou institucionais, e construir processos que ganhem força e superem as dificuldades. Eu nunca chego sozinho a um território. Procuro as entidades locais, unifico, apresento projetos e busco o convencimento pelo diálogo.
Nossa presença em Santarém e na Amazônia é uma construção permanente de parcerias com todos os agentes possíveis. Isso gera resultados e segurança, porque todos se envolvem e se apaixonam. Quando o projeto está pronto e bem estruturado, ele se sustenta por si só, ninguém duvida dele.
LM: Tem algum recado que gostaria de deixar?
DL: Nós precisamos acreditar no nosso Brasil. O grande problema do país é a cultura do pessimismo, de achar que somos pequenos. O Brasil não tem igual. Já viajei o mundo todo, repúblicas, monarquias, democracias, ditaduras, e em nenhum outro lugar encontrei o que temos aqui.
A jornalista viajou à convite do Sebrae.
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